Edição 352 | 29 Novembro 2010

Consumismo e individualismo generalizados na sociedade brasileira

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Graziela Wolfart



IHU On-Line - Como ficam os movimentos sociais sob a ótica dessa nova classe média que surgiu com o lulismo? Nesse novo cenário qual é o lugar do capital e do trabalho?

Waldir Quadros - Um pré-requisito fundamental para a construção de um cenário social mais promissor localiza-se na urgente reestruturação dos serviços públicos indispensáveis à vida coletiva em bases civilizadas. Estamos falando de serviços de boa qualidade e acessíveis a todos, não apenas aos pobres e necessitados, na educação, saúde, saneamento, habitação, segurança pública, cultura, lazer e entretenimento, etc. Sem esta infraestrutura social é impossível pensarmos em uma convivência democrática e norteada pela igualdade, com elevação contínua nos padrões de sociabilidade. E este me parece ser um dos campos mais férteis para o revigoramento dos movimentos sociais reivindicatórios. Porém, que requer clareza e determinação renovadas dos setores políticos e sociais identificados com estas causas. Por outro lado, é necessário atentarmos para o crucial aspecto do financiamento destas políticas sociais avançadas, o que nos remete à questão da justiça tributária e fiscal, bastante espinhosa numa sociedade profundamente marcada pela precariedade dos serviços públicos, pelo generalizado descaso do Estado para com o cidadão comum que procura atendimento e pela cultura bastante disseminada de não pagar impostos. Também aqui será necessária uma atuação firme e decidida do pensamento progressista no sentido de esclarecer todos os aspectos desta questão, afastando névoas e preconceitos ideológicos difundidos pelos influentes setores conservadores e que confundem, sobremaneira, a opinião pública. No que diz respeito especificamente às relações de trabalho, a contínua e indispensável elevação dos rendimentos reais, que complementa a oferta de serviços públicos sociais, requer que avancemos decididamente na participação dos rendimentos do trabalho na renda nacional. O que, entre outras providências, passa por condições mais favoráveis ao funcionamento dos sindicatos, à redução dos corrosivos níveis de rotatividade, ou seja, por uma regulação benéfica aos trabalhadores e prestadores de serviços. E também por avanços na reforma agrária e desenvolvimento da agricultura familiar, uma vez que parcela expressiva dos miseráveis se encontra no campo ou em ocupações agrícolas.

IHU On-Line - Como o senhor analisa a questão do crédito no país hoje e como vê o caso do Banco Panamericano? O que isso significa? Que rumos podem ser desenhados no futuro a partir disso?

Waldir Quadros - Apesar dos recentes avanços no crédito ao consumo, ainda falta equacionar o aspecto das taxas de juros verdadeiramente extorsivas que oneram os consumidores e facultam lucros extraordinários aos financiadores. Progressos mais significativos ocorreram no crédito imobiliário. Porém, o crédito ao investimento e produção ainda se ressente da histórica falta de financiamento de longo prazo a taxas compatíveis. Já o caso do Banco Panamericano me parece mais relacionado com fraudes e desvios, embora não seja especialista no assunto e nem disponha de informações mais qualificadas. Em termos de futuro, e em poucas palavras, recoloca-se a urgência de implementarmos uma autêntica reforma financeira e bancária, que institua um padrão de financiamento adequado a uma economia desenvolvida em termos industriais, tecnológicos, ambientais e de serviços produtivos correlacionados.

IHU On-Line - Na sua opinião, o que deve ser feito com o pré-sal? Vendê-lo como commodity ou usá-lo para dar um salto no país?

Waldir Quadros - A forma como que o governo vem equacionando a exploração do pré-sal me parece totalmente adequada aos interesses nacionais e sociais. Assegura o controle das reservas, regula sua exploração e prevê uma gestão financeira que impede a chamada doença holandesa, em que a abundância de divisas advindas das exportações estimula importações em prejuízo da produção nacional. Particularmente, merece destaque a política de industrialização associada à exploração do petróleo, que já teve início com o incentivo à produção no país de sondas de perfuração, de navios petroleiros e de ampla gama de peças, equipamentos e serviços especializados. Da mesma forma, é altamente auspiciosa a proposta de constituição de um fundo social à altura do nosso imenso passivo nesta área. Sem dúvida, trata-se de uma rara oportunidade histórica para enfrentarmos questões estruturais, capacitando-nos a nos libertar em prazo relativamente curto das mazelas que maculam nossa sociedade e economia.

IHU On-Line - Quais são as perspectivas do lulismo? Como Dilma governará a partir desse cenário?

Waldir Quadros - O governo Dilma herdará todos os progressos conquistados no governo Lula, mas para ser bem sucedido deverá continuar avançando e enfrentar os desafios estruturais ainda não equacionados, e de certa forma abordados nas questões anteriores. Por outro lado, o cenário internacional já apresenta algumas nuvens bastante preocupantes, particularmente no que diz respeito ao crescente déficit em conta corrente. Entretanto, nossas potencialidades atuais facultam que os problemas sejam solucionados na perspectiva do desenvolvimento econômico e social. É verdade que os obstáculos não são nada triviais e exigirão a combinação de lucidez, tenacidade, coragem e determinação para serem enfrentados a contento. Além daquilo que já discutimos, merece acrescentar a urgência de uma profunda reforma administrativa em todas as instâncias governamentais e federativas, que construa padrões de eficiência estatal compatíveis com as necessidades operacionais das várias frentes de atuação, tanto no âmbito econômico como social. Tal providência é particularmente vital nas áreas sociais, que, maltratadas pelo regime militar, foram profundamente dilapidadas pela estagnação dos anos 1980 e pela nefasta orientação neoliberal que se instaura nos anos 1990. Por outro lado, nos parece evidente ser necessária uma abordagem ousada e criativa, que rompa com paradigmas tornados obsoletos pelo rebaixamento generalizado dos padrões éticos e de comprometimento com o interesse público. Por tudo que conhecemos da nova presidente, e diante dos primeiros pronunciamentos após sua eleição, podemos confiar que estará à altura destes desafios e possibilidades.

Leia mais...

>> Waldir Quadros já concedeu outras entrevistas à IHU On-Line. Confira:

* A classe média aponta para o forte predomínio do individualismo e do consumismo. Publicada na edição número 270, intitulada Uma nova classe média brasileira?, de 25-8-2008;
* Grupos nacionais com projeção internacional: o avanço econômico. Publicada na edição número 322, intitulada A reestruturação do capitalismo brasileiro, de 22-03-2010.

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