Edição 258 | 19 Mai 2008

Na agenda do governo, a questão ambiental nem de longe é uma prioridade

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Graziela Wolfart e Greyce Vargas

Para o diretor–adjunto da ONG Amigos da Terra, Mario Menezes, não adianta mudar o ministro se o governo não prioriza a agenda ambiental

Muitos afirmam que, no governo Lula, a questão econômica sempre se sobrepõe à questão ambiental. No entanto, podemos acreditar que a ex-ministra do meio ambiente, Marina Silva, que acaba de pedir demissão do cargo, teria contribuído para isso? De certa forma sim, acredita o agrônomo e economista Mario Menezes. Em entrevista concedida por telefone à IHU On-Line, ele avalia a postura de Marina no Ministério até então, fala sobre o lugar da agenda ambiental no governo Lula e explica por que considera que a ex-ministra do Meio Ambiente tenha colaborado com a postura do governo de lutar pelo crescimento econômico a qualquer custo: “Ela já teve motivos antes, muito mais relevantes e consistentes, que justificavam mais essa decisão do que agora, os quais, no entanto, ela acabou aceitando. Ou seja, ela não deixou de contribuir para essa agenda em que o foco é o crescimento econômico e não o desenvolvimento”.
Mario Menezes trabalha na Amazônia há 32 anos, 20 dos quais mais diretamente com a problemática socioambiental da região, inclusive no Acre. Já trabalhou em ONGs, como o Instituto de Estudos Amazônicos e Ambientais. Atualmente, é o diretor–adjunto da ONG Amigos da Terra - Amazônia Brasileira (www.amazonia.org.br). Confira a entrevista:

IHU On-Line - O que significa para o Brasil a demissão da ministra Marina Silva?
Mario Menezes
– Significa perda de credibilidade fora do país. E, internamente, isso também aparece de forma muito negativa, sobretudo do ponto de vista da estrutura econômica. Os agentes econômicos certamente estão precisando fazer uma nova leitura. O governo está jogando suas fichas no crescimento e não no desenvolvimento. E desenvolvimento implica a internalização da dimensão ambiental no processo. Basicamente, o foco é o crescimento, levando em consideração o PAC, que é o Plano de Aceleração do Crescimento. Aí já temos uma senha para o setor econômico que, com a saída da ministra, fica mais explicitada.   

IHU On-Line – Qual é a sua opinião sobre a decisão de Marina?
Mario Menezes
– Minha primeira avaliação é de que foi uma decisão meio intempestiva, porque ela já teve motivos antes que justificavam mais essa decisão do que agora. Cito como exemplo o problema dos transgênicos, e, no começo do governo Lula, em 2003, a questão da importação de pneus usados. Há um conjunto de exemplos, cada um deles muito mais fortes, do que essa questão agora de que o PAS (Plano Amazônia Sustentável) seria coordenado pelo ministro Mangabeira Unger. Na entrevista coletiva, Marina Silva negou isso. Mas não há dúvidas de que essa tenha sido a gota d’água. Há também um pouco de vaidade pessoal nesse processo, pois, como eu disse, antes houve motivos muito mais relevantes e consistentes, os quais, no entanto, ela acabou aceitando. Ou seja, ela não deixou de contribuir para essa agenda em que o foco é o crescimento econômico e não o desenvolvimento. Existem essas duas dimensões, as duas grandes vertentes da gestão dela, que precisam ser avaliadas. 

IHU On-Line - Mais uma vez, a preocupação econômica se sobrepôs à questão ambiental e ao desenvolvimento sustentável...
Mario Menezes
– Exatamente. E eu diria que não é nem mais uma vez. Na verdade, nunca deixou de estar. Na agenda do governo, a questão ambiental não chega nem perto de ser prioridade. No caso da ex-ministra, podemos dizer que seja um processo cumulativo. De tanto engolir sapo, Marina Silva acabou regurgitando pelo menos uma parte disso. No fundo, há um embate do governo, que tem na sua prioridade de agenda a questão do crescimento econômico, não importando muito o seu custo socioambiental, versus uma agenda, na minha opinião mais coerente, que é de internalizar esses critérios de sustentabilidade. E aí aparece a Amazônia de forma mais evidente, porque, do ponto de vista internacional, a preocupação está mais voltada para ela. Mas, se olharmos todo o nosso processo de crescimento, de “desenvolvimento”, ele é insustentável de cabo a rabo, desde o que aconteceu com a Mata Atlântica, onde já perdemos quase 100% da mata nativa e o bioma foi embora. Já se perdeu 60% do cerrado e 18% da Amazônia. Percebemos que esse processo é o mesmo, porém com uma grande diferença: a tecnologia possibilita hoje impactar muito mais num espaço de tempo muito menor. Se levamos 400 anos para detonar a Mata Atlântica, a floresta amazônica pode acabar em cinco décadas.   

