Edição 342 | 06 Setembro 2010

Grandes grupos industriais são donos do Rio Uruguai

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Graziela Wolfart

 

IHU On-Line - Que relação podemos estabelecer entre a construção de hidrelétricas e o agronegócio?

Lucia Ortiz e Bruna Engel - A construção de hidrelétricas está mais relacionada à fabricação de insumos, como fertilizantes agrícolas. A partir da liberação da exploração mineral em todo território nacional para fabricação de fertilizantes, encabeçada pela Vale, a produção de energia precisa acompanhar o crescimento do setor do agronegócio que, ao contrário do modelo da agroecologia, é altamente intensivo em energia, consumida na fabricação destes insumos, bem como no uso de maquinário pesado e na logística ineficiente de distribuição globalizada. Outra demanda é a produção e exportação de celulose, também um setor eletrointensivo que tem crescido sua autoprodução de energia utilizando resíduos madeireiros e carvão mineral nos seus processos industriais, mas também investido em projetos conjuntos de geração hidrelétrica. No Rio Grande do Sul, onde o Pampa está sendo dizimado por monoculturas de árvores exóticas para atender a demandas das plantas de produção de celulose, estas se erguem como gigantes famintos de energia, água, terras, madeira e mão de obra barata.

IHU On-Line - Como as hidrelétricas impactam especificamente a realidade social e ambiental do Rio Grande do Sul?

Lucia Ortiz e Bruna Engel - O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) aponta que aproximadamente 60 mil pessoas já foram atingidas por empreendimentos hidrelétricos no Rio Grande do Sul e no máximo 30% dessa população foi indenizada e reconhecida como atingida por barragens. Um estudo da Universidade de Passo Fundo - UPF aponta que após alguns anos de implantação de uma hidrelétrica na região do alto rio Uruguai, os indicadores de desenvolvimento mostram queda de aproximadamente 40%. Por exemplo, a produção (-40%), o comércio (-43%), o emprego (-43%), produção agropecuária (-36%), as relações sociais e culturais (-40%), as relações de amizade e familiares (-71%), meio ambiente natural em geral (-31%). Isso mostra que a chegada de um empreendimento hidrelétrico está longe de promover o desenvolvimento local ou aquecer a economia a nível regional. Outros estudos feitos pela Comissão Mundial de Represas, na década de 1990, apontam para o mesmo cenário de retrocesso e desestruturação das relações sociais, culturais e econômicas que chegam com as barragens independente da região do globo. O impacto no ambiente natural talvez seja mais grave devido às proporções do impacto social associado. Pegando o caso de Barra Grande, onde foram inundados mais de 6000 ha de matas de araucárias, se deu a migração de animais para regiões habitadas nos campos de cima da serra. O aparecimento de animais silvestres em sítios e cidades da região tem deixado os moradores preocupados com a segurança de crianças, por exemplo. Esses animais agora perambulam em busca de um lar e alimento e por conta disso acabam atacando animais domésticos e pessoas.

A região do Alto Uruguai, característica por ter solos férteis, rios ricos em peixes e uma economia baseada na agricultura familiar corre o risco de mudar drasticamente o perfil econômico e sofrer forte impacto ambiental nas cabeceiras, como está ocorrendo no rio Canoas, onde mais de mil famílias de pequenos agricultores que são atores da economia local e vivem com qualidade de vida nas margens do rio estão ameaçados de serem deslocados. Os projetos hidrelétricos Garibaldi, Pai Querê e Passo do Cadeia, se implantados, podem iniciar um processo de morte do bioma Mata Atlântica na região. A área do Alto Uruguai, rica em espécies endêmicas, corre o risco de desaparecer por causa dos lagos artificiais que impedem a passagem de animais de uma margem a outra, isolando populações, além da modificação rápida e radical do ambiente aquático que afeta não só a população de fauna e flora aquática mas toda a cadeia trófica, inclusive o modo de subsistência de populações humanas que dependem do rio para sobreviver. A produção de metano é outro problema ambiental grave que pouco se discute. A hidrelétrica vendida com energia limpa e renovável é na verdade uma falsa solução para o combate às mudanças climáticas, pois produz grandes quantidades de metano devido à massa verde submersa pelo lago e sedimentos carreados pelo rio e depositados no fundo do lago. As hidrelétricas podem ter o mesmo grau de poluição de uma termelétrica.

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