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Graziela Wolfart
"Os verdadeiros desafios para a Igreja hoje são os de sempre: parecer-se com Jesus, encarnar sua palavra e fazer-se inteligível para nossa cultura e nosso século. Especialmente entre os jovens. A Igreja tem que sair dos ‘castelos de inverno’ e viver na fronteira dos pobres, nas praças dos descrentes, na fronteira dos últimos, dos esquecidos. Isto lhe devolverá a credibilidade”. A reflexão é do padre jesuíta espanhol Pedro Miguel Lamet, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line. Ele percebe que “hoje mais do que nunca fazem falta homens de estudo que analisem em profundidade os sinais dos tempos. Não para se fechar neste pensamento único que nos devora e nos desnaturaliza, mas para fazer o mundo despertar de seu sonho tecnológico e de sua obsessão economicista. Hoje, mais do que nunca, fazem falta mestres espirituais que nos façam tomar consciência de que a vida verdadeira não está nos bancos, nas multinacionais e na bolsa de valores. Que há outra vida nas pessoas e na rua, que há no interior do homem um manancial que busca a vida eterna. O Vaticano II, longe de ser esquecido, deve ser potencializado, sobretudo em seus acentos no povo de Deus, no diálogo com outras religiões, na sociedade e na cultura”. Lamet fala ainda de Pedro Arrupe, que, para ele, “foi um homem santo e alegre, simples e próximo, provado pela dor e pela incompreensão, um homem humilde e iluminado, outro Santo Inácio de Loyola, considerando as distâncias, para o mundo de hoje”.
Pedro Miguel Lamet, poeta, escritor e jornalista ingressou na Companhia de Jesus, em 1958. É licenciado em Filosofia, Teologia e Ciências da Informação e formado em Cinematografia. Posteriormente, foi professor de Estética e Teoria do Cinema nas Universidades de Valladolid, Deusto e Caracas, sem nunca abandonar a crítica literária e cinematográfica. Como escritor, publicou poesia, ensaio, biografias, crítica literária e cinematográfica. Lamet escreveu vários livros entre os quais: Arrupe, una explosión en la Iglesia (Madri: Editora Temas de Hoy, 1989). A nona edição foi publicada com o título: Arrupe, un profeta para el siglo XXI (Madri: Editora Temas de Hoy, 2001); Juan Pablo II, Hombre y Papa (1995-2005); Un jesuita sin papeles (2005), sobre José María Díez-Alegría. Também publicou a novela histórica El caballero de las dos banderas: Ignacio de Loyola (2000).
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Quais os principais desafios para a Igreja hoje? Por exemplo, como enfrentar a questão da pedofilia?
Pedro Lamet - O principal desafio da Igreja de hoje não é a pedofilia. A pedofilia é um pecado, que por desgraça, como os outros pecados (ambição de poder e dinheiro, orgulho, inveja, corrupção, violência), sempre estiveram presentes na Igreja. O que acontece é que essa questão se destaca porque ela se converteu em um escândalo maiúsculo, por sua excitação midiática, e acabou se tornando um negócio para vítimas e, sobretudo, para os advogados. Por exemplo, a pederastia no seio das famílias (pais e tios) é muito mais grave e frequente e não “vaza” tanto para a opinião pública. Eu penso que isso pode ter um lado bom, como uma forma de purificação de nosso orgulho clerical de seres sagrados e intocáveis. Somos apenas pobres homens, nada mais, como os demais em busca de Deus, mas com algumas obrigações maiores de dar exemplo e ser guias dos demais. Os verdadeiros desafios para a Igreja hoje são os de sempre: parecer-se com Jesus, encarnar sua palavra e fazer-se inteligível para nossa cultura e nosso século. Especialmente entre os jovens. A Igreja tem que sair dos “castelos de inverno” e viver na fronteira dos pobres, nas praças dos descrentes, na fronteira dos últimos, dos esquecidos. Isto lhe devolverá a credibilidade.
IHU On-Line - Como os missionários jesuítas podem contribuir para avançar na caminhada da Igreja a partir da missão da Companhia de Jesus e das discussões propostas no Concílio Vaticano II?
