Edição 255 | 22 Abril 2008

“A mulher mais pobre é a que mais denuncia a violência”

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Graziela Wolfart

Para Yara Stockmanns, por mais que a igualdade constitucional seja uma realidade jurídica, a discriminação de gênero continua presente no cotidiano feminino

Yara Regina Stockmanns é coordenadora do Centro Jacobina de Atendimento e Apoio à Mulher da Prefeitura Municipal de São Leopoldo. Artista plástica, ela também atua como promotora legal popular e faz parte do Comitê Regional de Educação em Direitos Humanos do Vale do Sinos. Na entrevista que concedeu por e-mail à IHU On-Line, ela fala sobre o trabalho do Centro Jacobina e sobre a situação da violência contra a mulher em São Leopoldo e região. Yara constata que, “para muitas mulheres que decidem romper o ciclo da violência, o caminho é difícil, por isso muitas vezes se sentem sozinhas e impotentes”. 

IHU On-Line - São Leopoldo é uma das cidades mais violentas do Rio Grande do Sul. Como isso aparece aplicado à violência contra a mulher?
Yara Stockmanns
- Os índices de violência contra a mulher no município são uma questão de saúde pública, além de uma violação dos direitos humanos. A violência contra a mulher aparece nos números de atendimentos realizados no Centro Jacobina. No apoio à mulher, desde sua inauguração, em 19 de outubro de 2006, até hoje, o Centro realizou 628 novos atendimentos. A Prefeitura Municipal de São Leopoldo vem construindo políticas públicas que objetivem a melhora das condições de vida das mulheres, sendo estas extremamente necessárias para o fim da violência contra a mulher.

IHU On-Line – Qual é o tipo de violência mais comum e qual o perfil da mulher agredida?
Yara Stockmanns
- As mulheres sofrem todos os tipos de violência, mas a mais comum é a violência física associada com a psicológica, seguida pela ameaça. Para muitas mulheres que decidem romper o ciclo da violência o caminho é difícil, por isso muitas vezes se sentem sozinhas e impotentes. O perfil da mulher vítima de violência aparece em todas as classes sociais e todas as faixas etárias. Entretanto, a mulher mais pobre é a que mais denuncia.

IHU On-Line - Qual é a sua opinião, de forma geral, sobre a importância da Lei Maria da Penha?
Yara Stockmanns
- Sancionada em 07 de agosto de 2006, a Lei nº 11.340/06, Lei Maria da Penha, cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra as mulheres. Como uma legislação específica que trata das mulheres em situação de violência, a Lei Maria da Penha é uma ação afirmativa e sua finalidade é acelerar o processo de igualdade entre mulheres e homens, o que se dá a partir do reconhecimento das desigualdades historicamente construídas em nossa sociedade. Essa Lei estabelece uma nova perspectiva para as mulheres brasileiras no enfrentamento da violência doméstica e familiar, especialmente ao reconhecer que todas elas, independentemente de suas muitas especificidades e diversidades, gozam de direitos fundamentais inerentes à pessoa humana. Vem para tornar “visível” o que era “invisível” para a sociedade, que é a violência doméstica e familiar.

IHU On-Line - Como tem sido a aplicação da Lei Maria da Penha em São Leopoldo? Quais são os casos que são importantes destacar?
Yara Stockmanns
– Em relação à aplicação da Lei Maria da Penha em São Leopoldo, percebe-se que resta muito a ser feito para que se possa passar do discurso legal à prática social, e não somente no que se refere às reformas na legislação, mas no que diz respeito à própria mudança de mentalidade de homens e mulheres. Por mais que a igualdade constitucional seja uma realidade jurídica, a discriminação de gênero continua presente no cotidiano feminino. É preciso que todos aqueles que têm compromisso com a superação da violência contra a mulher exerçam os papéis de fiscalizadores de nossas instituições e garantidores de sua aplicação.

IHU On-Line - Como é o trabalho de acolhimento e apoio às mulheres agredidas? Em que estado psicológico elas costumam chegar ao Centro Jacobina?
Yara Stockmanns
- O Centro Jacobina realiza suas intervenções a partir de uma visão integral de atendimento, visando à ruptura da situação de violência e a construção de ações de cidadania. A abordagem no enfrentamento à violência contra a mulher propõe um acolhimento humanizado, construído essencialmente através de uma escuta qualificada, objetivando criar um canal de diálogo com a mulher para informá-la e preveni-la sobre seus direitos por meio de políticas públicas. A mulher vítima de violência doméstica tem seu tempo para romper o silêncio e normalmente quando busca ajuda se encontra sob forte pressão emocional, fragilizada, muitas vezes sofre depressão profunda, experimenta abalos definitivos na sua auto-estima e desenvolve um sentimento de desesperança em relação às possibilidades de conseguir escapar do seu agressor.

IHU On-Line - Como as famílias das mulheres vítimas de violência reagem? Em que sentido a violência contra a mulher abala a estrutura familiar?
Yara Stockmanns
- Muitos preconceitos ainda permeiam a violência contra a mulher, tornando mais difícil que as mulheres se reconheçam vítimas desses crimes e os denunciem. Muitas delas sofrem pressões familiares, religiosas e sociais para manter o relacionamento e se sentem responsáveis pela preservação da unidade familiar e outras contam com o apoio familiar ou a rede de relacionamentos, como amigos e pessoas próximas a ela. A violência contra a mulher muitas vezes deixa marcas visíveis no corpo. Em outras situações, as marcas são subjetivas, sendo possível identificá-las em relação não somente à vítima, mas sobre seus filhos, sobre todo o núcleo familiar, promovendo sofrimentos e desajustes psicológicos, além de perpetuar comportamentos agressivos. Portanto, prevenir, punir e erradicar a violência doméstica e familiar contra a mulher é um compromisso para toda a sociedade.

IHU On-Line - Como você descreve a relação das mulheres agredidas umas com as outras? A relação é de solidariedade? Como se dá esse contato dentro do Centro Jacobina?
Yara Stockmanns
- A violência contra a mulher é um fenômeno complexo e muito mais freqüente do que se imagina. A mulher que é vítima de violência quando em contato com outra mulher vítima sente que não está sozinha na busca de ajuda especializada e normalmente são solidárias, pois se colocam no lugar da outra. No Centro Jacobina, são realizados encontros com grupos de mulheres capazes de se reconhecer em sua singularidade e que estão exercendo uma ação interativa com objetivos compartilhados de reflexão. Promove, assim, o empoderamento da mulher, bem como a troca de experiências e informações que garantam a transformação de seus horizontes.

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