Edição 347 | 18 Outubro 2010

Uma "ponte" entre culturas

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Márcia Junges – Tradução Benno Dischinger

 

IHU On-Line - Quem foram os missionários enviados ao Japão e de que modo se integraram com a igreja e a sociedade?

Antoni Üçerler - Os missionários do Japão provinham de diversos países europeus, sendo vários deles italianos, portugueses ou espanhóis. Quando Valignano adotou a abordagem “top-down” (De cima para baixo), ele decidiu trabalhar primeiro e primordialmente com as elites do Japão, a classe dos lordes de guerra e dos samurais, na esperança de que, se eles se convertessem, eles fossem capazes de conduzir seus súditos ao cristianismo. Também foi por essa razão que ele estabeleceu três escolas para treinamento da juventude japonesa e, em 1580, um Colégio de nível superior para formar jesuítas europeus e japoneses em filosofia e teologia. Sem se opor a este fato, diversos outros jesuítas trabalharam com cristãos japoneses comuns em áreas remotas de Kyushu, onde treinavam líderes comunitários para se tornarem catequistas que os auxiliassem em sua obra apostólica.

IHU On-Line - Quais foram as principais dificuldades enfrentadas pelos jesuítas nesse encontro de culturas que teve lugar no Oriente?

Antoni Üçerler - Algumas das principais dificuldades foram as imensas barreiras levantadas pelas línguas japonesa e chinesa, bem como o duro empenho e tempo necessário para entender as culturas do Leste, incluindo as nada familiares tradições do budismo, taoísmo e xintoísmo. De um ponto de vista político, no Japão havia a dificuldade por mim mencionada da guerra civil, enquanto na China existia a dificuldade para os estrangeiros de obterem permissão de entrar e permanecer no país. Os missionários também enfrentaram a hostilidade dos lordes de guerra locais (no Japão), dos hostis mandarins (na China) e dos monges budistas (tanto no Japão como na China).

IHU On-Line - Até que ponto a missão jesuítica no Oriente funcionou como “ponte”, como elo com o Ocidente?

Antoni Üçerler - Durante a assim chamada “Era das Descobertas” (A época dos descobrimentos), elos intensos foram forjados entre os dois impérios marítimos, o português e o espanhol de um lado, e o Japão e a China do outro. Muitos destes contatos estavam relacionados com o comércio, mas os missionários também já estiveram bem presentes desde o início. Os grupos subsequentes aprenderam o idioma, procuraram entender as culturas e neste processo ofereceram aos povos, tanto japonês como chinês, um relance sobre a cultura e a civilização européias. Ao mesmo tempo, eles compuseram as primeiras gramáticas e dicionários de japonês e chinês em linguagem europeia. Além disso, eles escreveram milhares de cartas e relatórios, muitos dos quais continham informação detalhada sobre geografia, política, costumes, religião, flora, fauna e povos da Ásia. Neste sentido, eles cumpriram a função de “ponte” cultural e humana. Um bom exemplo disso é a história das impressoras missionárias que publicaram livros tanto em língua europeia como asiática.

IHU On-Line - Gostaria de acrescentar algo que não foi questionado?

Antoni Üçerler - Frequentemente é levantada a questão se essas missões foram um “sucesso” ou um “fracasso”. Se considerarmos exclusivamente o número de conversões, então talvez ambas as missões pudessem ser consideradas um “insucesso”. No entanto, nas trocas interculturais e entre crenças nem tudo é quantificável. Quando o Japão fechou definitivamente suas portas ao cristianismo e à ulterior influência estrangeira em 1639, teve início um período de mais de 200 anos de semi-isolamento. Durante este período os cristãos foram brutalmente perseguidos, torturados e executados. E então, uma Igreja subterrânea sobreviveu sem sacerdotes durante todo esse período. Isso significa que as sementes que foram lançadas no Japão (e também na China) se desenvolveram, embora as circunstâncias não lhes permitissem crescer a não ser nas sombras e longe das vistas. Na China, a despeito de múltiplas dificuldades, a comunidade cristã cresceu para vários milhões e os cristãos chineses permanecem como vigorosa e muito comprometida comunidade de crentes. Em seu culto, eles ainda usam várias das palavras que Matteo Ricci por primeiro cunhou, inclusive “Tianzhy” ou “Senhor dos Céus” para Deus.

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