Edição 257 | 12 Mai 2008

Filme da semana: A família Savage

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André Dick

O filme comentado nessa edição foi visto por algum/a colega do IHU.

À procura do compromisso

O cinema norte-americano, apesar da crise de idéias que vem enfrentando, continua a proporcionar bons momentos. Os principais indicados ao Oscar deste ano, Onde os fracos não têm vez e Sangue negro, por exemplo, são ótimos filmes. Na linha dos irmãos Coen  e de Sofia Coppola,  há uma vertente cinematográfica que procura trabalhar com um roteiro menos comercial e um elenco meio underground, mas de muito talento. É o que vemos em A família Savage, um dos melhores filmes, até agora, deste ano. Dirigido por Tamara Jenkins,  cineasta de breve currículo, ele foi comparado, pelo caráter meio independente, à comédia juvenil Juno. Mas, se Juno era um filme com viés meio adolescente, apesar de adentrar nas questões do “mundo adulto”, A família Savage trata propriamente da crise da meia-idade e a possibilidade de entender como importante a relação com o outro, o compromisso (embora Juno trate desse aspecto em outro plano).
Infelizmente, alguns viram o filme como uma comédia – e a produtora até tentou trabalhar com essa idéia para atrair mais público. No entanto, se trata de um drama, digamos, agridoce, de caráter raro, pois basicamente envolve quatro personagens: um casal de irmãos, seu pai e o amante da personagem principal. Em certos aspectos, o filme lembra o humor característico de Wes Anderson,  autor de filmes como Os excêntricos Tenembaums, com sua mescla entre o realismo e o surrealismo de certas situações que acaba conduzindo a trama a um espaço no qual os personagens parecem surpresos mesmo com suas próprias atitudes. Nessa rede de inter-relações, existe algo que sempre fica oculto, mas o espectador, por meio de detalhes, às vezes imperceptíveis, vai elaborando a composição dos personagens principais. Isso acontece sobretudo porque a diretora faz questão de nunca completar algumas cenas-chave, ou seja, ele oculta certos movimentos para que a trama fique em suspenso, e o espectador tire suas próprias conclusões (não por acaso, o filme foi indicado ao Oscar de roteiro original).

Wendy (Laura Linney) e Jon (Phillip Seymour Hoffman) são os irmãos que precisam – depois de muito tempo afastados; ela mora em Nova York e ele, em Buffalo – se unir para cuidar de Lenny (Phillip Bosco), o pai doente, que recém ficou viúvo, ao perder sua companheira. O pai está sofrendo de problemas psicológicos, e sua distância em relação aos filhos é visível já no primeiro encontro, no hospital, quando acha que o filho, professor de Teatro, por ser doutor, precisaria necessariamente ser um médico para tirá-lo dali. A cena é muito bem dirigida por Jenkins, pois se percebe a distância entre o pai e os filhos, reforçada na cena representativa do avião. Sem poderem cuidar do pai, acabam colocando-o numa espécie de clínica de repouso. No entanto, a culpa pesa sobre ambos, porque eles têm a sensação de – como em suas vidas – não consegue nenhum vínculo duradouro, o que acaba fortalecido pela distância que o pai suscita. O filho, por exemplo, não tem coragem de casar com a namorada polonesa e aceita a separação porque o green card venceu (a cena em que sua irmã tenta conversar com ele sobre isso, na saída do aeroporto, mostra o afastamento de ambos). Não há recordações dos irmãos em relação à infância – o filme não tende, por exemplo, para uma sucessão de lembranças, tentando reproduzir o momento em que os conflitos com a figura paterna surgiram, o motivo que ocasionou o afastamento, ou por que a mãe é uma figura distante, que não participa da situação enfocada.

A questão que suscita A família Savage é realmente a do compromisso e de tentativa, na meia-idade, de ainda se alcançar o sucesso. O casal de irmãos, envolvido com teatro, não conseguem alavancar seus projetos, e a figura do pai a ser cuidado acrescenta um peso a esse fracasso profissional. A personagem Wendy, ao mesmo tempo, não consegue se desvencilhar do amante, também envolvido com o mundo do teatro. Os personagens, no entanto, não são falsamente encenados por Jenkins, possuindo um realismo especial. E o conflito que vivem, ao mesmo tempo relacionado à velhice do pai, implica uma reavaliação do que realizaram, em sua vida, até o estágio atual de suas vidas. Como precisavam dividir o mesmo teto por um tempo, os irmãos se vêem obrigados a dialogar, mesmo que para isso precisem regressar, às vezes, a um comportamento infantil.

