Edição 257 | 05 Mai 2008

Anna Carolina Regner

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Bruna Quadros e Graziela Wolfart

Coragem, força, dedicação e determinação. Estas palavras podem expressar a personalidade de Anna Carolina Regner, professora no PPG em Filosofia da Unisinos. Aos 19 anos, ela conheceu pela primeira vez o sentido da maternidade. Nem por isso desistiu dos seus objetivos. Mãe de três filhos, Anna Carolina passou um período na Califórnia para cursar o doutorado. Mesmo assim, soube dar muito carinho e amor aos filhos e se dedicar aos estudos. Estudiosa da Teoria de Darwin, ela afirma que não vê nada de muito especial nos seres humanos. “Vejo o ser humano como os outros seres vivos.” Em entrevista à revista IHU On-Line, Anna Carolina contou aspectos marcantes de sua trajetória de vida, todos eles relembrados com orgulho, por ter ultrapassado todas as pedras que surgiram em seu caminho. Confira a entrevista:

Origens – Nasci em Porto Alegre. O meu pai, Joaquim de Araújo Pereira Netto, era professor universitário e engenheiro agrônomo. Foi uma pessoa muito idealista. Na época, idealizou e construiu canais de irrigação para plantio de arroz que, então, eram os maiores da América Latina, pelo menos em termos de iniciativa privada, que foram constituídos como parcerias agrícolas entre parceiros plantadores e irrigadores. Minha mãe, Yedda, foi professora de História durante muitos anos no Instituto de Educação de Porto Alegre, onde se aposentou. Tenho apenas um irmão, mais novo que eu, Alfredo Oscar.

Casamento - Casei muito cedo. No dia 25 de abril, fez 44 anos que eu e meu marido, Lúcio Ignácio Regner, nos conhecemos. Foi no Clube Jangadeiros, em Porto Alegre. Desde então, estamos juntos. Ele é engenheiro e se aposentou como professor do Instituto de Matemática da UFRGS. Nos conhecemos e, logo em seguida, resolvemos casar. Fiz o estágio da escola normal já casada.

Maternidade - Toda a minha formação pré-universitária foi no Instituto de Educação, em Porto Alegre. Aos 19 anos, tive uma filha, a Luciana, que hoje é médica psiquiatra. Quando ela foi para o jardim de infância, eu ingressei na universidade, no curso de Filosofia da UFRGS. Depois, tive a Andréia, que também é médica e fez o doutorado em Bioquímica, aplicado em Medicina. Meu filho mais novo chama-se Lúcio, é publicitário e mora em São Paulo. Sempre fiquei sabendo das minhas gravidezes lá adiante. Eu soube da vinda da Luciana  quando já estava grávida de quatro meses. A diferença entre ela e a Andréia, de quem eu soube que estava grávida no quinto mês de gestação, é de 5 anos. A diferença entre o mais novo e a mais velha é de 12 anos. Soube da última gravidez já aos sete meses de gestação, logo depois de ter sido aceita para um programa de doutorado na Universidade da Califórnia. Eu quis desistir, mas meu marido me incentivou. Ele ia conseguir uma bolsa de estudos também, mas não pôde deixar os compromissos aqui.

Vivência no exterior - Fui com o meu filho e uma moça para ajudar a cuidá-lo. No final do ano, meu marido levou as duas filhas. Foi um tempo muito difícil, porque ele precisava se deslocar muito. Num período de três anos e meio foram onze viagens. As filhas, que já eram grandinhas, sentiam muita falta do pai. Mas eu não ficaria lá sem meus filhos. Senti um problema de identidade, porque não estava lá nem cá, e estava impedindo meus filhos de estarem na companhia do pai. Mas o saldo foi interessante. Eu tive o privilégio de estudar com uma pessoa a quem eu aprendi a respeitar muito, Paul Feyerabend, autor do livro Contra o método. Para meus filhos, foi um aprendizado muito grande, de cultura e de vida. 

