Edição 262 | 16 Junho 2008

“Sempre que o Estado manipula a vida humana, como Hitler o fez, o direito se desumaniza”

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Patricia Fachin

Para o jurista Ives Gandra, pesquisas com células-tronco embrionárias ferem a dignidade do ser humano

Contrário à utilização de células-tronco embrionárias para fins terapêuticos, o jurista Ives Gandra fundamenta sua posição nos ensinamentos da Ciência e do Direito. Em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, ele argumenta que esse tipo de pesquisa “demonstra que dificilmente teremos qualquer cura” e, sendo assim, “não há porque destruir vidas humanas no seu estágio embrionário”. Para ele, a vida começa na concepção e por isso, o Estado deve assegurar sua preservação. “Na primeira célula, todo o código genético da pessoa já está plasmado. E, se o embrião é uma vida, só pode ser vida humana”, justifica.
Ives Gandra é graduado em Direito, especialista em Direito Constitucional, pela Universidade Mackenzie, e em Direito Tributário, pela Universidade de São Paulo (USP). Pela Universidade Mackenzie, doutorou-se em Direito, com a tese Uma contribuição ao estudo da imposição tributária.

IHU On-Line - Como o senhor recebeu a notícia da liberação das pesquisas com células-tronco embrionárias?

Ives Gandra - Apesar de considerar uma relativização do direito à vida e serem as pesquisas com célula-tronco embrionárias um fracasso mundial há pelo menos dez anos, e as pesquisas com células-tronco adultas serem muito mais promissoras, principalmente os efeitos pluripotentes por indução que os cientistas Thompson e Ymaka obtiveram, recebi com naturalidade. Por apenas um voto a inviolabilidade sem transigências ao direito a vida foi derrotada.

IHU On-Line - O senhor é contrário à utilização de embriões para pesquisas e terapias. Em que fundamenta sua posição?

Ives Gandra - Na Ciência e no Direito. Na Ciência, porque os fracassos sem nenhuma perspectiva de sucesso em todos os países demonstram que dificilmente teremos qualquer cura a partir destas pesquisas. E, se forem apenas por uma curiosidade científica que se realizam, não há porque destruir vidas humanas no seu estágio embrionário.

No Direito, porque a Constituição Federal fala em inviolabilidade do direito à vida (caput do art. 5º), o Código Civil (art. 2º) na garantia de todos os direitos do ser humano desde a concepção e o Pacto de São José (art. 4º) que a vida deve ser preservada desde a concepção. Por fim, no zigoto já há vida humana com todo o código genético de cada pessoa.

IHU On-Line - Cláudio Fonteles argumenta que as pesquisas com células-tronco ferem dois princípios constitucionais: a dignidade e a inviolabilidade da pessoa humana. Em que medida esses princípios são violados em se tratando dessas pesquisas?

Ives Gandra - A dignidade do ser humano na sua forma embrionária é violada por sua destruição. Sobre a inviolabilidade, é porque a própria Constituição diz que “a vida é inviolável” (art. 5º, caput).

IHU On-Line - Como garantir a dignidade humana se, para a sociedade, a própria concepção de iniciação da vida é diferente? Como o Estado deve agir nesse caso?

Ives Gandra - Há um fato científico inconteste. Na primeira célula todo o código genético da pessoa já está plasmado. E, se o embrião é uma vida, só pode ser vida humana. A questão não é religiosa, mas a exclusivamente científica e jurídica. Sempre que o Estado manipula a vida humana, como Hitler o fez, o direito se desumaniza.

IHU On-Line - Se partirmos do princípio de que o embrião é uma pessoa, como julgar casos em que a mãe opta pelo aborto? Como garantir a dignidade humana e, ao mesmo tempo, a liberdade, autonomia de ambos sujeitos? É possível chegar a um consenso?

Ives Gandra - O aborto também atinge a dignidade do ser humano. O aborto é um homicídio uterino. Nenhuma mãe tem o direito de matar seu próprio filho, quando ele apenas depende dela para viver. Há matérias em que o consenso não é possível. As pessoas podem decidir o que quiserem e fazer o que bem entenderem, mas o fato único – e este incontroverso - é que o aborto é a destruição de uma vida humana, que depende exclusivamente de sua mãe para continuar a viver.

IHU On-Line - Quais são as emergências éticas que devem ser consideradas nas pesquisas com células-tronco embrionárias? Agora que regulamentadas, que aspectos e ações devem ser levados em consideração?

Ives Gandra - A manipulação genética com a destruição de embriões é sempre ilegítima; utilizar células do próprio organismo, reprogramando-as para permitir curas, não. É o que, aliás, se faz na medicina regenerativa (desvios de septos, correções de atrofias variadas etc.).

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