Edição 348 | 25 Outubro 2010

As missões na Amazônia

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Patricia Fachin

Entre os missionários presentes na Capitania de Grão-Pará, na Amazônia, em 1720, os jesuítas foram os que mais se destacaram. Das 63 missões da região, 19 estavam sob o controle da Companhia de Jesus, informa José Alves de Souza Jr.

“A colonização portuguesa na Amazônia desenvolveu-se assentada no tripé: comércio/aldeamentos/fortalezas”, menciona José Alves de Souza Jr., em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line. Ele explica que, já em meados de 1600, a Amazônia “exigia extremo cuidado por parte dos portugueses, haja vista o constante assédio que sofria de seus vizinhos”. Para garantir a ocupação lusitana na região, a alternativa foi colonizar os índios, o que exigiu, segundo o pesquisador, a necessidade de transformá-los em índios-colonos, “através de um processo de desindianização e aportuguesamento que os levasse a interiorizar os interesses portugueses”. Daí, explica Souza Jr., “a grande importância dos aldeamentos missionários, onde os índios “descidos” eram submetidos ao referido processo por meio da catequese, para que se tornassem cristãos a serviço da colonização”.

Entre os missionários, os jesuítas se destacaram, eram os que “mais promoveram a interiorização da catequese na Amazônia”. A competência deles em “lidar com os índios era reconhecida pela própria Coroa, que, inúmeras vezes, lhes entregou o monopólio dos descimentos e da administração temporal dos aldeamentos”.

José Alves de Souza Jr. é graduado em Licenciatura Plena em História pela Universidade Federal do Pará, mestre em História pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp e doutor em História pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - USP. Atualmente é professor na Universidade Federal do Pará. É autor de Mundo Contemporâneo. Do Imperialismo à derrocada do Leste Europeu (Belém: Editora Paka-Tatu Ltda, 2002). O professor participará da mesa-redonda 1: Modelos e estratégias missionárias, com o professor Karl-Heinz Arenz. O evento, parte integrante do XII Simpósio Internacional IHU – A experiência missioneira: território, cultura e identidade, acontecerá no dia 27-10-2010, às 14h, na Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros – IHU.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - De acordo com dados históricos, a partir de que momento chegaram os primeiros estrangeiros na Amazônia e como se deu o contato deles com os habitantes indígenas?

José Alves de Souza Jr - A presença de estrangeiros na Amazônia é muito anterior à chegada dos portugueses na região no século XVII, mais precisamente no ano de 1616, quando, a 12 de janeiro, Francisco Caldeira Castelo Branco fundou o Forte do Presépio, núcleo originário da cidade de Belém. Os espanhóis foram os primeiros a navegar o rio Amazonas, por eles denominado de Santa Maria de la Mar Dulce, com as expedições de Vicente Yanez Pinson e Diogo de Lepe ainda no século XV, de Gonçalo Pizarro e Francisco Orellana, que, entre 1539 e 1541, navegou por toda a extensão do rio Amazonas, de Pedro Ursua, em 1561, em busca do El dorado, terminada por Lope de Aguirre, já que Ursúa foi assassinado por seus companheiros de viagem. Também ingleses, holandeses e franceses estiveram na região durante o século XVI. O contato com os indígenas da região para alguns desses expedicionários foi trágico, sendo este o caso da expedição de Aguirre, praticamente dizimada por índios. No entanto, tal contato envolvia também relações de troca e, em alguns casos, como o da expedição francesa que invadiu o Maranhão, em 1612, com o objetivo de fundar a França Equinocial, de aliança militar celebrada com os Tupinambá.

IHU On-Line - Como se deu o processo de missões religiosas na Amazônia? Quais as primeiras ordens religiosas que atuaram na região e como era a relação entre indígenas e missionários?