IHU On-Line – Você acredita que seja possível conciliar a questão ambiental e o desenvolvimento sustentável dentro do governo federal? 
Mario Menezes
– Possível é. No entanto, não acho provável, pois não há disposição para isso. Tanto é que, se uma ministra com o perfil que tinha a Marina não conseguiu levar esse desafio adiante, quem levaria? O foco é aumentar a produção em todas as áreas.

IHU On-Line – Qual é a importância da agenda ambiental para o governo Lula?
Mario Menezes
– Quase nenhuma. O que Lula está buscando é um ministro que já estão chamando por aí de “carimbador”. No caso dos licenciamentos, ele pressionou muito a Marina Silva, em relação às hidrelétrica do Complexo do Rio Madeira (Santo Antônio e Jirau) e à Angra 3, por exemplo. A visão do governo é muito simplista nesse sentido. É burocrática, no máximo, tecnocrática. Até chego a pensar se o convite ao Carlos Minc não aconteceu porque ele conseguiu em 16 meses emitir mais de duas mil licenças. E o governo tem essa pressa. Então, surge toda aquela cantilena de que a área ambiental está atravancando o progresso do Brasil, de que precisamos ser mais ágeis. Mas a grande questão é: que estrutura o próprio governo oferece para a questão ambiental, para viabilizar esses licenciamentos de forma consistente e mais rápida? Ela não existe. É só olharmos para a área fiscal para termos uma boa comparação. Compare a prioridade que se dá para a área de arrecadação. Não há nenhuma preocupação em estruturar bem a estrutura pública da questão ambiental para fazer com que essa dimensão do processo de desenvolvimento de modo geral funcione bem. Vamos pegar também a área da pesquisa, por exemplo, para o desenvolvimento da biodiversidade. Nós temos três institutos de pesquisa na Amazônia, pertencentes ao Ministério de Ciência e Tecnologia: o Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, que está em Manaus),  o Museu Paraense Emílio Goeldi (que está em Belém) e o Instituto Mamirauá (pequeno, localizado no alto do Solimões). Estes três institutos juntos recebem por ano 25 milhões de reais. Como contraponto, pegamos a Embrapa, que é uma instituição ultra importante e tem seis unidades na região. O orçamento é de 120 milhões por ano, ou seja, quatro vezes maior. Isso já sinaliza bem, sendo também uma senha de que o agronegócio é o mais importante, de que a pesquisa agropecuária deve estar funcionando bem, mas não aquela voltada para o desenvolvimento da biodiversidade.       

IHU On-Line – Quais são as conseqüências dessa demissão para o agronegócio brasileiro?
Mario Menezes
– As pessoas podem até ficar meio receosas de que agora o governo levou um susto. Realmente, Lula levou um susto, não esperava por essa e terá de responder para o pessoal lá fora. A primeira ministra da Alemanha, Angela Merkel, esteve aqui no Brasil na semana passada e disse para a imprensa, na coletiva internacional, que a saída da ministra Marina é um alerta para o mundo. Depois desse susto, é possível que Lula queira mostrar algum serviço. Como ele disse, a ministra saiu, mas a política ambiental continua. Num primeiro momento, o agronegócio pode ficar esperando para ver o que vai acontecer. A leitura que o agronegócio pode estar fazendo é a seguinte: “Olha, a ministra que pressionava caiu fora. Não temos mais esse obstáculo, esse empecilho”. O governo quer abrir a área, limpar o meio de campo para deixar eles avançarem. Além dessa possível leitura, há uma série de outras medidas que Lula tem tomado. Ele assinou, no último dia 27 de março, uma medida provisória que foi aprovada na câmara, por coincidência, no dia em que a ministra pediu demissão. Essa medida prevê que toda a área, toda a propriedade de até 1.500 hectares que não esteja regularizada, possa ser regularizada sem licitação. 1.500 hectares são mais ou menos 1.600 campos de futebol. Se eu chego lá na região e invado uma área dessas, expulso gente, se sou um grileiro, posso ter essa minha área regularizada “na boa”, sem concorrer com ninguém. Não é a saída da Marina que mostra que a coisa já vinha mal. A Marina pensava da seguinte maneira: ruim comigo, pior sem mim. A questão é: que perfil deve ter um ministro para resolver uma situação dessas? Não adianta ter perfil, por melhor que seja. Melhor do que ela ninguém vai encontrar. É uma questão de decisão do governo. 

