Edição 338 | 11 Agosto 2010

A atual política cambial é absolutamente perversa quanto ao PIB

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Patrícia Fachin

Brasil passa por uma desindustrialização negativa e indústria nacional perde espaço para setores de baixa produtividade e baixo dinamismo tecnológico, constata o economista José Luis Oreiro

Segundo Oreiro, “a atual política cambial é absolutamente perversa no que se refere à participação da indústria no PIB” e favorece o processo de desindustrialização na economia brasileira. Na avaliação dele, para que se consiga reverter essa situação, é urgente “uma mudança radical na política cambial”, assegurando taxa de câmbio competitiva a médio e longo prazo.
Na entrevista a seguir, concedida, por telefone, à IHU On-Line, o professor da Universidade de Brasília – UnB também comenta os incentivos do BNDES à criação e fortalecimento de gigantes nacionais na economia e menciona que, em função dessa política, pode haver um “aprofundamento do processo de desindustrialização”. Ele explica: “Não há nenhum compromisso de que essas gigantes multinacionais brasileiras mantenham suas atividades produtivas no Brasil. Elas podem, simplesmente, fazer internacionalização do capital brasileiro e passar a localizar suas atividades produtivas no exterior”.

José Luis Oreiro é graduado em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, possui mestrado em Economia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro - PUC-Rio e doutorado em Economia da Indústria e da Tecnologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. Organizou Agenda Brasil: políticas econômicas para o crescimento com estabilidade de preços (São Paulo: Monole, 2003) e Sistema financeiro: uma análise do setor bancário brasileiro (Rio de Janeiro: Campus, 2007).

Confira a entrevista.

IHU On-Line - A economia brasileira vive um período de desindustrialização, ou não?

José Luis Oreiro - A economia brasileira passou, nos últimos vinte anos, por duas ondas de desindustrialização. A primeira ocorreu no período compreendido entre 1988 a 1998, quando houve uma redução significativa do valor adicionado da indústria no PIB brasileiro. Para se ter uma ideia de valores, em 1988 a participação do valor adicionado da indústria de transformação no PIB brasileiro se situava em torno de 30%. Dez anos depois, em 98, a participação havia se reduzido para cerca de 20%. O segundo período de desindustrialização ocorreu recentemente, entre 2005 e 2008, onde houve uma redução da participação do valor adicionado da indústria de transformação de 17,5% no PIB, no início de 2005, para algo em torno de 16% do PIB, em 2008. É verdade que mais recentemente a economia brasileira continua se desindustrializando.

IHU On-Line - Quais as repercussões da desindustrialização, nestes dois períodos, sobre o crescimento potencial do país?

José Luis Oreiro - As repercussões são negativas a longo prazo. A indústria é o setor mais dinâmico da economia, é a fonte dos retornos crescentes de escala que dão sustentação ao crescimento a longo prazo e também é o setor da economia que tem maiores encadeamentos na estrutura produtiva. Além disso, os produtos industriais são aqueles que têm maior elasticidade de renda das exportações e, que, portanto, contribuem para um crescimento maior das exportações de longo prazo. Então, uma redução da participação da indústria no PIB a longo prazo implica numa redução na taxa de crescimento potencial da economia brasileira.

IHU On-Line - A política cambial e monetária demonstra que postura em relação à industrialização do país? Quais os reflexos dessas políticas no processo de industrialização/desindustrialização?

José Luis Oreiro - A atual política cambial é absolutamente perversa no que se refere à participação da indústria no PIB. Com o câmbio atual, que estima-se estar sobrevalorizado entre 25 e 30%, a capacidade da indústria nacional de competir no exterior é baixa e isso está se refletindo na substituição de produção doméstica por exportações, ou seja, há uma reversão do processo de substituição de importações que ocorreram no Brasil de 1950 a 1980 e, por outro lado, está se refletindo numa redução não só da participação dos produtos manufaturados na pauta de exportações brasileiras - hoje a participação deles está em torno de 50%, quando já foi 70% em alguns anos atrás -, mas, também, numa redução do saldo comercial da indústria. Ou seja, a indústria brasileira, que tradicionalmente tinha saldo comercial positivo, agora está com o saldo comercial ligeiramente equilibrado. Quer dizer, as importações da indústria nos últimos anos têm crescido mais rapidamente do que as exportações. Isso significa que, em breve, vamos ter uma situação em que o saldo comercial da indústria brasileira será negativo.

