Edição 341 | 30 Agosto 2010

Clube da luta, uma crítica ao sistema capitalista

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Márcia Junges

 

IHU On-Line - Que aspectos da subjetividade humana são evidenciados pela falta de ligação e identidade dos personagens de Clube da luta?

José Rogério Lopes - Aqui, proponho uma inversão de perspectivas. Defendo a posição de que não existe falta de ligação e identidade dos personagens. Existe, sim, uma crise do potencial dessas ligações e identificações, que se deslocaram e reduziram, nas últimas décadas, das interações interpessoais (dos agenciamentos dos humanos entre si, como afirmou Bruno Latour ) para as vinculações distintivas, mas artificiais, com o mundo das mercadorias, em uma leitura fetichizada dos agenciamentos operados entre humanos e não-humanos – também pensadas por Latour, mas como interações mais amplas, que constituem o que ele denominou de “coletividades sociotécnicas”, em seu livro Nunca fomos modernos. Tanto que os mesmos vínculos e identificações em crise no trânsito do protagonista pelos grupos de autoajuda, no início do filme, se afirmam depois, no Clube da Luta, como projeto de ação, mas despersonalizados. E esses vínculos são variados, de amizades a sexo-afetivos. Dessa forma, o roteiro do filme desencadeia fluxos e circuitos de interações entre os personagens que, à primeira vista, não amarram nexos ou sentidos e parecem não gerar sequências de análise. Tudo parece representar a ideologia da fragmentação do mundo social, como afirmam algumas teorias da pós-modernidade. No final do filme, entretanto, as vinculações e identificações entre os personagens se arranjam em possibilidades coletivas que explicitam a lógica de um modelo sistêmico de sociedade – a ideologia do grande sistema opressor –, que é catártico para a subjetividade do protagonista, mas somente para ele. Nesse sentido, o filme coloca um dilema sobre os ideais de emancipação, ou redenção, do sujeito (como elaborado por Walter Benjamin ).

IHU On-Line - Em que medida a formação desse clube da luta é uma reação à normalização imposta à sociedade contemporânea?

José Rogério Lopes - Aqui, retomo de onde parei na resposta anterior. Essa reação realmente acontece, mas só para o protagonista. O recurso, promovido no filme, de apresentar o duplo imaginário (no filme, o ator Brad Pitt) como um segundo protagonista, em constante diálogo com o primeiro, encobre um conjunto de arranjos manipuladores que os atores operam contra os princípios estruturais dessa normalização, operado subliminarmente. Somente quando o curso de ação desse movimento antissistêmico está totalmente articulado e sem possibilidade de retorno é que o protagonista torna-se consciente do que fez. Essa articulação encoberta pelo inconsciente possibilita discutir o quanto a normalização operada sobre a vida social constitui uma epistemologia que condiciona nossa racionalidade. O protagonista, inclusive, vive uma permanente tensão entre o caráter normativo e o transgressor de suas ações. A forma como ele supera essa tensão é uma das sacadas do filme.

IHU On-Line - É o ritmo vertiginoso do filme uma metáfora para a aceleração crescente da nossa sociedade nos mais diferentes aspectos? Por quê?

José Rogério Lopes - Sim, com certeza. O filme enfatiza uma temporalidade acelerada pelas contingências sociais, em seu início, que se desdobra em acelerados fluxos de ação, contra uma concepção de estrutura social que aparenta ser prático-inerte, para falar pouco. Mas, para além de uma metáfora, penso que o filme explicita uma lógica constante dos “movimentos antissistêmicos” (como Immanuel Wallerstein  define os potenciais políticos das forças de trabalho, no sistema histórico do capitalismo) que buscam romper a racionalização ocidental que sustenta uma “busca de verdade” – como ideologia cultural, técnico-científica – que se reproduz nos princípios de eficiência econômica e segurança política. Os diálogos do protagonista com seu duplo são exemplos dessa lógica e mostram que ela não se define, explicita ou se potencializa, sem o enfrentamento de tensões profundas do sujeito consigo mesmo, ou seja, com suas idealizações, identificações e projeções. Afinal, toda normalização social e individual se produz e reproduz não somente por imposição, mas, sobretudo, como definição epistemológica de uma posição, uma condição de mundo, que também se manifesta como crença ou fé em uma teleologia correspondente. No fim e ao cabo do projeto em desenvolvimento no filme – e quem o assiste só percebe ao final –, essa teleologia se manifesta como catarse. Nesse sentido, o enunciado final do protagonista é elucidativo. Após encerrado o ciclo acelerado dos fluxos inconstantes de sentido em que ele se envolve, em um vai-e-vem de errâncias pessoais, dirige-se à mulher que partilha seu transtorno, durante todo o enredo, e afirma: “Agora as coisas vão melhorar. Você me conheceu em um momento perturbado da minha vida.”

IHU On-Line - Que tipo de crítica ao capitalismo está implícita no filme?

José Rogério Lopes - Acima de tudo, uma crítica ao sistema histórico do capitalismo e seus pilares econômicos e políticos, que produzem modelos imobilizadores da ação dos sujeitos. O filme mostra que toda transgressão concreta se forma e atua nos intervalos desses modelos.

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