Edição 379 | 07 Novembro 2011

A derrocada dos grandes sábios e um oráculo chamado Google

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Márcia Junges

Para Celso Candido de Azambuja, a história da humanidade se confunde com a da escrita. A sociedade da informação em rede perdeu “para sempre a chance de produzir seus grandes sábios”, mas por outro lado nos fez avançar por novos caminhos, repletos de possibilidades

“Que sábio hoje ousaria enfrentar os poderes de um ‘oráculo’ como o Google ou desafiaria a sabedoria emergente do ‘doutor’ Wikipédia?”. O questionamento é do filósofo Celso Candido, na entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line. Em sua opinião, “a situação atual é relativamente semelhante à do tempo de Platão com a invenção da escrita. Hoje, as redes de computadores cada vez mais dinâmicas e ubíquas afetam todas as nossas atividades, e em especial as intelectuais. Filósofos e não filósofos, todos nós estamos inseridos em um contexto de alta mobilidade interconectada”. Celso recupera o cenário de surgimento da escrita no mundo helênico antigo e a derrocada dos grandes sábios, apontada por Platão. “De acordo com o filósofo, a palavra escrita é estática, carente da dinâmica dialética que apenas o embate oral pode garantir: o sistema de perguntas e respostas esforçadamente inteligentes que constitui um momento essencial do método filosófico”. E provoca: “Nesse sentido, não seria a internet finalmente a imbecilização da humanidade? Todo conhecimento não estaria agora exteriorizado nas memórias artificiais dos computadores, não restando para a memória humana senão o trabalho de se conectar à rede de uma ou outra forma e encontrar os conhecimentos de que se necessita?” Sobre o papel do filósofo em nosso tempo, Celso aponta que é preciso se dedicar, de corpo e alma, ao conhecimento. “Seu compromisso primeiro é, foi e será sempre com a sabedoria. Sua missão essencial consiste em buscar, sempre e tão somente a verdade, mesmo que tenha que ultrapassar-se a si mesmo”.

Graduado em Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, Celso Candido de Azambuja é mestre em Filosofia pela mesma instituição e doutor em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP com a tese Hipertexto e subjetividade – máquinas e redes cibernéticas interativas de comunicação e informação e produção de subjetividade. É professor dos cursos de graduação e pós-graduação da Unisinos e organizou inúmeras publicações, entre elas Filosofia e ensino: um diálogo transdisciplinar (Ijuí: Unijuí, 2004) e A criação histórica (Porto Alegre: Artes e Ofícios/Sec. Municipal da Cultura, 1992).

Confira a entrevista.

IHU On-Line – A partir do surgimento da “ágora virtual”, a internet, estaria em xeque a “era dos grandes sábios”? Por quê?

Celso Candido de Azambuja – A “era dos grandes sábios” talvez tenha realmente acabado, mas isso foi bem antes da invenção da internet. Foi com a invenção da escrita, ao menos se considerarmos importantes os testemunhos de Platão. Para ele, o mundo dos verdadeiros sábios entra em derrocada paradoxalmente a partir da emergência da palavra escrita no mundo helênico antigo, no momento em que a palavra oral é preterida em favor daquela. De acordo com o filósofo, a palavra escrita é estática, carente da dinâmica dialética que apenas o embate oral pode garantir: o sistema de perguntas e respostas esforçadamente inteligentes que constitui um momento essencial do método filosófico.
Ainda segundo Platão, a palavra escrita não é senão um recurso auxiliar da memória e, ao contrário do que se acredita, ela não fortalece, mas acaba por enfraquecer a própria memória, na medida em que o conhecimento deixa de ser uma conquista da atividade interna da alma, para tornar-se algo que lhe vem do exterior. A escrita, assim, só produz aparência de sabedoria.
Com tal situação instituída, não poderíamos jamais tornar-nos sábios novamente, mas apenas amantes da sabedoria, ou seja, filósofos, inevitavelmente carentes da grande e verdadeira sabedoria.

