Edição 261 | 09 Junho 2008

Invenção - Rodrigo Garcia Lopes

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André Dick

Editoria de Poesia

O escritor, jornalista, tradutor e compositor Rodrigo Garcia Lopes nasceu em Londrina (PR), em 1965. Na área acadêmica, ele é mestre pela Arizona State University, com tese sobre os romances de William Burroughs, e doutor em Letras, pela Universidade Federal de Santa Catarina, com tese sobre a poeta modernista norte-americana Laura Riding. Atualmente, trabalha como professor do departamento de Línguas Românicas na Universidade da Carolina do Norte (EUA) e é um dos editores da revista Coyote, além de manter o blog www.estudiorealidade.blogspot.com. Como jornalista, publicou o referencial Vozes & visões: panorama da arte e cultura norte-americanas hoje (São Paulo: Iluminuras), com entrevistas com personalidades como John Cage, Allen Ginsberg e William Burroughs, entre outros. Não por acaso, é um dos principais tradutores de poesia norte-americana. Verteu para o português, por exemplo, obras como Folhas de relva (São Paulo: Iluminuras, 2005), de Walt Whitman, e Ariel (Campinas: Verus, 2007), de Sylvia Plath, que já havia traduzido em Sylvia Plath – Poemas (São Paulo: Iluminuras, 1990), em parceria com Maurício Arruda Mendonça. Na área de poesia, por sua vez, seus livros mais destacados são Solarium (São Paulo: Iluminuras, 1994), Visibilia (Rio de Janeiro: Sette Letras, 1996; 2. ed. Curitiba: Travessa dos Editores, 2005), Polivox (São Paulo: Azougue, 2001) e Nômada (Rio de Janeiro: Lamparina, 2004).

Embora tenha se tornado o poeta mais influenciado por Paulo Leminski da atualidade, Rodrigo conserva em sua poesia um ritmo habitado pelos beats dos anos 60 e pela Language poetry norte-americana, sem abdicar de seu próprio estilo – sendo um dos primeiros poetas brasileiros a estabelecer um contato mais evidente com a cultura norte-americana, o que trouxe um acréscimo à tradição. Solarium, por exemplo, reúne poemas curtos, incisivos, ao estilo de Leminski - entre os quais “Peônias negras” (com sua coleção de haicais) – e outros mais longos, na linha de John Ashbery e de beats como Lawrence Ferlinghetti e Allen Ginsberg. Há, ao mesmo tempo, uma espécie de equilíbrio entre cummings e Bashô, num poema como “Outro outono”, com os versos “céu de nuvem nenhuma / lambe a manhã / derruba folhas / uma por uma”.

Na segunda parte do livro, “Polaróides”, como já traz o título, Rodrigo utiliza todos seus recursos imagéticos, descrevendo paisagens como se as tivesse fixado em fotografias e, só depois da sensação de tê-las visto, conseguisse encontrar uma representação delas para o papel. Em “Montanhas”, por exemplo: “não são nuvens / mas tão brancas / / solitárias / (mas são tantas)”, ou no solar “Mr. Paradise”: “folha (qualquer coisa) vermelha / pensando ser outono ou tudo / / aquilo que pensamos en- / quanto borboletas brincam / / entre punks e turistas ELA / sorri com um céu sem nuvens”. Seu diálogo com outros poetas prossegue: com Ana Cristina Cesar (em “Morning glory”), com Ferlinghetti, novamente (em “Zen breakfast club”), com Sylvia Plath (em “Sheep in fog, uma leitura”), com John Cage (em “Now”), com Giuseppe Ungaretti (em “Venezia”), além de mostrar outros poemas concisos como haicais, sem o desgaste, porém, dessa forma, como “a viagem vai / apagando paisagens / devagar / / vão pintando / outras / no caminho” ou “voltando pela praia / as pegadas na areia / são as minhas”.

Solarium é uma espécie de síntese de sua obra, uma espécie de núcleo a partir do qual ela se expande. Ele, claro, exploraria outros caminhos, especializando-se num ritmo próprio, como no poema “Durame”, de Visibilia: “No cerne, a carne, o ser. / O instante, que ia ser isto, / / Não foi, ficou, de repente, / no mistério de um sorriso”. Seu diálogo com Leminski é retomado, em “Oração à brisa” (“brisa que reprisa / o vídeo das manhas / beijo alisa a língua / brasa agora / / comemora”), e o poema mais longo reaparece em “Stanzas in meditation”. Em Polivox, por sua vez, Rodrigo começaria a misturar aos referenciais de seus outros livros uma leitura da cultura egípcia, aprimorada em seu livro Nômada, mostrando, simultaneamente, poemas sob influência oriental e composições que mostram a presença cada vez mais maciça da mídia no dia-a-dia, um diálogo que ele estabelece com os grandes autores norte-americanos. Nesses dois livros mais recentes, Rodrigo misturaria também às suas imagens uma espécie de traço voltado mais ao surrealismo e ao simbolismo – destacando-se que traduziu também Iluminuras: gravuras coloridas (São Paulo: Iluminuras, 1994), de Arthur Rimbaud, ao lado de Maurício Arruda Mendonça –, o que era apenas entrevisto em Solarium e Visibilia. Unindo muitos desses elementos, ele enviou à IHU On-Line quatro poemas de sua produção ainda inédita.

