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André Dick
O poeta, ensaísta e tradutor Marco Lucchesi nasceu no Rio de Janeiro (RJ), em 1963. É professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Colégio do Brasil. Formado em História, pela UFF, tem doutorado em Ciência da Literatura, pela UFRJ, e pós-doutorado em Filosofia da Renascença na Universidade de Colônia, Alemanha. Publicou, entre outros livros, Bizâncio (Rio de Janeiro: Record, 1997), Os olhos do deserto (Rio de Janeiro: Record, 2000), Poemas reunidos (Rio de Janeiro: Record, 2000), Sphera (Rio de Janeiro: Record, 2003), Meridiano celeste & bestiário (Rio de Janeiro: Record, 2006) e A memória de Ulisses (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006). Além disso, colabora com jornais como O Estado de S. Paulo, O Globo, Jornal do Brasil e Folha de S. Paulo.
Os poemas de Lucchesi se concentram, em parte, na estética do sublime, ou seja, embora ele apresente poemas sintéticos, o discurso busca se alçar a um divino, mesmo que este seja, às vezes, puramente lingüístico. Alguns de seus poemas lidam com essa procura, como “Bet”: “Somente / em Deus / / repousam / muitos rostos / / como se fora / a rosa / de uma rosa / / a se esconder / na rosa / de um rosa / / e assim ad infinitum / / que o nada / / só tem rosto / / de escamas e de espinhos”. Nele, podemos perceber a busca pela unidade divina e a reinterpretação lingüística de um fragmento poético de Gertrude Stein (“Uma rosa é uma rosa é uma rosa”). No poema “Ghimel”, escreve: “a dor / que aflige / a Deus / / (o rosto / dessa dor / embrionária) / / e assim / já não conheces / mais limites / / que o Todo / é apenas parte / / de nova contraparte / / saudoso / de outro mal...”. Já em “A superfície do não”, encadeia uma sucessão de imagens apocalípticas: “corre pelos céus / vales e montanhas / a vasculhar ruínas de horizontes / nas tardes abrasadas onde queimam / arroios e correntes que não seguem / para o mar / / anjos ardem num céu em chamas / à procura de um semblante / com suas formas / de incêndio obstinadas / a sondar o curso do rio das estrelas / e os rumos ignorados da galáxia” – procurando, sempre, uma espécie de contato com o transcendente, a partir da idéia originária de infância, como vemos em Giorgio Agamben. Com isso, há um equilíbrio entre conhecimento literário – evidente na estrutura dos poemas – com uma espécie de misticismo, trabalhado com apuro verbal, trazendo não apenas a fragmentação de versos e palavras, mas a experimentação, com uma busca pela religiosidade, como no poema “A glória dos mortais”: “Cristo / nossa / páscoa / / foi / imolado / / e / res- / surgiu / para a flória / / de Israel / e das nações / / oh Fenix / do Tempo / / Cristo / nossa páscoa / / foi imolado /e res- / surgiu / das / cinzas / / ao Sol / de meio-dia / / a fronte / clara / / os olhos / mádidos / de horizonte / / foi / / imolado / e / res- / surgiu / / das / cinzas / / para a / glória / / dos / mortais”. Em ”A sós, em seu tormento”, Lucchesi segue no mesmo caminho: ”Pouco / abaixo / do sono / de Deus / / cai a pele / das horas / / e a tarde / ensolarada / / livre / de papoulas”.
Desse modo, também há uma procura pelo Outro, num poema como “Reparação do abismo”: “No dorso / luminoso / da manhã / / procuro / / o espólio do teu canto / / e os nomes / alusivos / do segredo...”, o que aproxima a poesia de Lucchesi à do poeta Rûmî, de quem traduziu poemas, em parceria com Faustino Teixeira, num livro intitulado O canto da unidade: em torno da poética de Rûmî (Rio de Janeiro: Fissus, 2007). Ambos concederam a entrevista “Rûmî: um dos místicos mais abertos à cortesia e hospitalidade inter-religiosas” para a IHU On-Line número 242. Lucchesi, além disso, concedeu a entrevista “Rûmî se utiliza do poder soberbo das metáforas”, na revista IHU On-Line número 222.
Utilizando essa visão religiosa, o poeta trabalha, igualmente, uma certa mitologia, em “Rosa” (“que o manto / que te adorna / não te engane: / / além / das águas frias / do horizonte / / flutua / o lenho triste / de Caronte”), aproximando-a do imaginário grego, como neste fragmento de “De rerum natura”: “Alheios ao destino / dos mortais / / além das nuvens / claras e sombrias / / vivem os deuses / raros nas alturas...”. Ou em “A contra-flor”, no qual lembra da “alma Vênus” e de uma “contra-flor / no jardim / das Hespérides”.
Por sua vez, em “Cantiga de amor”, Lucchesi retrata um encontro amoroso (com fundo transcendental): “Acima de nós / tudo é silêncio / / erram planetas / insones / / abismos / devoram estrelas / / lagos / de hidrogênio / se resfriam / / supernovas / cantam / como cisnes / / e o silêncio / revela / outro silêncio... // olha para o céu / amada / / olha / e não diz nada”.
Lucchesi enviou, especialmente à IHU On-Line, um poema inédito, sem título, no qual busca uma autodefinição poética, por vezes bem-humorada e com fundo religioso.
Marco lucchesi
é o nome
de uma nuvem
árdua pluriforme
ligeira
e imperscrutável
que se desmancha
na medida
em que se mostra
tão maleável
como
um serafim
tão
orgulhoso
como um paquiderme
um poço
estranho
mudo
e longilíneo
o medo para
fora e o grito
para dentro
marco lucchesi
nuvem
paquiderme
fera abismo
sem fundo
anjo da terra
monstro de
cega e cabal
contradição