José Alves de Souza Jr - A colonização portuguesa na Amazônia desenvolveu-se assentada no tripé: comércio/aldeamentos/fortalezas. Área de fronteira colonial e circundada por inúmeras possessões estrangeiras, a Amazônia exigia extremo cuidado por parte dos portugueses, haja vista o constante assédio que sofria de seus vizinhos. Nesse sentido, a ocupação efetiva da região constituía-se em necessidade imperiosa, pois só assim o domínio lusitano estaria garantido. A dificuldade de deslocar colonos brancos para a região fez dos índios a principal alternativa da colonização, o que exigia a sua transformação em índios-colonos, através de um processo de desindianização e aportuguesamento que os levasse a interiorizar os interesses portugueses. Daí a grande importância dos aldeamentos missionários, onde os índios “descidos” eram submetidos ao referido processo por meio da catequese, para que se tornassem cristãos a serviço da colonização. Além disso, as missões, principalmente as jesuíticas, que foram as que mais se interiorizaram na região, serviam também de “muralhas do sertão”. As ordens religiosas que atuaram na Amazônia foram os Franciscanos, Carmelitas, Mercedários e Jesuítas.

IHU On-Line – Por que as missões jesuíticas foram denominadas de muralhas do sertão?

José Alves de Souza Jr - Pelo fato de funcionarem como defesa contra o assédio de estrangeiros nas fronteiras da Colônia na região Norte e em outras regiões do Brasil, na medida em que a instalação das missões nessas áreas iniciava o processo de ocupação da mesmas, garantindo assim o domínio lusitano. Vale ressaltar que os jesuítas foram os missionários que mais promoveram a interiorização da catequese na Amazônia, servindo como exemplo disso a solicitação apresentada a D. José I, em 1753, pelo padre jesuíta alemão Lourenço Kaulen para que “se dignasse permitir aos PP. Alemães que viemos para trabalhar e para salvar as almas, que passem, por exemplo, rio Tapajós ou Xingu, onde pudéssemos empregar o nosso zelo...” , área fronteiriça com a América espanhola, cujo único acesso possível era por canoa, levando a viagem de dois a três meses, permissão essa, é claro, concedida.

IHU On-Line - Como e em qual momento histórico se constituiu o processo de instalação e desenvolvimento da Companhia de Jesus no Grão-Pará (estado do Grão-Pará e Maranhão) foi uma das unidades administrativas da América portuguesa juntamente com o Estado do Brasil? Por que os jesuítas tiveram maior destaque na região?

José Alves de Souza Jr - A instalação da Companhia de Jesus na Capitania do Grão-Pará foi marcada pela adversidade, pois os primeiros jesuítas que para lá se deslocaram, sob as ordens do Pe. Luiz Figueira, no ano de 1645, acabaram mortos nas mãos dos índios aruans, depois que a embarcação em que viajavam naufragou na entrada da baía do Sol (praia da ilha do Mosqueiro (balneário de praias de água doce, próximo à Belém). Em 1652, o Pe. Antonio Vieira e mais sete jesuítas foram mandados para o Maranhão, vindo Vieira investido no cargo de Superior das Missões e o Pe. Manoel de Lima no de Comissário do Santo Ofício.
Entre os missionários, a competência dos jesuítas em lidar com os índios era reconhecida pela própria Coroa, que, inúmeras vezes, lhes entregou o monopólio dos descimentos e da administração temporal dos aldeamentos. Ao se instalarem em Belém, fundaram o Colégio de Santo Alexandre, onde educavam índios e filhos de colonos, e disseminaram um expressivo número de missões pelo território, inclusive nas áreas de fronteira com os outros domínios coloniais.

Durante o período da União Ibérica (1580-1640), Filipe III (IV na Espanha) dividiu a colônia em duas unidades administrativas independentes, por Carta Régia de 04/05/1617, confirmada por outra de 13/06/1621: o Estado do Brasil, com sede em Salvador, e o Estado Colonial do Maranhão, com sede em São Luís. Em 1652, o Estado Colonial do Maranhão foi extinto e instituídas duas capitanias gerais, a do Maranhão e a do Grão-Pará. Por Carta Régia de 25-08-1654 foi restabelecido o Estado, agora como Estado do Maranhão e Grão-Pará, com sede ainda em São Luís. No ano de 1751, D. José I transferiu a capital do estado de São Luís para Belém, passando o mesmo a ser denominado de estado do Grão-Pará e Maranhão.