Imbecilização e bricolage

Nesse sentido, não seria a internet finalmente a imbecilização da humanidade? Todo conhecimento não estaria agora exteriorizado nas memórias artificiais dos computadores, não restando para a memória humana senão o trabalho de se conectar à rede de uma ou outra forma e encontrar os conhecimentos de que se necessita? Para navegar na noosfera do conhecimento digital não seria preciso mais do que tornar-se mestre na arte da bricolage e da combinação de teclas ?
Para nossa sorte, Platão só em parte tem razão. Por um lado, é verdade que o conhecimento exteriorizado pode enfraquecer e empobrecer a memória pela ausência do exercício dialético. Entretanto, por outro lado, é preciso reconhecer também que apenas com a palavra escrita o conhecimento pode universalizar-se e enriquecer-se, saindo do círculo limitado, ainda que profundo e altamente interiorizado, dos contextos de oralidade e clausura signitiva. Não é justamente graças à escrita que hoje nós temos a felicidade de ler um livro de Platão ou Aristóteles e ainda aprender muito com seus textos?
A verdade é que a própria história humana se confunde com a da escrita. A humanidade talvez tenha perdido para sempre a chance de produzir seus grandes sábios, mas seguramente ganhou no desenvolvimento do conjunto; como espécie pode avançar em caminhos que, sem a exteriorização e registro da memória através da palavra escrita, jamais teria sequer sonhado em trilhar.

Cibermemória

Além disso, a própria escrita originalmente imóvel presa à argila ou ao papiro, vai transformando-se em uma palavra cada vez mais dinâmica a partir principalmente dos tipos móveis de Gutenberg e chegando a uma “palavra líquida” das telas digitais dos nossos dias. Palavra cuja mobilidade e plasticidade, sem dúvida, jamais teria sonhado Platão.
O próprio texto deixou de ser um texto para se tornar um entretexto, um hipertexto, porque se encontra necessariamente interconectado e recortado por outros textos e entretextos. Ao mesmo tempo em que a dinâmica de aceleração nos processos de produção e renovação dos saberes – que Pierre Lévy  caracterizou como um contexto de “saber fluxo” – tornou o próprio conhecimento dependente dos modos de ser e fazer das redes, de um pensamento em rede, interconectando seres humanos e máquinas.
A era dos grandes sábios talvez tenha acabado também no sentido de que o conhecimento acumulado tornou-se imenso, praticamente incognoscível por qualquer indivíduo. A memória desterritorializou-se do corpo vivo e encontra-se hoje distribuída e articulada nas redes sociais eletrônicas. Trata-se de uma cibermemória que potencialmente articula os tesouros do conhecimento acumulado pelo conjunto de todas as memórias vividas e em movimento, produzidos diante da qual nenhuma memória humana individualmente poderia comparar-se. Que sábio hoje ousaria enfrentar os poderes de um “oráculo” como o Google ou desafiaria a sabedoria emergente do “doutor” Wikipédia?

IHU On-Line – Em que aspectos essa “praça pública virtual planetária” altera o filosofar? Nesse sentido, como podemos compreender o conceito de “dialética eletrônica”?

Celso Candido de Azambuja – A internet é o resultado da ação emergente de milhares e milhares de mentes, potencializadas pelos recursos cibernéticos. A internet é a expressão tecnocultural do mais novo e mais avançado estágio de articulação da inteligência coletiva humana. Do ponto de vista da ciência, ela está revolucionando todas as formas de produção, criação e distribuição dos saberes.
Fonte inesgotável e sempre crescente a partir da qual podemos navegar nos tesouros acumulados pela civilização e espaço produtivo no qual podemos e devemos participar como colaboradores diretos na criação, produção e intercâmbio dos saberes. Sem dúvida, trata-se de um acontecimento admirável do ponto de vista do desenvolvimento científico e cultural.
A filosofia não é uma ciência cuja atividade seja atemporal, acósmica, como às vezes alguns filósofos tendem a pensar. Tudo o que acontece no tempo e no mundo de alguma forma tem seus efeitos também sobre a filosofia como qualquer instituição imaginária social.

Antes da invenção da escrita, filosofar era uma atividade que envolvia os homens em sua dimensão oral e presencial. Platão contestará o poder emergente da escrita, mas não poderá fazer isso senão através do próprio texto escrito. Ele inventa os diálogos escritos como tentativa de salvaguardar a dialética, condição indispensável da filosofia, porém não conseguirá conter o poder da nova técnica nascente. Esta se imporá como recurso tecnocultural assumindo a direção do progresso intelectual e científico humano durante mais de dois milênios até pelo menos a emergência da era eletrônica e dos novos superpoderes dos meios audiovisuais e multimídias, com o rádio, o cinema, a televisão e a internet.

