Edição 253 | 07 Abril 2008

Igualdade e liberdade nos discursos educacionais contemporâneos

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Bruna Quadros

Paula Corrêa Henning aponta os desafi os dos profissionais da educação, traça um panorama entre educação, liberdade e igualdade, além de destacar possibilidades de intervenção do campo educacional

“Um trabalho docente que lute por uma formação que instigue o pensamento, pense sobre coisas ainda não pensadas, não problematizadas, coisas que, de tão hegemônicas na sociedade em que vivemos, não ousamos cotejá-las; uma política do pensar, uma nova ética através da luta política que se efetiva, quando tentamos diminuir os efeitos de dominação de uns sobre os outros.” Estas são algumas das possibilidades que a Profa. Dra. Paula Corrêa Henning aponta, em entrevista por e-mail à IHU On-Line, como formas de intervenção do campo educacional “para uma formação mais modesta, sem a pretensão de que, através da escola, seja possível emancipar o indivíduo”. Para ela, a escola, sem dúvida, é um espaço que pode ser de criação, problematização de questões e de formação do indivíduo. “Entretanto, assumir que ali é o locus privilegiado para essa formação é um discurso moderno que põe sobre a escola a responsabilidade da formação integral e do alcance para a razão esclarecida”, enfatiza.

No dia 14 de abril, a Profa. Dra. Paula Corrêa Henning estará na Unisinos para proferir a palestra Figuras emblemáticas de Modernidade: Igualdade e Liberdade nos discursos educacionais contemporâneos. A atividade, que integra o evento Encontros de Ética, promovido pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, será realizada das 17h30min às 19h, na sala 1G119 do IHU. Paula Corrêa Henning é doutora em Educação, pela Unisinos, e mestre em Educação, pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Atualmente, é professora e Pesquisadora do Centro Universitário Feevale, de Novo Hamburgo.

IHU On-Line - Qual é a sua visão sobre a didática utilizada na educação, tanto no âmbito público quanto privado, desde as séries iniciais? Que perspectivas podemos adotar, diante dos atuais padrões de ensino?
Paula Corrêa Henning
- A educação hoje e, por decorrência, a sua didática, são marcas dos traçados de uma episteme que ainda não saímos: a episteme moderna. Esse conjunto de regras e normas que faz com que coloquemos alguns ditos na ordem do verdadeiro. Uma ordem intrínseca que nos faz pensar, ser e agir de uma determinada forma, ordenando os saberes a partir da condição de possibilidade dada por nossa episteme. Assim, é ela quem ordena e valida os discursos, criando o campo das possibilidades e impossibilidades de nossas vontades de saber. Com isso, é possível afirmarmos que a ordenação dos discursos da didática hoje ainda são traços de um autor clássico do século XVII: Jan Amos Komenský, conhecido por nós como Comenius. Sua Didática Magna, escrita em 1632, apresenta-se como uma importante caixa de ferramentas para pensarmos nos dispositivos escolares e na Pedagogia. Seus ensinamentos estão cada vez mais presentes nos espaços-tempos educacionais, compondo as formas de ser professor na atualidade. Em seus escritos, nos traz fortemente a importância e a necessidade da ordenação e do método para que seja possível a educabilidade do homem. Pensemos na educação de hoje: quantas teorizações desse campo de saber não pautam suas produções por métodos ordenados e sistematizados para que consigamos chegar ao “verdadeiro” conhecimento e ensinamento aos alunos? Esse parece ser um dos ditos recorrentes na educação, validando esses discursos e constituindo-os nas práticas escolares. Penso que elencar perspectivas a serem adotadas na educação é muito perigoso. O que busco tratar em minhas aulas, como professora que forma futuros educadores, não são métodos a serem seguidos ou perspectivas a serem adotadas, mas estratégias que nos possibilitem encontros com o pensamento, dar condições para a irrupção do pensar. Acredito no desafio de compor a educação cotidianamente com práticas desviantes. Práticas com possibilidades de intervenção, possibilidades que coloquem os escolares e nós, como profissionais da educação, a pensar o pensamento e, quem sabe, resistir e criar outras estratégias de pensar a educação. Em outras palavras: dar o que pensar através de problematizações possíveis sobre a escola e a educação hoje.

IHU On-Line - De que maneira os conceitos de igualdade e liberdade fazem parte do contexto da educação, na sociedade atual?
Paula Corrêa Henning
- Entendo a igualdade e a liberdade como figuras de Modernidade que aparecem repetidas vezes no campo da educação. Elas compõem uma ordem discursiva que faz esses temas serem tratados como questão indispensável em nossos dias. Contemporaneamente, a discussão da igualdade, enquanto valor ideal da modernidade, é pautada pela garantia de direitos e encarnada na proliferação constante dos discursos da inclusão escolar. Assim, temos uma série discursiva que conecta três elementos: a igualdade como figura hegemônica de modernidade, o discurso da garantia de direitos na sociedade contemporânea e os discursos da inclusão no campo educacional. Muitas vezes, a busca pela igualdade, fortifica a tentativa de aplainamento, na tentativa de equiparar a todos, em nome dos direitos humanos universais, em nome da inclusão compulsória e, acima de tudo, em nome da igualdade natural. No que se refere à liberdade, seus discursos também vem constituindo e produzindo fortes efeitos de sentido em nossas vidas. A educação liberta é uma consigna tão indiscutível quanto enraizada no solo da episteme moderna. Porque conhecer, nessa perspectiva, é sinônimo de tomar consciência e libertar-se, é tomar consciência de si próprio como sujeito da razão. Quero dizer que essas figuras modernas, presentes fortemente na Revolução Francesa, participam ainda hoje dos ideais utópicos que produzem a educação na atualidade. Enquanto o discurso astuto da igualdade justifica a necessidade de uma vida em que caibam todos, o discurso falacioso da liberdade promete aos sujeitos a redenção pela autonomia e emancipação do pensamento e da vontade.

