Edição 263 | 24 Junho 2008

Rio Grande do Sul: “Existe uma crise de legitimidade”

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Graziela Wolfart

Eduardo Carrion analisa a crise política gaúcha e aponta que o problema começou com a política de alianças com objetivos imediatos, sem visão estratégica

“No plano político, parece que não honramos mais nossas tradições republicanas que remontam em grande parte à experiência castilhista. Houve uma espécie de demissão da classe política local. Os partidos políticos e a prática política regional não fomentaram a formação de uma nova geração política efetivamente comprometida com o ideário republicano.” A opinião é de Eduardo Kroeff Machado Carrion, professor de Direito Constitucional na Faculdade de Direito da Fundação Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul e ex-diretor da Faculdade de Direito da UFRGS. Em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, Carrion reflete sobre a atual crise política que vive o Rio Grande do Sul, a partir das denúncias de desvio de verbas de instituições estatais para financiamento de campanhas políticas. Para o professor, “as mazelas que estamos presenciando na vida política local não deixaram de ser um choque de realidade”. No entanto, ele acredita que “é o momento de pensarmos em alternativas em termos de gestão pública. O Rio Grande do Sul pode novamente ser inovador nesse aspecto”. Eduardo Carrion é graduado em Ciências Jurídicas e Sociais, pela UFRGS, e mestre em Direito Constitucional e Ciência Política, pela Université Paris I Panthéon-Sorbonne.

IHU On-Line - Como entender a crise política gaúcha hoje? Quais são as origens do episódio que motivou o problema e a falta de legitimidade a que chegou o governo do Rio Grande do Sul?

Eduardo Carrion - Creio que o problema já começou com a política de alianças com objetivos imediatos, sem visão estratégica, o que levou ao loteamento de cargos e à falta de profissionalização no comando do aparelho estatal, como, aliás, confessou o ex-chefe da Casa Civil, Cézar Buzatto. Em que pese algum sucesso na política financeira, mas com alto custo social, haja vista a falta de efetivos investimentos em áreas sensíveis como segurança, saúde e educação, existe uma crise de legitimidade provocada em grande parte pelas denúncias de irregularidades e de desvio de recursos públicos em órgãos estatais. Sem falar na inexistência de uma verdadeira política ambiental, hoje prioridade mundial, assistindo-se a uma capitulação em face dos grandes interesses empresariais.

IHU On-Line - A forma de fazer política no Rio Grande do Sul ainda guarda resquícios da tradição histórica castilhista? Como entender que chegamos a uma “mediocridade da classe política” (usando suas palavras), após termos formado tantas grandes lideranças nacionais?

Eduardo Carrion - O Rio Grande do Sul perdeu espaço econômico, político e cultural nas últimas décadas. No plano político, parece que não honramos mais nossas tradições republicanas que remontam em grande parte à experiência castilhista. Houve uma espécie de demissão da classe política local. Os partidos políticos e a prática política regional não fomentaram a formação de uma nova geração política efetivamente comprometida com o ideário republicano.

IHU On-Line - Qual é a influência da falta de planejamento e da escolha de dirigentes (da forma como foi feita) para chegarmos aonde chegamos?

Eduardo Carrion - As práticas do clientelismo exacerbado contaminaram a política regional, reduzindo a profissionalização no comando do aparelho estatal, com prejuízos para uma gestão mais moderna e democrática do Estado. O que se anunciou como novo foi finalmente a reiteração do velho, a repetição dos aspectos mais atrasados da vida política nacional.

IHU On-Line - Qual sua opinião sobre a postura de Feijó (gravação) e sobre o fato da maioria dos gaúchos apoiarem essa atitude?

Eduardo Carrion - Do ponto de vista jurídico, não há nenhuma censura a ser feita. Do ponto de vista político ou ético, algumas objeções foram levantadas com relação ao episódio. De qualquer forma, a divulgação da gravação tornou flagrante para a população o que, em grande parte, já se sabia nos bastidores da vida política regional. Nesse sentido, prestou-se um serviço público. Por isso mesmo, a população gaúcha, em sua maioria, apoiou a iniciativa.

IHU On-Line - Como o senhor vê que a população gaúcha tem reagido diante desta crise política? O que muda na imagem do gaúcho diante dos demais estados brasileiros?

Eduardo Carrion - A própria deslegitimação do governo estadual já é resultado  da consciência política do povo gaúcho. As mazelas que estamos presenciando na vida política local não deixaram de ser um choque de realidade. É o momento de pensarmos em alternativas em termos de gestão pública. O Rio Grande do Sul pode novamente ser inovador nesse aspecto.

IHU On-Line - Quais os possíveis rumos do governo do Rio Grande do Sul a partir de agora, para os próximos dois anos? O que esperar de um governo em que governadora e vice não se entendem?

Eduardo Carrion - Não vejo condições de grandes inflexões nos rumos do governo atual. A mediocridade persistirá. A esperança é aguardarmos o processo eleitoral. O que não impede que pensemos, desde agora, alternativas possíveis em termos de gestão pública.

IHU On-Line - Em entrevista à Folha de S. Paulo, o senhor afirmou que, “em certo sentido, o governo Yeda está ajudando o PT”. Pode explicar sua posição?

Eduardo Carrion - Parece ser isto. As insuficiências e os erros do governo atual, utilizando eufemismos, estão favorecendo a articulação da oposição com vistas ao processo sucessório estadual. O que se espera é que a classe política gaúcha aproveite esse choque de realidade a que me referi para possibilitar um amplo debate com a sociedade no sentido da regeneração da vida política gaúcha. 

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