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Graziela Wolfart
A concepção de trabalho social para os jesuítas do século XXI, na visão de Alfredo Ferro, é “visão e horizonte amplo, com um olhar crítico da sociedade e do modelo neoliberal imperante, onde é necessário que se dêem transformações significativas nos campos social, político, econômico e ambiental, respondendo ao ‘grito’ das grandes maiorias por uma vida digna”. A declaração foi feita na entrevista que segue, concedida por e-mail à IHU On-Line, onde também afirmou que “talvez tenha sido no período do generalato do Pe. Arrupe que o apostolado social na Companhia de Jesus teve maior impulso e criatividade, devido às diversas iniciativas empreendidas e ao contexto que se vivia, como aos desafios que a realidade apresentava, onde tanto a sociedade como a Igreja (Concilio Vaticano II) sofriam grandes mudanças e onde certamente se ventilavam ares revolucionários”.
Alfredo Ferro Medina, padre jesuíta, colombiano, é delegado e coordenador do setor do apostolado social da Conferencia de Provinciais Jesuítas na América Latina – CPAL, com sede no Rio de Janeiro.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Como o senhor avalia o trabalho social dos jesuítas na América Latina desde a criação dos CIAS até os dias atuais? O que mais mudou ao longo desta trajetória?
Alfredo Ferro - Difícil responder a esta pergunta em poucas linhas, pois são 60 anos. No entanto, poderia dizer que talvez tenha sido no período do generalato do Pe. Arrupe , que o apostolado social na Companhia de Jesus teve maior impulso e criatividade, devido às diversas iniciativas empreendidas e ao contexto que se vivia, como aos desafios que a realidade apresentava, onde tanto a sociedade como a Igreja (Concilio Vaticano II) sofriam grandes mudanças e onde certamente se ventilavam ares revolucionários. O 4º decreto da Congregação Geral número 32, do ano de 1975, marcou a Companhia ao definir a missão institucional como: serviço da fé e promoção da justiça. Dentro desta perspectiva, o Pe. Arrupe confirmou e animou aos CIAS (Centros de Investigação e Ação Social) e posteriormente eles foram confirmados e apoiados pelo governo geral do Pe. Kolvenbach , mediante o estímulo que foi dado ao Secretariado de Justiça Social por Roma, que acompanhou e animou o processo destes centros sociais e em geral da ação social da Companhia. Nestes anos mudaram muitas coisas. Talvez o mais significativo tenha sido o compromisso que a Companhia assumiu, por inspiração também do Pe. Arrupe, com o Serviço Jesuíta aos Refugiados - SJR , que atende não só a refugiados, como também a deslocados internos e migrantes e que está presente em todos os continentes, sendo hoje uma das ações prioritárias não só do apostolado social, como de todo o corpo da Companhia Universal.
IHU On-Line - Como o trabalho da CPAL se enquadra na proposta dos CIAS?
Alfredo Ferro - Creio que hoje não poderíamos falar propriamente de CIAS. No atual contexto latino-americano e da Companhia de Jesus na América Latina e no Caribe falamos de centros sociais, já que esses CIAS iniciais foram adquirindo, em cada país, características diferentes e, por isso mesmo, mudaram de nome. Reconhecendo as diferenças e as particularidades, eu diria que os centros sociais atuais têm quatro características fundamentais em suas práticas: 1-. Reflexão e pesquisa 2-. Formação e capacitação 3-. Ação social e 4-. Incidência política. Corresponde à CPAL e concretamente à coordenação do setor social: animar, dinamizar, criar sinergias, impulsionar projetos e acompanhar as ações dos quase 40 centros sociais que temos. No entanto, mais que ao setor social da CPAL propriamente, tal responsabilidade é do corpo da Companhia e dos superiores maiores que devem impulsionar em cada província o fortalecimento e consolidação dos centros sociais.