IHU On-Line - Não há uma contradição entre se igualar e, ao mesmo tempo, ter liberdade para criar e pôr em prática novas propostas? Como a senhora explica esta situação?
Paula Corrêa Henning
- A liberdade professada pelos ideários modernos da Revolução Francesa é falaciosa. Não se liberta alguém senão por um processo de sujeição pelo trabalho disciplinar e normalizador. A liberdade que hoje podemos visualizar funciona muito menos como uma liberdade redentora e emancipadora e muito mais como uma liberdade que, paradoxalmente, possibilita práticas de resistência e também regula nossas ações. Trata-se, antes de tudo, como bem diz Silva (1999), de uma liberdade regulada. E é nesse sentido que a promessa de uma liberdade irrestrita é tida como falaciosa por Nietzsche (2005): como ser livre quando existem certas ações, práticas e morais a serem seguidas para que, a partir disso, possamos ser homens livres? Nesse sentido, as práticas de novas propostas, por mais liberdade que acreditemos ter, também são práticas reguladas, práticas que, pela episteme que vivemos, são possíveis pensar e produzir. Como Foucault, em seu clássico livro As palavras e as coisas, nos anuncia com a inquietude frente à taxonomia dos animais proposto pelo texto de Borges, há impossibilidades em nosso pensar e elas existem justamente pelo solo positivo da episteme que nos movimentamos, visibilizando alguns discursos e invisibilizando outros.

IHU On-Line - No dias de hoje, qual é o maior desafio para os profissionais da educação, principalmente, quando se trata em ensinar conceitos de igualdade e liberdade?
Paula Corrêa Henning
- Com uma proposta de formar para a igualdade entre os homens e para a conquista da liberdade pela razão esclarecida, a educação crê formar para o bem. Não há nada de errado nisso. A escola moderna foi organizada para atender a esse projeto. Entretanto, se entendemos o regime de produção desse discurso, e a instalação da igualdade e da liberdade na ordem do verdadeiro, por força de uma política discursiva específica, já não se pode concordar tranqüilamente com a inevitabilidade e a hegemonia indiscutível de tal ordem. O bem também precisa ser discutido. A aceitação tácita de que a igualdade e a liberdade são as verdades naturais do humano faz com que a moral seja jogada num plano transcendente que, por conseqüência, a torna indiscutível. Penso que o maior desafio para os profissionais da educação, na atualidade, seja criar espaços de resistência e criação, diante de discursos hegemônicos que estabelecem uma única formar de ser e estar no mundo. O que percebo é que os discursos modernos, por excelência, conseguem, de modo muito particular, produzir efeitos de sentido concretos nas práticas cotidianas da educação, sejam eles através de métodos e técnicas do como ensinar, sejam através do emblema da formação crítica e esclarecida das consciências. Com isso, acredito que um grande desafio seja assumir essa tensão de problematizar discursos que estão, a pelo menos três séculos, na ordem do verdadeiro. Assumir essa tensão com tudo que ela tem de difícil, complexo, trabalhoso e ao mesmo tempo potente. Nisso, acredito que residam as práticas de liberdade tratadas por Foucault. Rachando com muitos dos ideais modernos que nos constituem, porém, sem a ilusão de imunidade ante esse forte ideário.

IHU On-Line - A escola ainda é o melhor lugar para a formação do indivíduo, não somente em nível intelectual, mas, também, social. Neste sentido, o que falta para que haja medidas que estimulem o complemento à educação, dentro e fora da escola?
Paula Corrêa Henning
- O discurso de que a escola salva ou emancipa ainda é um discurso dos dias atuais. Não acredito nisso. A escola, sem dúvida, é um espaço que pode ser de criação, problematização de questões e de formação do indivíduo. Entretanto, assumir que ali é o locus privilegiado para essa formação é um discurso moderno que põe sobre a escola a responsabilidade da formação integral e do alcance para a razão esclarecida. Penso que para essa formação muitas instituições e ações são necessárias. Aqui, quero anunciar possibilidades de intervenção do campo educacional para uma formação mais modesta, sem a pretensão de que, através da escola, seja possível emancipar o indivíduo: um trabalho docente que lute por uma formação que instigue o pensamento, pense sobre coisas ainda não pensadas, não problematizadas, coisas que, de tão hegemônicas na sociedade em que vivemos, não ousamos coteja-las; uma política do pensar, uma nova ética através da luta política que se efetiva, quando tentamos diminuir os efeitos de dominação de uns sobre os outros; equilibrar-se em cordas bambas, fazer de nossa ação docente uma obra de arte e resistir a efeitos de dominação e sujeição a uma moral instituída; jogos cada vez mais abertos, atraentes e fascinantes, tanto quanto difíceis, trabalhosos e complexos.

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