Edição 343 | 13 Setembro 2010

Panikkar e a Teologia da Libertação

close

FECHAR

Enviar o link deste por e-mail a um(a) amigo(a).

Marcelo Barros

Recebemos e publicamos a seguir o testemunho de Marcelo Barros, enviado à IHU On-Line, sobre Raimon Panikkar. Marcelo Barros é monge beneditino e biblista. Membro da Associação Ecumênica dos Teólogos do Terceiro Mundo (ASETT), é autor de 32 livros, entre os quais O Amor fecunda o Universo – Ecologia e espiritualidade (Editora Agir, 2009), em co-autoria com Frei Betto. Confira o artigo.

Raimon Panikkar se foi deste mundo no mesmo dia 27 de agosto, em que lembramos a partida de Dom Hélder Câmara . Foi através deste bispo profeta que conheci Panikkar no final dos anos 60, quando este passava pelo Recife em uma viagem pelo Brasil. Dom Hélder Câmara o apresentou como um dos “nossos” teólogos na Europa. Naquela época não havia ainda surgido o conceito de “Teologia da Libertação” . Compreendi que Panikkar era nosso no sentido de que estava ligado à nossa busca de ligar profundamente a fé com a defesa da vida e a causa da justiça para toda a humanidade. Posteriormente, só o encontrei novamente, há poucos anos, em Barcelona.  Entre aquele encontro dos anos 60 e este de 2002, conheci várias de suas obras. Embora ele nunca tenha assumido explicitamente a Teologia da Libertação, todas as pessoas que, no mundo e nas Igrejas, trabalham pela justiça podem considerá-lo “irmão e companheiro na tribulação e no testemunho do reino” (Ap 1, 9). Para nós, latino-americanos, isso se torna mais claro, principalmente, quando, a partir da preparação da 4ª Conferência do episcopado latino-americano, em Santo Domingos (1992), o diálogo das culturas e  tradições espirituais se tornou questão central da vida e da Teologia da Libertação. 

Os diversos rostos do Cristo

Em 1978, no documento de Conclusões da Conferência de Puebla já aparece o tema do “rosto de Cristo no negro, no índio e nos diversos tipos de empobrecidos” (n. 31- 40). Nesta época, Panikkar já havia escrito: “Il Cristo sconosciuto del induísmo” . A abordagem deste livro nos ajudou a relativizar nosso “cristocentrismo”, aprofundado a partir do catolicismo popular. Naquela época, os teólogos latino-americanos insistiam exatamente na figura histórica de Jesus  de Nazaré . Panikkar ressaltava a distinção não tanto entre o Jesus histórico e o Cristo da Fé, como fazia a teologia ocidental dos anos 60, mas distinguia a figura histórica de Jesus e a dimensão misteriosa do Cristo, bem mais ampla e cósmica. Era a sua forma de contemplar o sentido salvífico das religiões orientais, sem cair no tal inclusivismo ocidental. Esta visão de Panikkar nos ajudava a aprofundar a presença do Cristo nas culturas e religiões populares. Nos anos 90, ao preparar o 9º Encontro intereclesial de CEBs em São Luiz (MA), Carlos Mesters  escreveu: “Jesus Cristo está presente no Candomblé . Isso lhe valeu um violento protesto da coordenação do Movimento de Renovação Carismática Católica em uma carta aberta aos bispos brasileiros.
Com sua proposta de uma visão cosmoteândrica , Panikkar se colocou muito próximo da Teologia Pluralista da Libertação, insistindo na centralidade do Espírito e do reino. (eu teria preferido que ele usasse o termo antropos no lugar de andros para evitar um enfoque especificamente masculino e centrar a questão no humano que é masculino e feminino).

Sincretismo, diálogo intra-religioso e interculturalidade

No caminho de inserção no Catolicismo popular e religiões ancestrais de nossos povos, um elemento central a ser compreendido é o que geralmente se chama de sincretismo. Em 1983, no livro “Igreja, Carisma e Poder”, Leonardo Boff dedicou um capítulo ao Sincretismo . Em 1978, Panikkar publicara a primeira versão do seu “diálogo intra-religioso” . Trata-se de não só dialogar com alguém exterior, mas carregar dentro de si mesmo as interrogações surgidas das diferentes tradições espirituais. É preciso expressar a fé não de modo relativista, mas relacional. “A finalidade do diálogo intra-religioso é a compreensão. Não se trata de ganhar o outro (em outro escrito ele chama isso de “diálogo dialético”), nem chegar a um acordo total, ou a uma religião universal. O ideal é a comunicação (diálogo dialogal), visando preencher o fosso de ignorância entre as diferentes culturas do mundo, deixando-as falar e expor abertamente suas intuições próprias em suas próprias linguagens”.

Últimas edições

  • Edição 552

    Zooliteratura. A virada animal e vegetal contra o antropocentrismo

    Ver edição
  • Edição 551

    Modernismos. A fratura entre a modernidade artística e social no Brasil

    Ver edição
  • Edição 550

    Metaverso. A experiência humana sob outros horizontes

    Ver edição