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Graziela Wolfart
Na opinião do sociólogo Francisco de Oliveira, o fenômeno conhecido como lulismo não é responsável pela formação de uma nova classe social no Brasil. Em entrevista concedida por telefone à IHU On-Line, o professor argumenta que Dilma Rousseff “governará de forma muito difícil, porque ela não tem a cancha política do Lula, nem a experiência política que todos insistem em chamar de carisma. Lula está nos holofotes da mídia há 40 anos. A Dilma não tem essa trajetória, nem esse perfil, e encontra-se, por isso, desprotegida no meio de um sistema partidário que não vale coisa nenhuma, mas é apetitoso em termos de cargos e funções. Será um mandato mais difícil do que o de Lula. Ela mesma abriu o flanco para isso ao tornar-se candidata sendo tirada do bolso do colete de Lula. Esse sistema que chamam de ‘presidencialismo imperial’ no Brasil é muito danoso politicamente, não especificamente por causa da presidente eleita. Qualquer um que cair ali sofre isso”. Para Chico de Oliveira, Lula será lido, no futuro, como o “neoliberalismo levado às últimas consequências”, no sentido de impor padrões privatistas à economia brasileira. “Todo mundo acha que ele é estatizante e não é coisa nenhuma. Está reforçando os grandes grupos monopolistas nacionais através do dinheiro público”, defende.
Francisco de Oliveira formou-se em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia da Universidade do Recife, atual Universidade Federal de Pernambuco – UFPE. É professor aposentado do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo – USP.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Por que o senhor considera o lulismo uma regressão política e os mandatos de Lula uma hegemonia às avessas?
Francisco de Oliveira – Considero uma regressão porque ele fez a política voltar para o culto da personalidade. As democracias mais modernas não têm esse culto da personalidade. Isso é anticidadão. Lula deveria ter aprendido, como ele veio “de baixo”, que todos os cidadãos são iguais, não só perante a lei, mas perante as possibilidades e as perspectivas que o mundo oferece. O mandato que Lula recebeu foi para reverter o que ele mesmo chamava de “herança maldita” de Fernando Henrique Cardoso, e ele não fez isso. Aprofundou na direção do privatismo os negócios públicos, o que já era característica do governo FHC. Ele foi mais longe. Lula, na verdade, não é estatizante; ele é um privatista.
IHU On-Line - Que tipo de classe média surge com o lulismo? Quais seus valores?
Francisco de Oliveira – Não surge classe nenhuma. Isso é ligeireza de alguns jornalistas, sobretudo do professor André Singer, que tem sido o interlocutor mais disposto, do lado petista, a debater o tema intelectualmente. Uma classe social não se forma assim. São estratos que a técnica de pesquisa em estratificação social criou, mas não classes. Uma classe social é algo muito mais complexo e profundo. O lulismo não traz nenhuma novidade do ponto de vista de classe. Tivemos uma elevação econômica que fez com que um determinado estrato social pudesse ter acesso a bens e serviços que não tinha antes, como o crédito bancário mais facilitado, sem aquelas enormes exigências de cadastro, e como a compra muito facilitada de bens duráveis de consumo. Isso é uma novidade no Brasil, no sentido de que o capitalismo agora pode propiciar o acesso a esse tipo de bens. Mas isso não forma uma classe social sozinha. Não é uma façanha do capitalismo brasileiro. Na Europa ocidental, todo o proletariado tem acesso a esses bens. A questão dos valores realmente se altera, como vitória do capitalismo.
IHU On-Line – O senhor acredita que a liberação de crédito pode gerar uma crise social no futuro?
Francisco de Oliveira – Não. Não gera crise social nenhuma. O crédito como porcentagem do PIB no Brasil é muito baixo, não chega a 60%. Nos Estados Unidos é de 180%. E na Europa não chega às proporções norte-americanas, mas é mais de 100%. O crédito faz parte do funcionamento do sistema capitalista. Quem quiser entender isso, é só pegar o terceiro volume de O Capital, do velho Marx, que está lá. O crédito é capital.
IHU On-Line - Quais as implicações sociais do fenômeno lulismo?
Francisco de Oliveira – Trata-se de uma regressão política, porque traz a política novamente para o colo do paternalismo. Lula usou imagens dele, em metáforas, ou se referindo a futebol ou à família. A política deu um passo atrás.
