Edição 338 | 11 Agosto 2010

Indústria perde peso, mas não há desindustrialização

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Patricia Fachin

 

Reprimarização

Quando falamos em desindustrialização, estamos pensando em um processo que, devido a fatores exógenos, provoca uma perda substancial de densidade da indústria. Isso não está acontecendo no Brasil, o que não quer dizer que não possa ocorrer no futuro, se a evolução do câmbio e de outras variáveis macroeconômicas não mudarem. O que está ocorrendo é uma reprimarização da pauta de exportações, ou seja, as exportações estão cada vez mais concentradas em produtos básicos, agropecuários e commodities industriais – em geral, mercadorias de baixa tecnologia. Não poderia deixar de ser diferente por que quem está crescendo no mundo é a China e alguns países asiáticos, que puxam os preços das commodities. As exportações de produtos manufaturados, por outro lado, não estão bem devido ao fato de que a América Latina, a Europa e os EUA - compradores de produtos manufaturados - estão com uma condição econômica desfavorável. Além do mais, o leste da Ásia, principalmente China e Índia, são compradores de produtos commodities. É difícil saber até quando irá ocorrer a reprimarização da pauta, mas isso não é um fenômeno inevitável e não está diretamente relacionado à taxa de câmbio. Além do mais, a taxa cambial é uma variável endógena na economia; não se manipula o câmbio diretamente. O correto é criar condições para que ele se desvalorize, se for necessário. Ao lado da reprimarização da pauta, não está ocorrendo uma reprimarização da produção industrial. Em 2008, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE divulgou os dados mais completos sobre a indústria desde o ano de 96 até 2008. Esse documento permite confirmar o que estou dizendo: o investimento industrial em diversos setores continua muito forte, o que não quer dizer que alguns setores estejam perdendo dinamismo. Mas isso sempre aconteceu por que nem toda a indústria se move com a mesma intensidade e na mesma direção. Isso não quer dizer que esteja havendo uma reprimarização da pauta de produção. Acredito que tudo isso é temporário. Esses processos vão se corrigindo com o passar do tempo. Em 2009, o Brasil atravessou o auge desse processo de reprimarização da pauta, mas a indústria está indo muito bem e fechará o ano com crescimento maior de 10%. É difícil falar em desindustrialização num quadro desses.
É claro que eu, se fosse industrial, estaria reclamando. Os industriais estão reclamando e têm todo direito de fazer o seu lobby, principalmente aqueles que estão afetados pela entrada dos produtos importados. Por outro lado, a indústria se beneficia da importação de matéria prima, componentes e bens de capital. Só que os empresários, quando se queixam, não reconhecem esse outro lado. Se eu fosse industrial estaria aproveitando ao máximo da possibilidade de comprar máquinas e equipamentos de alta tecnologia no exterior por que o câmbio está favorável às compras de bens de capital. 

IHU On-Line - Quais são as potencialidades da indústria brasileira hoje e sua influência no crescimento econômico do país? E, nesse sentido, qual sua competitividade em relação à agricultura?

Regis Bonelli – A potencialidade da indústria é enorme porque não vivemos apenas de exportações. O mercado interno é vasto e cresce rapidamente tanto por consumo quanto por investimento. Nesse sentido, ela está ganhando musculatura. O fato de a indústria ter aumentado, mas não tanto, significa que a sua capacidade também está se expandindo. É curioso que, se observarmos uma série histórica depois dos últimos 30 anos, vamos perceber que a agricultura cresceu mais do que a indústria. O crescimento da agropecuária, especialmente, foi maior. O Brasil virou o celeiro do mundo e isso não é nenhuma vergonha. Vários países foram e são celeiros do mundo e se deram muito bem. Então, o fato de a agricultura ter crescido mais que a indústria não quer dizer que o setor industrial não seja o setor dinâmico por excelência. Mesmo não acreditando que o país passa por um processo de desindustrialização, reconheço que há uma perda de peso da indústria, especialmente em valor e não em emprego. Se consultarmos os dados da PNAD desde o ano de 92 até 2008, veremos que o emprego industrial em relação ao emprego total é praticamente constante. Então, o fato de a indústria ter perdido densidade não deve nos assustar. Sou um otimista.

IHU On-Line – Como compreender a estratégia político econômica do governo, tendo em vista os incentivos do BNDES a grandes grupos nacionais?

Regis Bonelli – Não tenho estudado a questão do BNDES. Penso que a criação de gigantes nacionais tem uma lógica, mas o que deveria ficar mais claro, no meu ponto de vista, é o custo disso para o país. O BNDES está aí para promover o desenvolvimento. Particularmente, preferiria que a política do banco fosse mais horizontal e menos concentrada em setores como o de carne ou na escolha de “vencedores”, no sentido de quem irá vencer o jogo econômico. Preferiria que os esforços se concentrassem na incorporação de tecnologia, inovações e que se disseminassem por todo o tecido econômico. O caso da concentração empresas/setores deve ser, do ponto de vista de um governo republicano e democrático, explicado à sociedade, mostrando custos e benefícios.

IHU On-Line - A economia brasileira vem crescendo e, segundo estimativas, pode atingir um crescimento de 7,6% neste ano. Essas taxas se sustentarão a longo prazo?

Regis Bonelli – Não. A taxa altíssima de crescimento brasileiro que, pode chegar a 7,6% neste ano, se deve ao fato de que no ano passado o crescimento praticamente se manteve estagnado. O crescimento do PIB em 2009 foi menor a 0,2%. Então, se criou uma enorme capacidade ociosa e, sempre que isso ocorre, o crescimento no período seguinte pode ser muito forte. Não acredito na menor chance de pensar em um crescimento a médio prazo. A menos que, também neste período, se consiga aumentar a poupança nacional e o investimento. De qualquer modo, enquanto estivermos neste patamar de 18, 20% do PIB da taxa de investimento, não há possibilidade de crescer.

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