Formação e experiências - Por força das circunstâncias, fui amadurecendo mais rápido. Enquanto as minhas amigas ainda estavam no embalo dos Rolling Stones, eu já estava com uma filha no colo. Quando a minha segunda filha nasceu, eu ainda estava na graduação, terminando o curso. Para ler uma edição da Crítica da razão pura, de Kant, eu a colocava no colo, e lhe dava uma canetinha, para que ficasse desenhando no texto. Aprendi a me concentrar em uma grande zoeira. Graduei-me na UFRGS, e logo em seguida fiz o mestrado em Filosofia, na PUCRS. Trabalhava com a professora Rejane Carrion, que me influenciou muito. Acho que devo muito a ela como meu modelo didático. Fiz concurso e ingressei na UFRGS. Depois, fui para os estudos de doutorado, nos Estados Unidos. Lá, fiz todos os créditos. Terminados os créditos, voltei para o Brasil, e a Unicamp os reconheceu, o que me facilitou, porque fiquei só com a tese. Só que acabei trabalhando muito sozinha na tese e fazendo várias coisas ao mesmo tempo. Por isso, levei muito tempo para concluí-la. O tema da tese, aspectos epistemológicos e metafísicos da Teoria Darwiniana, continua me dando frutos até hoje. Fiz uma defesa direta de tese no PPG em Educação na UFRGS. Ali, concluí o meu doutorado. Depois disso, lecionei nos EUA, durante quase dois anos, de 1994 a 1996, no Saint Mary’s College of Califórnia, com uma bolsa Scholar-in-Residence, da Fulbright. Em 2001, fui fazer pós-doutorado como visiting-professor no Program in History and Philosophy of Science, da Stanford University. Lá, eu estava sozinha e infartei. Tive que interromper o meu trabalho. Meu marido foi me buscar e, assim que cheguei ao Brasil, fui direto do aeroporto para o Instituto de Cardiologia. Fiz quatro pontes de vascularização. Em 2002, eu me aposentei na UFRGS e ingressei aqui na Unisinos.
 
Família – A família para mim sempre foi fundamental. Felizmente, pude compatilibizar o atendimento aos meus filhos e a minha atividade profissional, cujo grande incentivador foi o meu marido, que procurou facilitar, auxiliar e dar condições para isso. Os filhos procuramos ensinar nem tanto com palavras, mas com exemplos. Todos eles tiveram sempre um grande gosto pelo estudo. Sempre fizeram o melhor que podiam fazer, até com exagerado perfeccionismo. Buscamos passar-lhes o princípio de procurar construir suas vidas sempre tendo atenção e respeito para com os outros. Isso significa ter a visão de que não estamos sozinhos, de que somos uma parte vinculada ao todo e de que temos compromissos com os outros e com o mundo. De nossa parte, nós, pais, procuramos favorecer-lhes naquilo que eles quiserem estudar e realizar, dando um sentido para suas vidas.

Livros – Um autor de referência é Charles Darwin. Inclusive, estou preparando um livro sobre as suas controvérsias filosóficas. Um livro importante, que me incitou, filosoficamente falando, foi Contra o método. Na literatura, sou viciada em Machado de Assis.

Lazer – Me considero uma pessoa privilegiada, porque o meu hobby é o meu trabalho. O meu trabalho me dá a satisfação e o prazer de um hobby. Também gosto de usar as mãos. Fazia bordados no enxoval de minhas filhas. Pelo menos uma vez por mês, gosto de cuidar do jardim. Aprendi com a minha filha mais velha. Antes, eu não dava muita atenção para o jardim e hoje sou fascinada por plantas. Aliás, algo que cresceu em mim com a idade foi a fruição das paisagens.

Animais de estimação – Eu e meu marido moramos em Porto Alegre e temos três cães de estimação: dois labradores e um border collie não muito puro. O convívio é maravilhoso, e a gente aprende muito com eles. Os cachorros são muito próximos a nós. Dormem em seus pequenos colchões em nosso quarto.

Política brasileira – O sistema partidário precisa ser revisto, mas ainda assim acredito que estamos em um dos momentos mais favoráveis da política nacional. Há corrupção, mas ela por fim veio às claras. E é só desta forma que aprendemos a criar os mecanismos para controlar tudo isso. Sou a favor do governo do presidente Lula.

– Fui educada na Igreja Católica e, de um modo geral, continuo me encontrando bem nesta religião. Mas me reservo o direito de ter as minhas interpretações para poder fazer com que a minha religiosidade seja, de fato, uma parte minha e não simplesmente alguma coisa a que eu obedeço.

Unisinos – Me sinto muito feliz na Unisinos. Desde o início, fui muito bem recebida e tenho um excelente ambiente de trabalho. Já formei grandes amigos através da Unisinos, que representa uma possibilidade muito importante no panorama educacional, em uma perspectiva de excelência de formação humana e profissional. Há problemas, mas isso há em todas as instituições. Vejo também que ela oferece possibilidades de correções e melhoramentos.

Instituto Humanitas Unisinos – Meus contatos com o IHU não são muito freqüentes, mas sou muito bem tratada aqui. Em relação ao Simpósio sobre nanotecnologias que será realizado, estou acompanhando o evento todo mais de perto, mas nele tenho uma participação muito modesta. O que eu acho muito importante no IHU é a idéia de uma teologia laica, de uma teologia vivida nas diferentes esferas da nossa práxis. 

Ser humano - Não vejo nada de muito especial nos seres humanos. São como os outros seres vivos. Para mim, o ser humano não é intrinsecamente bom ou mau. Há algumas coisas que aparecem e a mídia explora muito, o que nos choca bastante. Mas não sabemos se é o pior, porque também não conhecemos qual é o padrão incondicionado de melhor. Acredito que o ser humano possa ser muito construtivo e tolerante com os outros. O futuro da humanidade é uma incógnita. Seremos aquilo que fizermos de nós mesmos.

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