Pedro Lamet - A Companhia de Jesus tem uma brilhante história no caminho da inculturação, de Ricci e Nobile e a pastoral educativa e intelectual, à Ratio Studiorum e inclusive São Francisco Xavier. Hoje mais do que nunca fazem falta homens de estudo que analisem em profundidade os sinais dos tempos. Não para se fechar neste pensamento único que nos devora e nos desnaturaliza, mas para fazer o mundo despertar de seu sonho tecnológico e de sua obsessão economicista. Hoje, mais do que nunca, fazem falta mestres espirituais que nos façam tomar consciência de que a vida verdadeira não está nos bancos, nas multinacionais e na bolsa de valores. Que há outra vida nas pessoas e na rua, que há no interior do homem um manancial que busca a vida eterna. O Vaticano II, longe de ser esquecido, deve ser potencializado, sobretudo em seus acentos no povo de Deus, no diálogo com outras religiões, na sociedade e na cultura.
IHU On-Line - Como o senhor avalia a questão dos Legionários de Cristo? Que relação pode ser estabelecida entre eles e os jesuítas?
Pedro Lamet - Não consigo compreender essa história tremenda de Maciel , como foi ocultada durante o pontificado anterior e inclusive potencializado os legionários como um "movimento modelo". Estes reivindicavam o “inacianismo” autêntico já que seu fundador se formou na Universidade Pontifícia de Comillas, em Madrid. Mas se centravam na parte mais conservadora de nossa tradição e criticavam nossa atualização depois do Concilio. É estremecedor que João Paulo II abraçou e louvou Maciel e desautorizou o padre Arrupe, quando este último lhe obedeceu até o final e morreu mártir de suas incompreensões, enquanto Maciel fazia “das suas”, abusando até de seus filhos naturais. Espero que as medidas de Bento XVI com esta congregação gerem seus frutos e possam endereçar essa árvore para o bem deles e também da Igreja. Quando eu dirigia a revista semanal Vida Nueva, alguns bispos me criticavam por contar algumas coisas que aconteciam na Igreja. A longo prazo, é bom que se saiba dos fatos, para que sejam limpos. Talvez por isso Pio XII defendeu a necessidade de uma opinião pública na Igreja.
IHU On-Line - Qual a principal herança do Pe. Pedro Arrupe para a missão social dos jesuítas no mundo?
Pedro Lamet - Arrupe estendeu uma ponte entre Oriente e Ocidente; injetou ânimo e alegria em seus companheiros; convenceu-nos de que a promoção da justiça é uma clara consequência de nossa fé. Acreditava no homem, nos jovens, estava convencido de que um cristão "deve levar o futuro nas entranhas" e que "não pode deixar de ser otimista porque crê em Deus". E de que "Deus talvez nunca esteve tão perto de nós porque nunca estivemos tão inseguros". Adiantou-se profeticamente em temas como a libertação integral do homem, a promoção da mulher, das ONGs, a luta pela justiça, pelos deportados, o diálogo com as culturas. Creio que Arrupe continua vivo em centenas de jesuítas e cristãos de hoje.
IHU On-Line - Quais as características mais marcantes de Díez Alegría que podem servir de exemplo aos missionários jesuítas no sentido de estar a serviço da fé e de promover a justiça?
Pedro Lamet - Escrevi uma trilogia biográfica de personagens do século XX, que é como um triângulo, cujos ângulos representam três posturas distintas, mas adjacentes, de homens de Igreja diante do mundo de hoje: a de João Paulo II, que em minha opinião foi um revisionista ou restauracionista do passado eclesial frente ao Vaticano II, em moldes modernos; a de Pedro Arrupe, que representa a explosão eclesial de sua experiência em Hiroshima ao encontro dos grandes desafios do futuro desde a Companhia; e a de José María Díez-Alegría , terceiro ângulo do triângulo, que é a vida de um homem de fronteira, que inclusive se situa fora e grita com bom humor e valentia à instituição suas infidelidades ao Evangelho de Jesus. Os três abarcam um século do que estamos vivendo hoje. Alegría foi um pioneiro, um precursor da Teologia da Libertação . Mas eu fico, sobretudo, com Arrupe, porque, além disso, foi um homem santo e alegre, simples e próximo, provado pela dor e pela incompreensão, um homem humilde e iluminado, outro Santo Inácio de Loyola, considerando as distâncias, para o mundo de hoje.