IHU On-Line - Quais os principais desafios que a sociedade contemporânea aponta para o setor do Apostolado Social da Companhia de Jesus tendo em mente a sua missão?
Alfredo Ferro - São muitos os desafios que nos são apresentados. No entanto, menciono alguns dos quais apareceram na última reunião em Roma, no mês de abril, dos delegados ou coordenadores sociais dos continentes ou conferências de provinciais, onde estive presente e que seriam fundamentalmente os seguintes:
1-. Gerar sentido de corpo, envolvendo mais aos jovens jesuítas para responder adequadamente aos desafios que o mundo e nossa sociedade atual nos apresentam. Isso requer preparar e capacitar as gerações jovens para este tipo de apostolado ou serviço, e assim nos interrogar pelas razões ou causas pelas quais não chama muito a atenção de alguns desses jovens se vincular ao trabalho dos centros sociais.
2-. Conseguir um equilíbrio adequado entre o acompanhamento aos pobres e excluídos da sociedade, a incidência ou “advocacy” e a reflexão-investigação.
3-. Construir vínculos inter-setoriais e articulações entre nossas obras, em especial do setor social com as universidades.
4-. Seguir clarificando nosso compromisso pelo ecológico. Como tema e problemática central do mundo de hoje que nos impõe e com o apelo da última Congregação Geral 35, que nos convida à reconciliação com a criação, se pediu ao secretariado de justiça social em Roma que assuma essa responsabilidade desenvolvendo um trabalho a este nível, o que de outra maneira se reflita em seu novo nome: “Secretariado de justiça social e ecologia”.
IHU On-Line - Que exemplos de iniciativas sociais o senhor poderia citar que contribuam com o trabalho social dos jesuítas no sentido de promover o diálogo cultural e inter-religioso?
Alfredo Ferro - Poderia enumerar quatro tipos de iniciativa que me ocorrem neste momento, ainda que saibamos que há várias e que não se restringem ao que chamamos de apostolado social. São iniciativas que têm a ver com o trabalho da Companhia em geral. A primeira é o trabalho que as universidades fazem no campo da pesquisa, da docência, da reflexão e do diálogo cultural, especialmente em alguns institutos que têm sido criados para isso. A segunda, os centros de “Fé e Cultura”, que agrupados em uma rede, estão presentes na maioria dos países e diretamente assumem estas temáticas. Terceiro, o trabalho de uma centena de jesuítas na América Latina, que vivem em meio de comunidades, territórios e povos indígenas, onde com um grande esforço lutam por encarnar-se e dialogam com as chamadas culturas originárias, tentando desenvolver propostas desde as mesmas culturas. E como quarta, apontaria outro tipo de diálogo, que é o que têm feito os jesuítas latino-americanos, destinados ao que se chamava anteriormente de “terras de missão”, que neste caso são principalmente alguns países da África e da China, lugares desde os quais realizam um trabalho de “evangelização” em meio de culturas diferentes.
IHU On-Line - Como o senhor descreve a concepção de trabalho social para os jesuítas do século XXI?
Alfredo Ferro - Visão e horizonte amplo, com um olhar crítico da sociedade e do modelo neoliberal imperante, onde é necessário que se dêem transformações significativas nos campos social, político, econômico e ambiental, respondendo ao “grito” das grandes maiorias por uma vida digna. Há claramente uma aposta decidida pelo trabalho com os mais pobres e excluídos e com uma clara consciência de trabalho em redes, que nos permita, por outro lado, impactar e incidir onde se tomam as decisões. De alguma maneira, essa concepção se confirma em uma das prioridades da CPAL em seu Plano Apostólico Comum (PAC), que os superiores provinciais de cada uma das regiões e províncias definiram recentemente no mês de maio na Assembléia da Guatemala como: “Proximidade e compromisso com quem vive nas fronteiras da exclusão”, o que significa atender preferencialmente aos migrantes, indígenas, vítimas da violência e outras populações vulneráveis, mediante a presença próxima, a reflexão e a incidência.