Edição 345 | 27 Setembro 2010

Cerca de 95% das terras pantaneiras são privadas

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Patrícia Fachin

IHU On-Line - O desmatamento da região pantaneira influencia direta ou indiretamente no habitat da fauna nativa? Como ele altera a paisagem do ecossistema?

Walfrido Tomas -


IHU On-Line - Como o senhor caracteriza as aves do Pantanal? Elas são migratórias, nômades? Qual a importância do ecossistema para esses animais?

Walfrido Tomas -
Planícies de inundação são ecossistemas altamente produtivos, o que resulta em populações abundantes de espécies de plantas e animais. Este é o caso do Pantanal. Na região, encontram-se espécies do Cerrado, da Amazônia, da Mata Atlântica, do Chaco e da Floresta Chiquitana (da Bolívia), resultando numa avifauna bastante diversificada. Atualmente, temos registrado mais de 550 espécies de aves na região, sendo que mais de 800 já foram registradas na Bacia do Alto Paraguai, onde se localiza o Pantanal. Mais de uma centena de espécies é considerada migratória ou nômade, o que aumenta a importância do Pantanal para a conservação, mesmo em escala intercontinental, já que é um ponto de parada para dezenas de espécies que migram entre os hemisférios norte e sul.


IHU On-Line - Como descreve a fauna nativa do ecossistema?

Walfrido Tomas -
A principal característica da fauna do Pantanal, atualmente, é a abundância das populações de espécies que estão ameaçadas em escala global e mesmo em outras regiões do Brasil. Casos clássicos que podem ser usados como exemplo são: a Arara Azul (Anodorhychus hyacinthinus), a Ariranha (Pteronura brasiliensis), o Cervo do Pantanal (Blastocerus dichotomus), a Onça Pintada (Panthera onca), [espécies em itálico] entre outros. Os Cervos, por exemplos, são estimados em cerca de 40 mil indivíduos existentes no Pantanal, estimativa esta obtida pela nossa equipe de Vida Selvagem da Embrapa Pantanal, através de levantamentos aéreos realizados desde 1991.


IHU On-Line - Qual é a situação das atuais terras do Pantanal? Parte significativa delas estão sob domínio privado ou ainda são terras da União?

Walfrido Tomas -
O Pantanal sempre esteve em grande parte em mão privadas. Atualmente, cerca de 95% das terras são privadas, e então a conservação deste “bioma” passa necessariamente pela atividade pecuária. Não há como pensar em conservação sem se atuar diretamente com os proprietários de terras, sem a valorização daqueles que produzem sem alterar a paisagem ou sem degradar o ecossistema. Para isso, mecanismos de valorização (certificação, selos verdes, etc.) ligados ao mercado são uma ferramenta fundamental, além de políticas públicas condizentes, voltadas ao pagamento de serviços ambientais. Precisamos considerar que, se o Pantanal é um patrimônio nacional, como definido na Constituição, aqueles que o conservam ao mesmo tempo em que exercem suas atividades econômicas, prestam um serviço inestimável ao país, e deveriam ser reconhecidos e remunerados por isso. O poder público nunca daria conta de realizar um serviço assim na escala do Pantanal e, portanto, estes proprietários (que ainda são maioria no Pantanal) merecem o reconhecimento da sociedade.


IHU On-Line – De que ação depende a preservação do Pantanal? O Código Florestal consegue assegurar a preservação desse ecossistema?

Walfrido Tomas -
A conservação do Pantanal, tal como o conhecemos hoje, vai depender de políticas públicas adequadas e regionalizadas. Com esta fase de mudanças no Código Florestal , temos uma oportunidade de discutir as bases técnicas para uma legislação que leve em conta a fragilidade de todo o ecossistema, considerando que tudo que se faz nos planaltos adjacentes certamente afeta a planície de inundação. Neste sentido, é preciso entender as fragilidades de toda a bacia do Alto Paraguai, incluindo a planície pantaneira, e com isto estabelecer normas de gestão territorial voltadas à gestão sustentável e à conservação da biodiversidade (incluídos neste conceito os processos ecológicos-chave que determinam o funcionamento do macroecossistema). No meu entender, as métricas do Código Florestal atual não foram e não estão sendo suficientes para garantir a conservação do Pantanal. Hoje não há razão para não se utilizar de ferramentas, como imagens de satélite e toda uma parafernália tecnológica, para determinar riscos e estabelecer mecanismos mais condizentes com as fragilidades das bacias hidrográficas. Além disso, dentro da planície, numa paisagem complexa e heterogênea, as métricas do Código Florestal simplesmente não funcionam. O resultado é que a definição de onde estão as Áreas de Preservação Permanente - APPs torna-se um exercício de surrealismo e, então, termina por ser negligenciada pelos proprietários e pelo poder público. É preciso uma solução mais criativa, moderna e com bases científicas, aliada às políticas públicas já discutidas anteriormente. Sem isso, daqui algum tempo não teremos o Pantanal como o conhecemos hoje, até porque as mudanças climáticas devem causar um impacto significativo na região, o risco imposto por Pequenas Centrais Hidrelétricas - PCHs e usinas hidroelétricas que podem mudar o regime hidrológico, as intervenções no Rio Paraguai para incrementar a navegação, entre outros. Precisamos traçar estratégias e tomar decisões acerca destes potenciais impactos.

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