Edição 254 | 14 Abril 2008

Sônia Almeida

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Bruna Quadros

Se, para algumas pessoas, “um é bom e dois é demais”, para a professora Sônia Almeida este dito não se aplica. Ela convive, desde os seis meses de idade, com duas mães: a biológica e a adotiva. Seu pai adotivo, militar e professor, teve um papel definitivo na sua vida. Foi ele quem fez nascer em Sônia o gosto pela leitura. Além de orgulho, ela tem pela família um grande apego e não esconde o maior aprendizado que teve dos pais: “Acima de tudo, respeito pelos outros para, assim, ser respeitada”. Em 54 anos de vida, Sônia já soma 19 de dedicação à Unisinos, onde hoje atua no curso de Serviço Social. Nesta semana, ela conta a sua trajetória para a revista IHU On-Line.

Origens - Nasci em Porto Alegre. Mas, na minha trajetória de vida, já morei em Esteio e São Leopoldo. Fui adotada aos seis meses de idade, mas a minha mãe biológica vive comigo, desde então. Convivi com meu pai adotivo até os meus 11 anos, quando ele faleceu. Já o meu pai biológico eu não conheci. Tive uma educação de muito afeto, por parte dos três, além de uma representação muito boa das figuras parentais. Minha mãe adotiva, que sempre foi dona-de-casa, está com 92 anos, e minha outra mãe, com 74. Minha mãe biológica nasceu em Santana do Livramento e veio para Porto Alegre, aos 20 anos, já grávida. Em Porto Alegre, meu pai acabou por abandoná-la. Com isso, ela acabou se desorientando e recebeu ajuda de muitas pessoas. Ela fazia serviços domésticos, até que conheceu o casal que me adotou. Eles estavam casados há 10 anos e não podiam ter filhos.

Valores – Integridade e honestidade, mas, acima de tudo, respeito. Meus pais me ensinaram a ter respeito pelos outros para, assim, ser respeitada.

Infância – Fui muito criança, vivi a minha infância. Gostava de pular sapata, de jogar cinco marias e de brincar de ser professora. Meu pai era professor, no meio Militar, gostava muito de ensinar, incentivar à leitura, jogos de memória e concentração. Eu jogava muito isso. E esse meu gosto pela leitura vem dele. Gostava de ler livros, infantis, mas que tivessem mais textos do que somente figuras. Como sou filha única, os filhos dos amigos do meu pai estavam sempre na minha casa. Meu pai não gostava que eu brincasse na casa dos outros, mas as crianças da vizinhança podiam ir brincar na minha casa e dormir lá. Então, eu nunca me senti sozinha.

Estudos – Sempre fui muito bem nos estudos. Passava de ano sem pegar recuperação. Formei-me em 1977, no curso de Serviço Social, na PUC-RS. Desde pequena, eu queria ser professora ou médica. Cursei magistério, mas não fui professora de Educação Básica, porque não havia concurso, nem contrato, na época. E eu precisava trabalhar para poder pagar a faculdade. Então, eu deixei de lado o magistério, naquele momento. Eu também queria ser médica, mas, com a morte do meu pai, a situação financeira da minha família mudou muito. Como o curso de medicina era muito caro, desisti. Queria ser psicóloga, então. Antes do vestibular, era preciso fazer um psicoteste, na época. No momento da inscrição a este psicoteste, resolvi mudar para o curso de Serviço Social. Na família do meu pai, tem uma assistente social. E, quando adolescente, eu ouvia as histórias dela. Optei pelo Serviço Social e não me arrependo. É uma profissão que amo.

Trabalho – Ao terminar o magistério, em 1973, precisava trabalhar para pagar a faculdade. Então, um afilhado do meu pai conseguiu uma vaga na Brigada Militar, para mim, no departamento administrativo, na Academia de Polícia Militar, em setembro de 1973. Como na Brigada Militar havia o Centro de Serviço Social, o comandante prometeu-me que, se eu passasse no vestibular, eu seria transferida para lá. E foi o que aconteceu: fiz meu curso, tendo a experiência profissional, aprendendo com as assistentes sociais. Quando me formei, em 1977, consegui um contrato como assistente social na Brigada Militar. Em agosto do mesmo ano, surgiu um concurso para o Sesi. Era uma outra experiência, que também me interessava. Passei em 2º lugar e fui trabalhar em Sapucaia do Sul e em São Leopoldo. Fiquei no Sesi até 1984. Mas eu queria muito voltar para Porto Alegre, para buscar outras experiências, que não fosse em indústrias, mas, sim, com crianças e adolescentes. Em 1984, fui nomeada no Estado, passando a trabalhar na ex-Febem. Coordenei o serviço de triagem de todo o Rio Grande do Sul e o núcleo de atendimento a entidades conveniadas. Em 1989, fiz parte da equipe técnica de implantação do SOS Criança, um programa governamental de atendimento às denúncias de violência doméstica e familiar contras crianças. Esse programa durou até 1994, quando fui transferida para o Departamento Médico Legal, para implantar o Serviço Social. Em 1997, me aposentei.

