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Patricia Fachin
A economia brasileira não está se desindustrializando. O que ocorre, segundo o economista Regis Bonelli, é a “reprimarização da pauta de exportações, ou seja, as exportações estão cada vez mais concentradas em produtos básicos, agropecuários e commodities industriais, em geral, mercadorias de baixa tecnologia”. Para ele, esse processo é natural, uma vez que, quem está crescendo no mercado internacional são a China e os países asiáticos, principais compradores de commodities do mundo. “É difícil saber até quando irá ocorrer a reprimarização da pauta, mas isso não é um fenômeno inevitável”, aponta.
Na entrevista que segue, concedida, por telefone, à IHU On-Line, o economista faz uma retrospectiva das crises econômicas internacionais que afetaram a economia brasileira desde o início da década de 90 até os anos 2000. Segundo ele, “todo o período de instabilidade macroeconômico tem como consequência uma perda de peso da indústria por que ela é o setor com elasticidade de renda mais alta em comparação com os demais setores da economia”. Otimista, Benelli enfatiza que, “o fato de a indústria ter perdido densidade não deve nos assustar”.
Regis Bonelli é doutor em Economia pela Universidade da Califórnia, EUA, e bacharel em Engenharia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio. Foi diretor de pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, diretor executivo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES e diretor geral do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Desde 2008, é pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia – IBRE, da Fundação Getúlio Vargas - FGV, onde desenvolve trabalhos nas áreas de crescimento e desenvolvimento econômico.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Como vem se processando a industrialização brasileira nas duas últimas décadas? Há risco de a economia brasileira ser atingida pela doença holandesa?
Regis Bonelli – A industrialização do país é um processo que está ocorrendo com intensidades variadas desde o fim do século XIX. Depois da primeira crise do petróleo, o governo militar “embarcou” num programa ambicioso de substituição de importações, o qual fez com que a indústria brasileira tivesse um peso no PIB muito superior ao que era justificado pelas condições tecnológicas do país e pela renda per capita. Isso era uma distorção porque a indústria montada ao longo desses anos – que atingiu o auge na década de 70 - era ineficiente, excessivamente protegida e, por causa disso, incapaz de incorporar tecnologia na medida adequada para uma nação ainda pobre tecnologicamente como nós éramos e, ainda, somos.
Esse cenário mudou a partir do final da década de 80, com a ideia de que para incorporar mais tecnologia, melhorar as inovações e ter crescimento industrial era necessário abrir a economia. Isso foi feito antes do governo Collor, em 1988, por meio de uma série de simplificações no sistema de tarifas de alfândegas do Brasil e de proteções não tarifárias. Essas medidas se ampliaram durante o período Collor, quando, infelizmente, a abertura econômica foi aprofundada num momento de recessão da economia. O ano de 1990 foi um desastre; a economia parou e a indústria também teve uma parada súbita, de uma maneira nunca antes vista na história desse país. Essa parada industrial não ocorreu devido à abertura comercial, mas coincidiu porque foi a tentativa de implantar um programa de estabilização para controlar a inflação.
Com isso, a indústria, especialmente no triênio 90, 92, que foi muito recessivo, perdeu peso na economia, colocando-se mais próxima de um padrão internacional. Depois, apesar da estabilização sobre o processo inflacionário, em 95, ocorreram uma série de crises econômicas, começando com a moratória do México no final de 94, que atingiu o Brasil em 95; seguindo com a crise asiática, em 97; a crise da Rússia, em 98; e da Argentina, em 2000. Todas elas tiveram efeito de provocar uma interrupção súbita nos fluxos de recursos para o Brasil. O governo era obrigado a reagir elevando a taxa de juros para defender o Real e evitar que a depreciação cambial se transmitisse integralmente para os preços, o que colocaria em risco o esforço de estabilização da época. Mas o efeito final dessas medidas e dessas crises foi um crescimento industrial menor do que o PIB. Quando acontece isso, a indústria perde participação e algumas pessoas podem achar que há um processo de desindustrialização. É normal que a indústria perca peso à medida que é um setor que produz bens que são mais elásticos em relação à renda. Ou seja, quando há variações negativas de renda, como aconteceu inúmeras vezes nesse período, a produção industrial cai mais do que proporcionalmente. Da mesma forma, quando há recuperação, a produção industrial cresce mais do que o esperado.