IHU On-Line – Alguns economistas defendem a tese de que a indústria não desempenha mais um papel significativo na economia de diversos países e que isso é uma tendência mundial. Em sua opinião, ainda é importante investir na indústria?

José Luis Oreiro - A desindustrialização que o Brasil está passando é diferente da desindustrialização dos países desenvolvidos. É o que, na literatura sobre esse tema, se diferencia entre desindustrialização positiva e negativa. A desindustrialização positiva ocorre quando, em um país, o nível per capita é suficientemente alto para que os setores de serviços mais intensivos em tecnologia e de alta qualidade comecem a crescer no PIB, tirando participação da indústria. Isso é o que aconteceu nos países europeus como Alemanha e França. Já a desindustrialização negativa ocorre quando a indústria perde importância no PIB, mas ela é substituída pelo setor de serviços de baixa produtividade. É exatamente esse o caso brasileiro, ou seja, a indústria nacional está perdendo espaço para setores de baixa produtividade e baixo dinamismo tecnológico.

IHU On-Line - Que políticas são necessárias para reverter esse processo e garantir o crescimento econômico do país?

José Luis Oreiro - Para que se consiga reverter este processo de desindustrialização é, absolutamente urgente, uma mudança radical na política cambial. Precisamos ter uma política que assegure uma taxa de câmbio competitiva de médio e longo prazo. Para isso, é preciso implementar controles na entrada e saída de capitais do Brasil para reduzir não só a volatividade da taxa de câmbio, como também para estabilizar a taxa de câmbio num patamar mais competitivo. Precisamos introduzir o que denominei de fundo de estabilização cambial e um fundo patrocinado com recursos do Tesouro Nacional para adquirir moeda estrangeira e, funcionar, assim, como um market maker no mercado de câmbio, fazendo com que a taxa cambial permaneça num patamar mais competitivo.

IHU On-Line – A partir do estímulo do BNDES à criação de gigantes nacionais, que consequências podemos prever para a economia brasileira?

José Luis Oreiro - Podemos, inclusive, ter um aprofundamento do processo de desindustrialização porque não há nenhum compromisso de que essas gigantes multinacionais brasileiras mantenham suas atividades produtivas no Brasil. Elas podem, simplesmente, fazer internacionalização do capital brasileiro e passar a localizar suas atividades produtivas no exterior. Como, por exemplo, o Grupo Gerdau. Vejo com preocupação essas medidas feitas pelo BNDES, principalmente pelo fato de que não há nenhuma garantia de que essas empresas irão investir e gerar empregos no Brasil.

IHU On-Line - Qual é a estratégia do governo, considerando as atuais políticas de investimento do BNDES, em relação à economia?

José Luis Oreiro - A estratégia do governo tem alguns acertos. Acho importante um aumento do financiamento de longo prazo e, isso, o BNDES tem feito nos últimos anos com aporte de recursos por parte do Tesouro. Essa iniciativa é positiva e, certamente, é por causa disso que temos observado, nos últimos dois anos, o investimento no Brasil se recuperando relativamente a um patamar extremamente baixo que ele alcançou em 2003, no inicio do mandato do presidente Lula. Mas não vejo nenhuma medida sendo tomada pelo governo para reverter o processo de desindustrialização e a situação calamitosa das contas externas brasileiras. Previsões feitas pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea mostram que este ano o déficit em conta corrente brasileiro será da ordem de 50 a 60 bilhões de dólares, ou seja, aproximadamente 30% superior ao investimento externo. Para 2011, existem projeções de que o déficit em conta corrente deve chegar a 90 ou 100 bilhões de dólares. Então, o governo não está dando atenção devida a estes dois problemas: desindustrialização e o desequilíbrio externo. Essas questões irão cobrar muito caro para a economia brasileira, nos próximos anos, em termos de redução de crescimento e, talvez, ocorra uma crise de balanço de pagamentos em 2012 e 2013.

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