IHU On-Line - Como fica agora o debate em torno do etanol brasileiro?
Mario Menezes
– Essa é uma questão importante. O maior interessado no nosso etanol é a União Européia. Lula tem dito lá fora, o tempo todo, que quem quiser preservar a floresta precisa ajudar a bancar o custo de mantê-la, já que ela é de interesse planetário. Qual será o seu discurso agora, se ele nem sequer conseguiu manter no seu governo uma ministra amazônica e agora não tem mais nenhum ministro representando a região? Ele puxou uma pessoa que é da Mata Atlântica, que tem um perfil bom, como técnico e militante ambientalista, mas não o perfil que a ministra tinha. Qual é a leitura que um governo holandês, por exemplo, que tem interesse em importar etanol do Brasil, faz agora? Se já era preocupante antes, com a saída da ministra a preocupação é maior ainda. Isso é um alerta para o mundo; todos ficarão mais atentos. Qual é a qualidade dos produtos brasileiros? Não tratamos, aqui, apenas do etanol. Aqui, entra a produção de carne, de soja, de algodão etc. O mundo irá redobrar a atenção sobre nossos produtos. As conseqüências serão muito fortes. O elenco das exigências e restrições à importação dos produtos brasileiros com certeza irá crescer.

IHU On-Line - Por que foi tão difícil compreender e aceitar as idéias de Marina Silva e como o senhor avalia a forma como ela conduziu o ministério até então?
Mario Menezes
– Aqui, a discussão também tem duas vertentes. Uma é o olhar das pessoas de fora. A Marina foi uma espécie de “selo verde” no governo Lula, transmitido para o resto do mundo. E o governo se aproveitou tanto disso, a ponto de perder a ministra. Quando ele saía em suas viagens, nos grandes eventos internacionais, sobre mudanças climáticas, a Marina era o grande “machão” da história. Ela representava o país e era confiável, pois tinha, inclusive, carisma. Agora, se sinaliza para fora que o Brasil está disposto a trocar a floresta por commodities. A outra vertente é para dentro, e aqui aparecem algumas contradições na gestão da Marina. Na medida em que ela se deixou vencer em vários atos do governo, como eu já mencionei, ela possibilitou o governo avançar sem deixar de mostrar essa cara “verde” para fora. A Marina sempre foi muito fiel ao Lula e, do ponto de vista partidário, muito disciplinada. Esse apoio interno acabou sendo negativo. Quando foi para o ministério, Marina Silva levou consigo, mesmo sem querer, toda a capacidade de mobilização que os movimentos sociais têm. Em outros governos, como no FHC, por exemplo, a pressão dos movimentos sociais era tão grande que movimentava algumas coisas de forma interessante. Marina acabou neutralizando essas pressões internas dos movimentos sociais, que tinham muito pudor em criticá-la. Isso, de alguma forma, ajudou a política do governo Lula. Ele avançou tanto que deu no que deu. Com essa mudança, há a expectativa de que os movimentos sociais se mobilizem mais.    

IHU On-Line - O que podemos esperar para o ministério do meio ambiente a partir de agora, com Carlos Minc?
Mario Menezes
– Carlos Minc não tem o peso significativo para dizer o que irá acontecer de agora em diante. O que irá acontecer depende muito da disposição do governo, de como ele continuará orientando o processo de desenvolvimento do país. E o que ele tem mostrado até agora e a tendência que vemos pela frente é de que isso não muda, independente do ministro.

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