Consequências
A instabilidade macroeconômica que o Brasil atravessou por conta de crises externas, pelo fato de estarmos montando o nosso projeto de estabilização entre os anos de 94 e 2002, culminou com o período eleitoral, quando a taxa de câmbio foi às alturas por que os investidores estrangeiros não acreditavam que o governo, que aparentemente seria eleito e, de fato, foi, fosse honrar com os compromissos externos. O Banco Central foi obrigado a elevar os juros para evitar uma debandada de recursos e que a inflação se transmitisse ao país, como de fato se transmitiu, parcialmente, em 2002. Então, todo o período de instabilidade macroeconômico tem como consequência uma perda de peso da indústria por que ela é o setor com elasticidade de renda mais alta em comparação com os demais setores da economia.
IHU On-Line – Essa perda de participação da indústria no PIB não caracteriza, na sua avaliação, um processo de desindustrialização? Isso está relacionado à sua teoria de que há uma tendência mundial de perda de importância da indústria no PIB dos países?
Regis Bonelli – Justamente essa é minha interpretação. Acho que o cenário descrito na resposta anterior não sinaliza uma desindustrialização. Assim também como não sinaliza uma desindustrialização na crise de 2008. Se observarmos os dados do PIB trimestral, veremos que, depois de 2008, a participação da indústria no PIB mergulha em dois trimestres muito rapidamente. Mas, em seguida, cresce fortemente e hoje está crescendo muito. No geral, na minha conclusão, o Brasil se aproximou do padrão internacional característico de países que têm a mesma renda per capita que a nossa, e passou por uma descontinuidade no triênio 90, 92.
Reprimarização
Quando falamos em desindustrialização, estamos pensando em um processo que, devido a fatores exógenos, provoca uma perda substancial de densidade da indústria. Isso não está acontecendo no Brasil, o que não quer dizer que não possa ocorrer no futuro, se a evolução do câmbio e de outras variáveis macroeconômicas não mudarem. O que está ocorrendo é uma reprimarização da pauta de exportações, ou seja, as exportações estão cada vez mais concentradas em produtos básicos, agropecuários e commodities industriais – em geral, mercadorias de baixa tecnologia. Não poderia deixar de ser diferente por que quem está crescendo no mundo é a China e alguns países asiáticos, que puxam os preços das commodities. As exportações de produtos manufaturados, por outro lado, não estão bem devido ao fato de que a América Latina, a Europa e os EUA - compradores de produtos manufaturados - estão com uma condição econômica desfavorável. Além do mais, o leste da Ásia, principalmente China e Índia, são compradores de produtos commodities. É difícil saber até quando irá ocorrer a reprimarização da pauta, mas isso não é um fenômeno inevitável e não está diretamente relacionado à taxa de câmbio. Além do mais, a taxa cambial é uma variável endógena na economia; não se manipula o câmbio diretamente. O correto é criar condições para que ele se desvalorize, se for necessário. Ao lado da reprimarização da pauta, não está ocorrendo uma reprimarização da produção industrial. Em 2008, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE divulgou os dados mais completos sobre a indústria desde o ano de 96 até 2008. Esse documento permite confirmar o que estou dizendo: o investimento industrial em diversos setores continua muito forte, o que não quer dizer que alguns setores estejam perdendo dinamismo. Mas isso sempre aconteceu por que nem toda a indústria se move com a mesma intensidade e na mesma direção. Isso não quer dizer que esteja havendo uma reprimarização da pauta de produção. Acredito que tudo isso é temporário. Esses processos vão se corrigindo com o passar do tempo. Em 2009, o Brasil atravessou o auge desse processo de reprimarização da pauta, mas a indústria está indo muito bem e fechará o ano com crescimento maior de 10%. É difícil falar em desindustrialização num quadro desses.