 

 

RIME

You are the music while the music lasts.
T. S. Eliot

Nessa linguagem lenta eu tatuo
Nada e tudo o que não suo:
Não solitude, mas um duo.

E não é banal o que persegue essa rima
Que ecoa, pássaros, no ouvido da fala.
Não está na sala, mas um andar acima.

Irmã do ritmo, nunca fuja de mim,
Eu a quero surpreendendo sempre
E acontecendo mesmo onde não existe.

Reitera sua verdade, música do pensamento,
Revela pelo milagre do deslumbramento
E não fica só um só momento.

Se você é incapaz de ouvi-la, e se
Juntas não formarem acordes deve ser
Porque não a traz dentro de você.

É isso: ela é um acorde,
Um beijo de coisas, a tarde
Traduzindo-se em jade.

Como rimam ao se repetirem
Lua e lago, ou os olhos de quem
Nos mira agora, de amor refém.

Você não pode perder.
Isso ecoa simples até não poder.
Quando for ver já está pensando você. 

 

 

 

NAUTILUS

                                “Mobilis in Mobili” said Capitain Nemo

Um novo começo. Câmera inverno na
lâmina da manhã, esfinges nos costões, o Sol,
credencial do céu. O permanente
monólogo do vento. Dia e noite sendo
abstrações.  Tempo,
redoma de vidro, triunfante.
A vegetação
das dunas a tudo resistiu.
Riso de poente na areia creme,
duas borboletas agradecem.
Planos simultâneos: matiz
de verde e azul em alta
definição. Rajada de pensar
das plantas, rente esperanto,
e um céu mudo de nuvens.
O azul, digital, conversa
com o eloquente vento sul.
Mas o branco, de forma alguma, se alumbra
de alguma forma,
Nossa Senhora das Dunas. Você
não olha indiferente a tudo isso.
Ao contrário, você desaparece
dando lugar ao labirinto desejo, flores foscas,
ou barco distante.
A varanda é um convés
onde móbiles de bambu ressonam.
Alguém se esqueceu de desligar
a máquina do mar.

 


ENTREVISTA COM O GOLEM 

 

O que é ser imortal?

 

      Um homem sem mãos, se equilibrando sobre uma nuvem. 

 

E coragem?

 

      Uma camélia rouca sob a chuva de verão. 

 

E o eterno, retorna?

 

      Espelho debruçado sobre outro espelho. 

 

E o sentido?

 

      Destino: ser ruído. 

 

Há vida após a morte?

 

     Há uma chance de chover pela manhã. 

 

O que é solidão?

 

     Sandália pela trilha de lama. 

 

     Uma pergunta sem resposta. 

 

     Uma mulher que devora peixes vermelhos.

 

 

  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

HAMMET


Neste exato momento nasce uma floresta em seus pés, Sibéria.

Meu nome é Multidão. Isso quer dizer que sou mais do que a soma das singularidades.

Exóticos esses óculos.

Quer dizer que isso é um rapto. O que você pensou?

E isto agora é o postal do paraíso decadente entre usinas brancas e sinistras nuvens-outdoors.

Um relâmpago é flagrado por seus ecos. Santo súbito.

Signo, sussurre.

Uma inglesa recebe uma carta do marido desaparecido em combate 150 anos depois.

Há um fotógrafo que descobriu como fotografar o instante antes.

“Tudo passa a ser sentido, embora o sentido seja o que menos importa”, refletiu o senhor na sala de embarque.

Em Non-Sequitur, o outro soletra exatamente a soma de seus pensamentos, que ele guarda para averiguação posterior.

O casal sorridente na festa à fantasia era o mesmo da primeira página: Coletores de Ossos.

O efeito das explosões foi sentido em Hong-Kong, e foi ouvido por uma única testemunha, já desaparecida.

O casal acerta as palavras-cruzadas que abrem a chave de Endora. Dólares. Seguem tumultos.

O que existe é um muro de linguagem transparente, comunicante? Thank you.

Império de fluxos, eufemismos corporativos.

Em Boston, passageiro consegue embarcar e chegar 24 horas antes da decolagem.

Uma falésia de gelo arrebenta-se no mar. Jacuzzi...

“O que interessa”, disse a condessa, “é que fantasmas não andam pelos cantos”.

“Beleza”.

Rápidos, ríspidos, eles falam de ácidos indícios em stacatto, as novas tribos.

A pedra comunica seu sonho de estar sobre o ar da paisagem na parede. O espelho, uma perda.

E no entanto a neve, o nada que ele não pudesse tocar, nata de silêncio.

A voz do lago prenunciada pelo hálito lento da superfície da água.

Um homem retorna depois de três doses, duas vidas, e de uma entrevista com sua sombra. Ele não chega a partir.

 

 

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