 

IHU On-Line - Qual os papéis social, político e econômico das missões jesuíticas entre 1630 e 1759, nessa região?

José Alves de Souza Jr - Em 1720, os índios aldeados por missionários na Capitania do Grão-Pará somavam 54.216, distribuídos em 63 missões, sendo que 19 estavam sob o controle dos jesuítas e o restante divididos entre Carmelitas (15), Capuchos da Piedade (10), religiosos de Santo Antônio (9), Capuchos da Conceição da Beira do Minho (7) e frades Mercenários (3), dados estes que apontam para a eficiência jesuítica no trabalho de catequese. Conscientes de que os recursos do Padroado chegavam irregularmente ou, como foi mais frequente, não chegavam, os jesuítas buscaram o autofinanciamento de suas atividades religiosas, pois tinham clareza que o êxito das mesmas dependia do sucesso de suas atividades econômicas. Nesse sentido, acumularam na Amazônia um expressivo patrimônio, constituído por fazendas de criação de gado, imóveis para aluguel, olarias etc. Além disso, desenvolveram um rentável comércio de exportação de “drogas do sertão” (produtos silvestres da floresta amazônica, como cacau, salsa, cravo).

IHU On-Line - Qual foi o papel desempenhado pelo Pe. Antônio Vieira à frente dos jesuítas no Grão-Pará?

José Alves de Souza Jr - A chegada do Pe. Antônio Vieira ao Maranhão, em 1652, no cargo de superior geral das Missões, acirrou a disputa travada pelos jesuítas com os colonos pelo controle dos índios. Isto porque, logo após a sua chegada, o novo capitão-mór, Balthasar de Sousa, fez publicar uma lei que determinava a libertação de todos os cativos, constante de suas instruções, coisa que ainda não havia sido feita, devido ao pedido dos jesuítas chegados ao Maranhão para que tal fato só ocorresse quando da chegada na capitania do superior geral das Missões. A publicação da lei provocou intensos distúrbios promovidos pelo Senado da Câmara de São Luís, que culminaram com o ataque dos colonos ao Colégio dos Jesuítas e com a agressão, a título de punição, ao piloto e a alguns marinheiros da caravela que trouxera os jesuítas para o Maranhão. O prestígio de Vieira junto a D. João IV favoreceu os jesuítas na referida disputa, servindo como exemplo a Provisão de 9 de abril de 1655, que restabelecia o controle missionário nas aldeias.

IHU On-Line - Em suas pesquisas, o senhor menciona o jogo político desenvolvido na Corte Portuguesa pelos jesuítas, autoridades e negociantes metropolitanos. Como era a relação entre esses atores?

José Alves de Souza Jr - Se no Grão-Pará e Maranhão, a disputa entre tais atores assumia a feição de luta aberta, como demonstram as duas expulsões dos jesuítas do estado, na Corte era travado um jogo político, que envolvia uma disputa de influência no sentido de obter do rei medidas favoráveis quanto à utilização da mão de obra indígena. Exemplo disso foi a já citada Provisão de 9 de abril de 1655, benéfica aos interesses dos missionários, que foi atribuída à influência de Vieira junto a D. João IV, já que, à época, o mesmo se encontrava em Lisboa, fato que levou todos aqueles que tinham interesses no Pará e no Maranhão - altos funcionários do Estado português, mercadores, donatários das capitanias – a pressionarem D. João IV a não permitir o retorno do jesuíta ao estado do Maranhão, alegando prejuízos causados à Coroa por suas atitudes. Sentindo-se acuado, Vieira convenceu o rei a submeter a questão à Companhia de Jesus, que realizava a sua congregação trienal. Embora sem ser por unanimidade, o que demonstra oposição a Vieira dentro da própria ordem, a decisão lhe foi favorável. Os que quiseram boicotar o seu regresso escreveram ao provincial da ordem no Brasil para que o mandasse para outro lugar que não o estado do Maranhão.

IHU On-Line – Como se deu o processo de catequização dos indígenas na Amazônia pelos jesuítas? Que relações surgiram entre eles a partir desse processo?