Daí A família Savage também tratar do prenúncio da velhice. Os personagens do filme, tanto em sua profissão quanto em sua rede de relações, sentem-se cansados e a tentativa, a partir de determinado momento, em proporcionar uma melhor velhice ao pai (pelo menos, aquela baseada na idéia da tranqüilidade, sem dor nem preocupações, depois de uma vida conturbada), é a mesma de se erguerem, suficientemente fortes, dos seus conflitos pessoais. A incapacidade que os personagens têm de estabelecerem vínculos acaba retornando para a própria situação que vivenciam, ou seja, eles se sentem perdidos e afastados do mundo como o próprio pai. É, com isso, bastante significativa a cena em que Wendy está dando aulas na faculdade. Fascinado por Brecht,  ele ouve de uma aluna a pergunta de qual seria a diferença entre trama e narrativa. Diante do sentido existencial, no entanto, não há resposta – e os personagens, fascinados pelo teatro, não conseguem conduzir suas vidas numa trama que poderia ser considerada linear. Com isso, o filme nada tem de previsível, e possíveis acertos entre os personagens são, não raras vezes, descartados pela diretora.

Mesmo o tempo, em A família Savage, é simbólico, como, aliás, em O sol de cada manhã. Neste, Nicolas Cage interpretava um homem do tempo da televisão, às voltas com conflitos familiares e com a tentativa de compreender, também, a figura do pai (vivido por Michael Caine). No filme de Tamara Jenkins, o pai dos Savage, no início do filme, mora numa casa que parece numa colônia de férias, em Sun City, no Arizona. Em seguida, quando é buscado pelos filhos, acaba indo para Buffalo, onde neva e chove constantemente. Esta mudança de cenário e temperatura parece revelar os próprios conflitos dos personagens.
 Em relação ao elenco, os nomes principais, Linney e Seymour Hoffman, são certamente os melhores de sua geração. Indicada ao Oscar de atriz pelo papel, Linney é uma atriz completa, e Seymour Hoffmann, que recebeu o Oscar por Capote (em que está muito bem, embora interprete um personagem bastante monótono e monocórdio), mesmo merecendo mais o prêmio por este, é excelente. Sua interpretação, baseada em poucos gestos (ao contrário, por exemplo, da que emprega em Missão: impossível III, no qual faz o papel de vilão), natural sem perder a carga dramática, é talvez a sustentação principal de A família Savage, embora Linney, com sua obsessão por remédios, consiga dar o equilíbrio necessário a muitas cenas. O fato é que o casal tem uma ligação muito boa, e sua apatia (que se transforma em empatia), diante da situação do pai, muitas vezes comove o espectador. O ator Phillip Bosco, que interpreta o pai, também está muito bem, num personagem com poucas falas, fechado e teimoso. Seus momentos de exaltação se contrapõem à aparente apatia dos filhos, criando um atrito bem conduzido ao longo de todo o filme. 

É justamente por meio da história do elenco que a rede de relações construída pela diretora de A família Savage não é apenas muito bem estabelecida, mas capaz de conduzir o espectador ao vínculo efetivo com seus personagens. Ela, com isso, acaba revelando um talento de outra cineasta, a já mencionada Sofia Coppola, que possui um domínio especial sobre uma trama que poderia ser considerada comum e rotineira. Não há nada de especialmente incomum no filme de Tamara Jenkins. Mas é exatamente nesse ponto que o filme tanto se destaca, em meio a produções que se pretendem grandiosas e transformadoras do cinema. O interessante, por meio desse filme, é notar que a vida “comum” ainda rende boas histórias e faz o espectador pensar.

Ficha técnica

Título original: The Savages
Gênero: Comédia
Tempo de duração: 113 minutos
Ano de lançamento (EUA): 2007
Direção: Tamara Jenkins
Elenco: Laura Linney, Philip Seymour Hoffman,
Philip Bosco, Peter Friedman
Sinopse: Wendy (Laura Linney) e Jon Savage (Philip Seymour Hoffman)
precisam cuidar do pai doente, com quem quase não têm relacionamento,
o que transforma suas vidas.  

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