Edição 340 | 23 Agosto 2010

''O Universo estava condenado a existir''

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Márcia Junges

 

IHU On-Line - Qual é o impacto dessa nova compreensão do início do Universo em termos existenciais?

Mario Novello - Deixe-me dar um exemplo envolvendo um modelo de universo eterno e você mesmo poderá responder a essa questão. No caso do universo eterno dinâmico existe uma fase anterior à atual fase de expansão que descreve o comportamento global do universo na qual o volume total do espaço diminui com o passar dos tempos. Seu volume atingiu um valor mínimo e passou à fase atual na qual seu volume aumenta com o tempo cósmico. Aparecem então duas novas questões neste cenário que não existem no modelo Big Bang. Como o cientista não pode ter acesso à origem singular, no modelo Big Bang, o comportamento do universo é pensado como se iniciasse sua existência neste ponto único. Não existe nenhuma questão adicional que os cientistas poderiam fazer associada a este momento único de criação.
Já no caso do modelo de universo eterno, duas questões aparecem de imediato: o que colapsou e por que parou de colapsar, invertendo seu processo dinâmico passando de um colapso a uma expansão. Veja que, enquanto naquele primeiro modelo (Big Bang) a origem se cerca de um mistério insondável, o modelo de universo eterno dinâmico faz avançar a ciência em sua continua e incessante formação de novas indagações sobre o universo. Não é isso que devemos entender como a verdadeira prática científica?

Vazio quântico

Bem, voltando à sua pergunta. Os cientistas geraram assim, vários modelos para entender como se deveria responder àquelas duas novas questões que o cenário do universo eterno provocou. Dentre estas, uma em particular nos interessa aqui. Trata-se da origem do Universo a partir daquilo que os físicos chamam de vazio quântico. Esse vazio não se identifica com a noção convencional, clássica, de ausência total, absoluta de matéria sob qualquer forma. Este vazio tem propriedades e mais importante para nossa conversa aqui: este vazio (em certas circunstâncias) é instável. Isso significa que este vazio não pode durar. Ele não se mantém como tal para sempre. Parodiando Sartre, segundo o qual o homem estava condenado a ser livre, este cenário parece indicar que o Universo estava condenado a existir. Isto é, é impossível não existir alguma coisa. Você não acha que esta afirmação levaria a uma longa conversa entre diferentes saberes?

IHU On-Line - Por que razões o senhor afirma que a ciência não pode ter a pretensão de explicar tudo?

Mario Novello - Minha frase foi outra. Disse que a ciência não irá nunca explicar tudo que existe. No entanto a atividade científica deve ter sempre a pretensão de explicar tudo que existe e, como comentei há pouco, minha maior crítica ao modelo Big Bang se deve precisamente à sua desistência em continuar procurar a razão daquela singularidade inicial que ele admite. A ciência tem como principal função produzir uma explicação racional para todos os processos observados na natureza. Essa é a função, o objetivo maior do cientista. Mas esse projeto é um caminhar para sempre. Imaginar que o conhecimento científico vai ser completamente realizado e que esta estrada tem um fim, nada mais é do que a esperança de abarcar o absoluto, um desejo típico dos momentos mágicos, irracionais, da espécie humana.

IHU On-Line - Qual é a reação dos outros físicos brasileiros e internacionais à sua hipótese publicada em Do Big Bang ao Universo Eterno?

Mario Novello - Não se trata de uma hipótese, nem é nova. Quando a Cosmologia se constituiu como ciência ao longo do século XX, produziu-se um cenário geométrico para interpretar os dados observacionais que os astrônomos obtiveram. Este cenário possuía algumas hipóteses simplificadoras. Isso é natural, pois é assim que se realiza na prática o método científico. A estrutura geométrica do universo foi aceita como associada a uma geometria na qual um tempo cósmico global poderia ser definido, bem ao antigo estilo newtoniano de separar tempo e espaço. No entanto, contrariamente ao modo newtoniano, essa estrutura não era um dado absoluto no mundo, mas somente uma escolha conveniente de representação dos eventos, um modo de associar números a acontecimentos. Esse procedimento é legítimo, mas possui simplificações que os cientistas devem reexaminar ulteriormente.

Pois bem, neste cenário simplificado, aceitando-se uma certa forma de representar a totalidade de matéria e energia existentes, o cientista russo Friedmann  descobriu, em 1919, uma solução das equações da relatividade geral representando um universo com uma dinâmica associada à dependência do volume total do espaço com aquele tempo cósmico global. Esta solução, como ocorre em várias outras situações da Física, possui uma singularidade, isto é, um momento no tempo em que este volume assume o valor zero. Consequentemente, todas as quantidades físicas associadas (como a densidade de energia, a temperatura) divergem, isto é, assumem (naquele ponto) o valor infinito. Quando tal situação ocorre na ciência, várias propostas para contornar esta dificuldade aparecem. Por exemplo, no começo do século XX uma questão semelhante aconteceu na teoria de Maxwell  a respeito do eletromagnetismo. Ao aceitar que a partícula chamada elétron deveria ser um “ponto geométrico, sem dimensão” criou-se de imediato uma dificuldade de natureza semelhante à da singularidade que falei há pouco, pois ao longo da trajetória do elétron, o campo eletromagnético assume o valor infinito. Várias propostas para contornar a dificuldade do surgimento teórico do infinito foram sugeridas. Entre estas, uma se destacou, argumentando que a dificuldade estaria em se isolar o elétron do resto do mundo, isto é, de esquecer de levar em conta seu environment, o meio em que ele está mergulhado. Viu-se que, ao se levar em conta esse exterior do elétron, o problema seria contornado, a singularidade deixaria de existir: o infinito é banido da história processual do elétron. Ora, uma solução semelhante não é possível existir no caso do Universo, pois este não possui “um lado de fora”, um environment.

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