Sala de aula - Queria muito investir na docência. Em 1984, recebi um convite para dar aula na Ulbra, quando começou a minha experiência no Ensino Superior. Em 1989, fiz o concurso para a Unisinos. Até 1994, continuei trabalhando nas duas universidades. Depois, fiquei só com a Unisinos. Ao me aposentar, passei à coordenadora-adjunta do curso de Serviço Social e assumi a coordenação executiva do curso, logo após, o que foi me muito gratificante.

Unisinos – Ao longo dos anos, vemos muitas mudanças ocorrerem, não só âmbito da universidade, como também no campo da educação superior. Tem sido uma trajetória de muitas conquistas, de alguns recuos, mas a universidade ainda preserva a qualidade e a missão de formação integral. É uma universidade que possui um corpo docente capacitado, dedicado e competente. O retorno é dado pelos próprios alunos e egressos, e isto é o que gratifica quem é professor desta instituição.

IHU – O Instituto Humanitas veio a acrescentar mais qualidade ao ensino e à formação, valorizando ainda mais o espaço acadêmico com novas idéias, com informações e questões discutidas pela comunidade acadêmica. O IHU fortalece a missão da Universidade voltada à formação integral.

Família – Hoje, moro em Porto Alegre. Não sou casada nem tenho filhos, apesar de gostar muito de crianças. Foi opção minha, devido à minha dedicação ao trabalho e à militância. Mas recebo retornos positivos e afetivos por parte de meus muitos afilhados: a mais velha tem 26 anos, e o mais moço tem 1 ano.   

Lazer – Gosto muito de teatro, cinema, de rodas de bate-papo e festas com os amigos e, no verão, não pode faltar praia. Estou no último ano de doutorado na PUC-RS, em Serviço Social. Então, não está me restando muito tempo para estas e as outras coisas que gosto de fazer. Aí é que se percebe o valor de uma amizade, porque, mesmo que eu não me encontre com os meus amigos, nos falamos por telefone, trocamos e-mails e mensagens no celular.

Filme – Recentemente, assisti ao filme O caçador de pipas, de Marc Forster. No Natal, ganhei o livro de presente, o que acabou sendo a minha leitura de férias, além das pertinentes à tese. Gostei muito da história e fui assistir ao filme, que retrata o afeto, a lealdade, os costumes e também a submissão, a insegurança, enfim, algumas fraquezas humanas. Mas, sobretudo, a capacidade de reflexão e de superação humanas. É um filme que mostra a possibilidade de transformação do sujeito para um ser mais solidário, seguro, audacioso.

Livro O caçador de pipas, de Khaled Hosseini, foi o último que li. Mas há livros muito interessantes de autoria brasileira, como Casa-grande & senzala, de Gilberto Freyre. Quanto à temática da violência, meu objeto de estudo no doutorado, pode-se citar Sobre a violência, A condição humana e a Banalização da violência, de Hannah Arendt.

Política Brasileira – São tempos bastante difíceis para conduzir a política brasileira, com tantos interesses individuais e divergentes, além da corrupção. No entanto, tem ampliado a participação da população, a partir dos movimentos, das ONGs, universidade, associações,e outros espaços. Nas áreas que pesquiso, as quais se voltam para a criança, o adolescente, a mulher e o idoso, os Conselhos de Direitos são muito importantes. Trata-se de fortalecer o controle social. Todos nós, enquanto profissionais, precisamos incentivar para que sejam conselhos democráticos, além de outros espaços participativos de defesa e proteção dos direitos, em especial aos sujeitos mais vulneráveis.

Violência – As mulheres estão, sim, denunciando mais. E a Lei Maria da Penha veio fortalecer esse campo das denúncias, porque ela exige não somente uma responsabilidade maior de defesa e proteção, por parte de toda a sociedade. É um trabalho em rede que passa a ser desenvolvido para que a Lei seja cumprida. No momento em que isso acontece, a mulher se fortalece, sente-se mais protegida e passa a denunciar mais.

Sonho – Particularmente, terminar o doutorado. É um investimento muito grande e uma experiência muito bonita, porque a gente volta ao meio acadêmico de uma outra forma e as trocas acrescentam muito à formação. Por outro lado, é preciso devolver à sociedade o que se aprende.

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