José Alves de Souza Jr - Uma expressiva quantidade de documentos demonstra o reconhecimento por parte das autoridades metropolitanas da eficiência jesuítica no trabalho da catequese indígena, principalmente devido à disposição dos missionários jesuítas de interiorizarem a missionação, inclusive durante o Período Pombalino, tanto que Mendonça Furtado foi orientado a “nas aldeias do Cabo do Norte, que nesta instrução vos encomendo muito cuideis logo em estabelecer, e as mais, que se fixarem nos limites desse Estado, preferireis sempre os padres da Companhia, entregando-lhes os novos estabelecimentos (...).”  Essa preferência pode ser justificada pelo empenho dos jesuítas no trabalho de catequese e pelo trato que tinham com os índios, o que levou a legislação indigenista, inúmeras vezes, a entregar-lhes o monopólio dos descimentos. Além disso, suas estratégias, como o uso da “língua geral” em suas missões, possibilitaram maior integração com os costumes indígenas, embora mantivessem relações hierárquicas com os índios e, com frequência, tensionadas.

IHU On-Line – Ao analisar a experiência reducional, que avaliação faz desse momento histórico? Podemos dizer que foi uma experiência que colocou em comunicação povos e práticas culturais?

José Alves de Souza Jr - Na Amazônia, a experiência reducional foi de fundamental importância para consolidar o domínio português sobre a região, na medida em que a dificuldade de enviar colonos brancos para a mesma tornava os índios a alternativa mais viável para a sua efetiva ocupação, o que superdimensionava o trabalho missionário, no sentido de, através da catequese, desenvolver o processo de desindianização e aportuguesamento dos índios, levando-os a incorporar os interesses portugueses e a assumir a defesa do território. É claro que a catequese promoveu o encontro de povos e práticas culturais diferentes, levando missionários e índios, no cotidiano das missões, a trocarem experiências, que possibilitaram a interpenetração das culturas, mas não esquecendo que o choque entre as culturas esteve presente em tal encontro.

IHU On-Line - Qual era a dinâmica de relação entre colonos e missionários jesuítas? Como percebe, nessa relação, a disputa pelo controle da mão de obra indígena?

José Alves de Souza Jr - A tônica da relação entre colonos e jesuítas na Amazônia foi uma acirrada disputa pelo controle da mão de obra indígena, que gerou uma extensa legislação indigenista promulgada pela Coroa portuguesa, que, desse modo, tentava viabilizar a colonização portuguesa no Norte do Brasil. Tal legislação oscilava ora a favor dos interesses dos missionários, ora dos colonos, o que contribuiu para a radicalização da disputa em alguns momentos.

IHU On-Line - Em que consistiu a política pombalina na Amazônia? Que transformações esse projeto causou na vida dos indígenas e jesuítas da região?

José Alves de Souza Jr - A política pombalina na Amazônia consistiu num processo de reordenamento da colonização, com vistas a torná-la mais rentável à Coroa e a garantir a efetiva ocupação da região, necessidade essa que se tornou mais imperiosa com a assinatura do Tratado de Madri , em 1750. Através de uma legislação, de início, específica para a Amazônia, Pombal promoveu a secularização dos aldeamentos, transferindo a tutela dos índios dos missionários para o Estado, representado por diretores leigos, o que implicou na extinção do poder temporal que os regulares tinham nos mesmos. Para os índios, tal fato se constituiu numa experiência trágica, pois ficaram a mercê dos interesses dos colonos, sendo isto demonstrado pelo grande esvaziamento dos aldeamentos, devido à intensificação das fugas, e pelo crescimento do número de rebeliões indígenas. Apesar da política pombalina ter proibido a escravização dos índios, pela Lei da Plena Liberdade dos Índios, de 1755, o que efetivava uma das principais reivindicações dos jesuítas junto à Corte, a perda do poder temporal nos aldeamentos significou para os mesmos uma séria ameaça ao seu projeto salvacionista, levando-os à resistência contra tal medida, o que foi esgarçando, mais ainda, as suas relações com governo metropolitano, cujo resultado foi a expulsão dos primeiros jesuítas do estado do Grão-Pará e Maranhão ainda no ano de 1755.

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