IHU On-Line - Qual a importância de resgatar o episódio do assassinato dos jesuítas mártires em El Salvador em relação à missão social dos jesuítas no mundo?
Pedro Lamet - Ellacuría e seus companheiros se converteram em um símbolo de liberdade e fortaleza para a América Latina e para o mundo, vivida desde os princípios evangélicos, frente a um mundo corrompido e uma oligarquia que explora aos pequenos. Por isso os mataram. Sua voz e sua mensagem, proclamada desde um contexto universitário, era uma bofetada a uma situação incrível de injustiça. O contraste e o descaramento continuam hoje vigentes, quando lembramos que os assassinos ainda não foram julgados. A omissão da Igreja em considerá-los mártires é outra faceta de que ainda sua mensagem não foi ouvida. Nisso Díez-Alegría tinha razão, quando dizia que a Igreja traiu Jesus no tema da propriedade privada.
IHU On-Line - De que maneira os jesuítas têm contribuído com a missão de promover o diálogo cultural inter-religioso?
Pedro Lamet – Talvez esta pergunta devesse ser feita ao padre geral da Companhia, que estará mais informado do que eu. Creio que nas últimas décadas nós, jesuítas, temos trabalhado no difícil avançar das fronteiras: a fronteira das descrenças, da injustiça, a fronteira dos avanços científicos, da solidariedade, da cultura criativa, etc. Trabalhar na fronteira é arriscado, porque há que ter um pé em cada lado para tornar possível o diálogo. Essa dupla pertença, a Deus e ao mundo, pode nos tornar eficazes, mas, ao mesmo tempo, pode nos fazer sucumbir. É o que fazia Teilhard de Chardin ao se auto-definir como "filho do Céu e filho da Terra". Com relação ao diálogo entre as religiões, tenho a sensação de que o caminho do entendimento nunca será a teologia, mas a mística , desde a experiência de Deus mais que desde a reflexão sobre Deus. Há um longo caminho a percorrer e compartilho a tese de Karl Rahner de que, se o século XX foi o século do homem, o século XXI será o século de Deus. A mística, uma mística da troca, acessível e próxima, começa por novos caminhos a entrar no povo, que encontrará cada dia mais ao alcance de sua mão a experiência direta de Deus.
IHU On-Line - Para o senhor, como jesuíta, qual a importância de manter um blog? Como descreve essa experiência?
Pedro Lamet - Em um primeiro momento tive medo do blog (http://www.pedrolamet.com/). Apesar de minha longa experiência de escritor, com 36 livros publicados, e como jornalista, acostumado ao imediatismo, não me agrada que os blogs, às vezes, se convertam em lixeiras dos baixos instintos: as pessoas insultam, se expressam de maneira vulgar, e se escondem embaixo do anonimato. No entanto, tive a sorte de entrar em um portal sério e de qualidade (http:// www.21rs.es) onde tenho a possibilidade de filtrar o spam e suprimir os posts das pessoas que não se expressam com um mínimo de educação. Desta maneira, está sendo uma maneira nova e valiosa de comunicação. Sem os condicionamentos dos grandes meios, onde nem sempre podes escrever o que queres, aqui assim que quero publico um poema, uma legenda, uma crônica, um comentário ou um pequeno artigo de espiritualidade. E o escritor vive a experiência de receber um feedback, um eco muito interessante do que escreve, o que o enriquece e às vezes inclusive lhe assombra. Trata-se de um modo novo de crescimento humano e inclusive de evangelização e proclamação da palavra muito próximo, livre e direto.
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>> Pedro Lamet já concedeu outra entrevista à IHU On-Line.
* Francisco Xavier: o aventureiro de Deus. Publicada nas Notícias do Dia do sítio do IHU, em 18-08-2006.