Edição 257 | 12 Mai 2008

Paulo Ferraz

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André Dick

Editoria de Poesia

Nascido em Rondonópolis (MT), em 1974, Paulo Ferraz é um dos principais poetas jovens da cena brasileira contemporânea. Bacharel em Direito e mestre em Teoria Literária, pela Universidade de São Paulo (USP), sua estréia aconteceu com Constatação do óbvio (São Paulo: Sebastião Grifo, 1999), lançado juntamente com outros dois livros, Dois pontos, de Matias Mariani, e Ver só, de Pedro Vieira Abramovay. Em 2007, lançou, ao mesmo tempo, duas novas obras, também pelo selo independente Sebastião Grifo (pelo qual publicou, ao lado de Mariani e Abramovay a revista de poesia Sebastião), intituladas Evidências pedestres e De novo nada, este trazendo um poema longo. Apresentando um verso múltiplo – com variações de tamanho e de métrica -, esse poeta adota, na maior parte de seus poemas, o caminho de observação da cidade, com o seu urbanismo e a solidão dos indivíduos. Uma de suas características é o trabalho com a sintaxe. Já em Constatação do óbvio, num poema como “A poética vista num armário”, ele registrava essa procura pelo trabalho com a linguagem fluida: “Se me entrego às curvas / e drapeados, deixo / me envolver na trama e ali me / / posto. Logo noto o / dom que o fez, paciente e certo, / por metragens que eu, que / / nada sei de seus motivos, constato em qual corpo // cairia – de pronto me espanto, / pois se forma dentro / de mim – mesmo sendo roupa – a / sensação do toque”.

Com essa visão do feminino, Ferraz parece empregar mais um romantismo flâneur, misturando o conflito entre o corpo guardado, mesmo pela sensação de toque, e o agito moderno. Em “Num ônibus indo para”, por exemplo, visualiza o acúmulo de pessoas nos grandes centros: “Umas sobre as outras / as carnes assomam, / no aleatório que há de / corpos se tocarem: / a omoplata encontra, / após a cabotagem, / o porto de um tórax, / se ancora; agora / este suporta a investida / da escrita das unhas / silente”. Em “No black-out”, o poeta se mantém afastado do corpo, procurando uma espécie de abstração capaz, ao mesmo tempo, de tocar realmente o mundo: “Deve-se confiar no tato, / quando se é só um pensamento / que se arrasta por um mundo / sem espaço mensurável / pelos olhos, infinito / se parado, limitado / se em movimento”. Seus poemas, em igual proporção, na pressa do dia-a-dia, não raramente procuram o encontro com a pessoa amada.

No entanto, as ruas, sem dúvida, são o canal de comunicação do poeta com o mundo ou com o que resta de sonho de uma cidade urbana, com a presença quase nula da natureza. Num poema de Constatação do óbvio, assinala: “Se em meio à paisagem / concreta, tivesse / sido inoculada a / pálida cor de outra / pétala, o amarelo primário das pranchas / de escola, o comum se / sublimaria em próprio”. Em meio à concretude, no entanto, existe uma espécie de alívio, como em “Inocente útil” (de Evidências pedestres): “Com minha orelha encostada / no caule, tento auscultar o / rio de seiva e, bem no fundo, a / vida: / silêncio. / Mas ela, / sei, cresce alheia a mim. / / Deito / no asfalto e repito o proce- / dimento – quase que fico / surdo. Faço-a crescer, posto / que a mim também seja alheia”. Esta seiva crescendo no asfalto lembra a rosa que brota do concreto no poema drummondiano, e a desilusão de Ferraz frente à cidade, mesmo, por vezes, com bom humor, não tem nada daquela melancolia alegre de Mário de Andrade em tempos idos – de Paulicéia desvairada –, com seus ímpetos futuristas. Em Ferraz, existe apenas a desilusão, como se fosse um estrangeiro não só por não ter nascido em São Paulo, mas por não se encaixar à sua multidão. Em “Subversão”, vê as pessoas que, depois do almoço, vão para a praça; em “É ou não”, um cego na esquina. Mas o poeta, aqui, apenas focaliza indivíduos nessa solidão: ele não tem como salvá-los, nem através do verso, ou seja, ele é ainda mais afetado pela solidão e sua poesia não possui pretensões sociais, o que aumenta a contundência de seus versos.

Ferraz enviou, especialmente à IHU On-Line, três poemas de sua produção ainda inédita.

 

 

JEUNE FILLE AVEC DES CERISES AUX MAINS

SILÊNCIO
À mesa
do Café
Hemingway&Picasso                               [o mundo,
tamborilava                                     um pouco além]
a capa de
sua caderneta:

piano pianíssimo                                           [a caneta
                                 ESMALTADO              jazia
                                                               adjacente]
A melodia
via-se(ou-)
nas unhas                                                     [platéia
arranhando                                                  de boca
o ar                                                             e olhos]

as palavras da canção sorriam olhando das retinas DE CEREJAS

 

 

 

ALBA

Não a resistência
do vento, mas sim a
densidade da água
que envolve, que agarra o
corpo, inoculando o
veneno da espera a-

té transformar pele em
pensamento, menos,
em vozes ouvidas,
outras jamais ditas;
o que se vê tem do
sonho quase nada, a-

penas o desejo
de tê-la outra vez à
distância dos dedos,
ela estaria próxi-
ma, não fosse a grita
do mundo e do corpo,

não fosse esse oriente,
não fosse essa músi-
ca que vem das árvo-
res, não fosse ouvir do
colchão, do lençol, do
travesseiro: volta ao

real, ao invés do leito
te reclama a lida.


SOBRE A SOMBRA

É como digo, das coisas
a sombra guarda bem mais que a
memória, pois, cria da reali-
dade, traz os genes que lhe
dão a forma da matriz (ao
pai não puxou quase nada,
se nem que ele lhe confere o
talhe, interferindo sempre
no seu desenvolvimento),
dizem que é prima distante
da água, embora de cores
distintas, isso porque ambas
se ajustam às superfícies,
correm líquidas por outros
corpos, todavia, enquanto a
clara opta quedar-se em planos
lançar-se em quedas, a escura
tem o orgulho de ficar de
pé (antes que o poema termine,
peço que deite teus olhos
sobre a minha sombra que te
cobre e te envolve, tatuagem
móvel que gravo em ti, anteci-
pando o tato, o toque - nunca
desligue teu abajur).

 

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