É claro que eu, se fosse industrial, estaria reclamando. Os industriais estão reclamando e têm todo direito de fazer o seu lobby, principalmente aqueles que estão afetados pela entrada dos produtos importados. Por outro lado, a indústria se beneficia da importação de matéria prima, componentes e bens de capital. Só que os empresários, quando se queixam, não reconhecem esse outro lado. Se eu fosse industrial estaria aproveitando ao máximo da possibilidade de comprar máquinas e equipamentos de alta tecnologia no exterior por que o câmbio está favorável às compras de bens de capital.
IHU On-Line - Quais são as potencialidades da indústria brasileira hoje e sua influência no crescimento econômico do país? E, nesse sentido, qual sua competitividade em relação à agricultura?
Regis Bonelli – A potencialidade da indústria é enorme porque não vivemos apenas de exportações. O mercado interno é vasto e cresce rapidamente tanto por consumo quanto por investimento. Nesse sentido, ela está ganhando musculatura. O fato de a indústria ter aumentado, mas não tanto, significa que a sua capacidade também está se expandindo. É curioso que, se observarmos uma série histórica depois dos últimos 30 anos, vamos perceber que a agricultura cresceu mais do que a indústria. O crescimento da agropecuária, especialmente, foi maior. O Brasil virou o celeiro do mundo e isso não é nenhuma vergonha. Vários países foram e são celeiros do mundo e se deram muito bem. Então, o fato de a agricultura ter crescido mais que a indústria não quer dizer que o setor industrial não seja o setor dinâmico por excelência. Mesmo não acreditando que o país passa por um processo de desindustrialização, reconheço que há uma perda de peso da indústria, especialmente em valor e não em emprego. Se consultarmos os dados da PNAD desde o ano de 92 até 2008, veremos que o emprego industrial em relação ao emprego total é praticamente constante. Então, o fato de a indústria ter perdido densidade não deve nos assustar. Sou um otimista.
IHU On-Line – Como compreender a estratégia político econômica do governo, tendo em vista os incentivos do BNDES a grandes grupos nacionais?
Regis Bonelli – Não tenho estudado a questão do BNDES. Penso que a criação de gigantes nacionais tem uma lógica, mas o que deveria ficar mais claro, no meu ponto de vista, é o custo disso para o país. O BNDES está aí para promover o desenvolvimento. Particularmente, preferiria que a política do banco fosse mais horizontal e menos concentrada em setores como o de carne ou na escolha de “vencedores”, no sentido de quem irá vencer o jogo econômico. Preferiria que os esforços se concentrassem na incorporação de tecnologia, inovações e que se disseminassem por todo o tecido econômico. O caso da concentração empresas/setores deve ser, do ponto de vista de um governo republicano e democrático, explicado à sociedade, mostrando custos e benefícios.
IHU On-Line - A economia brasileira vem crescendo e, segundo estimativas, pode atingir um crescimento de 7,6% neste ano. Essas taxas se sustentarão a longo prazo?
Regis Bonelli – Não. A taxa altíssima de crescimento brasileiro que, pode chegar a 7,6% neste ano, se deve ao fato de que no ano passado o crescimento praticamente se manteve estagnado. O crescimento do PIB em 2009 foi menor a 0,2%. Então, se criou uma enorme capacidade ociosa e, sempre que isso ocorre, o crescimento no período seguinte pode ser muito forte. Não acredito na menor chance de pensar em um crescimento a médio prazo. A menos que, também neste período, se consiga aumentar a poupança nacional e o investimento. De qualquer modo, enquanto estivermos neste patamar de 18, 20% do PIB da taxa de investimento, não há possibilidade de crescer.