IHU On-Line - Quais são as perspectivas do lulismo? Como Dilma governará a partir desse cenário?
Francisco de Oliveira – Governará de forma muito difícil, porque ela não tem a cancha política do Lula, nem a experiência política que todos insistem em chamar de carisma. Lula está nos holofotes da mídia há 40 anos. A Dilma não tem essa trajetória, nem esse perfil e encontra-se, por isso, desprotegida no meio de um sistema partidário que não vale coisa nenhuma, mas é apetitoso em termos de cargos e funções. Será um mandato mais difícil do que o de Lula. Ela mesma abriu o flanco para isso ao tornar-se candidata sendo tirada do bolso do colete de Lula. Esse sistema que chamam de “presidencialismo imperial” no Brasil é muito danoso politicamente, não especificamente por causa da presidente eleita. Qualquer um que cair ali sofre isso.
IHU On-Line - O povo brasileiro, em geral, está preparado para o desafio mundial de mudar o estilo de vida, fazendo uma revisão do modelo de desenvolvimento global e levando a sério a crise mundial?
Francisco de Oliveira – Não, e o estilo de vida não está mudando em lugar nenhum. Os Estados Unidos não estão reprimindo o consumo, a China não está mudando sua forma de industrialização, ninguém está mudando o estilo de vida. Vão empurrando crise após crise e o Brasil se insere nesse cenário. Ou então seríamos um povo heroico, como diz o nosso hino, para mudar o estilo de vida sozinho no mundo. Isso não existe. Esse milagre o Brasil não faz. Não é por incapacidade. Ninguém hoje está disposto a voltar a tirar dinheiro no banco, no caixa, a enfrentar filas para pagar contas. Todo mundo quer internet em casa e caixas automáticos. Isso é estilo de vida e valores. Ninguém vai dar esse passo atrás.
IHU On-Line - Como Lula aparecerá contado, no futuro, na história política do Brasil?
Francisco de Oliveira – A história política do Brasil será contada no futuro de acordo com uma periodização, que é esquemática, e é a seguinte: Vargas é o grande reformador do Estado brasileiro. Ele preparou o país para as novas funções modernas. Antes de 1930 o Estado brasileiro era um anão, sem nenhum poder de intervir na economia. Vargas refunda o Estado, principalmente com a entrada da classe trabalhadora na política, com a regularização das leis de trabalho. Ele não usufrui disso, porque comete suicídio em 1954. Juscelino Kubitschek já usa o Estado brasileiro com sua nova potência para armar os grupos de trabalho para a industrialização. Depois, o interregno de João Goulart não significou nada; representou, na verdade, que as forças reacionárias não suportavam aquele tipo de deslocamento do quadro político. Então, Goulart é deposto. Vêm os militares, que são propriamente a fase prussiana do desenvolvimento capitalista brasileiro. Eles estatizaram até o limite que nem o populista mais aloprado teria ousado os interesses econômicos, sobretudo “goela abaixo”, de uma burguesia que não era capaz de ela mesma fazer a industrialização. Depois, vem um período indefinido, que é o de Sarney , que não é nada, apenas o esgotamento de uma fase, sem capacidade para iniciar outra. E aí chega o neoliberalismo com Fernando Collor e, sobretudo, com Fernando Henrique Cardoso. Esse período vai ser lido como um período propriamente neoliberal no Brasil. Por fim, Lula vai ser lido como o neoliberalismo levado às últimas consequências, no sentido de impor padrões privatistas à economia brasileira. Todo mundo acha que ele é estatizante e não é coisa nenhuma. Está reforçando os grandes grupos monopolistas nacionais através do dinheiro público.
Leia mais...
>> Francisco de Oliveira já concedeu outras entrevistas à IHU On-Line:
* “A política tornou-se irrelevante”, publicada nos Cadernos IHU em formação, número 9, de 2006, intitulado Política Econômica. É Possível mudá-la?;
* Classe trabalhadora perde força com a centralização de capitais, publicada na IHU On-Line número 322, de 22-03-2010;
* “Tudo é um nevoeiro muito pesado”, entrevista publicada nas Notícias do Dia do sítio do IHU em 07-10-2010.