Dialética eletrônica

A situação atual é relativamente semelhante à do tempo de Platão com a invenção da escrita. Hoje, as redes de computadores cada vez mais dinâmicas e ubíquas afetam todas as nossas atividades, e em especial as intelectuais. Filósofos e não filósofos, todos nós estamos inseridos em um contexto de alta mobilidade interconectada. Muitos ainda tentarão resistir, mas o furacão avança sem chances de retroceder. O hipertexto como novo suporte tecnointelectual logo constituirá o nosso ambiente cognitivo. Já não é? A velocidade com que esse movimento se processa é espantosa. Não penso que está muito distante o dia em que livros, revistas e jornais de papel serão considerados veneráveis peças de museu ou questionáveis artigos de luxo da sociedade de consumo.
Assim, com o conceito de “dialética eletrônica” eu gostaria de evocar o potencial de mobilidade e plasticidade da palavra digital, como já fiz referência na pergunta anterior. Híbrida, mas distinta das palavras oral e escrita, a palavra eletrônica abre-se para um processo altamente dinâmico de autoinstituição e autoconstrução. Queria indicar a emergência de um fenômeno tecnointelectual que permite realizar através das redes um debate vivo, dinâmico e intercriativo, em um sentido semelhante ao requerido pelo embate dialético oral. Tratava-se principalmente de mostrar que o hipertexto vem transformar e superar os limites estáticos e antidialéticos nos quais originalmente, nos tempos de Platão, a palavra escrita se encontrava.


IHU On-Line – Dado esse contexto tecnológico, quais são os maiores desafios para o ensino acadêmico da Filosofia?

Celso Candido de Azambuja – Primeiramente, queiramos ou não, penso que todos aqueles profissionais que hoje ocupam um lugar na academia e no ensino de filosofia e que foram forjados no horizonte de sentido determinado pela “galáxia Gutenberg” deverão se alfabetizar digitalmente, se pretendem de fato participar do debate intelectual global atual, seja científico, político ou cultural. Estamos rumando cada vez mais rapidamente para habitar a “galáxia Internet”: avançamos da inteligência e da escrita de papel para a inteligência e a escrita eletrônica, hiperconectada à velocidade da luz; do texto para o hipertexto; do livro para o computador; do isolamento da máquina de escrever para a conexão total das redes cibernéticas; do conhecimento estocado nas bibliotecas para o conhecimento desterritorializado navegando em fluxo no ciberespaço ao alcance do todos; da cultura de poucos para a cultura de muitos; do discurso de poucos para o discurso de muitos; da mono-tonia ordenada e participativa dos mass media para a polifonia emergente e incontrolável dos dispositivos moleculares de comunicação que poderíamos definir como os my media.
Esta alfabetização digital inclui nossa capacidade de nos adaptarmos às novas tecnologias intelectuais, sendo capazes não apenas de nos manifestarmos através delas, mas também de nos tornarmos intercriativos com elas. Inclui não somente a capacidade de dominar recursos hipertextuais e multimídias que exigem e instituem uma nova arquitetura do saber e uma nova atitude intelectual, mas também teremos que ser capazes de nos inserirmos em um mundo globalizado tecnológica, cultural e economicamente e que, tanto quanto a internet, fala muitas línguas e linguagens e é essencialmente poliglota. Entre outras coisas.

Intercriação cultural e científica

O papel da filosofia, nesse contexto, seria também o de conseguir fazer uma leitura crítica e criativa do fenômeno da tecnologia na nossa vida atual. Não basta reclamar – e o que seria pior, impedir – que os jovens fiquem ligados aos seus celulares e computadores. Antes, é preciso reconhecer que os meios tecnológicos são constitutivos do seu universo cognitivo e sociocultural; compreender que tais meios não são apenas instrumentos que se pode manipular dessa ou daquela forma, mas que, ao contrário, hoje mais que nunca, são constitutivos de nossa própria subjetividade. Sem esse reconhecimento, penso que dificilmente se poderá inventar formas pedagógicas interessantes capazes de envolver a juventude não apenas no verdadeiro respeito pela e cultivo da herança cultural acumulada, mas também no movimento de intercriação cultural e científica.

IHU On-Line – Qual é o papel e a importância do filósofo em nosso tempo?

Celso Candido de Azambuja – No nosso tempo, como em qualquer outro, o filósofo deve “manter firme a corrente espiritual do sublime”, como diria Nietzsche. Ele deve, em primeiro lugar, dedicar-se de corpo e alma ao conhecimento. Seu compromisso primeiro é, foi e será sempre com a sabedoria. Sua missão essencial consiste em buscar, sempre e tão somente a verdade, mesmo que tenha que ultrapassar-se a si mesmo. Ele deve questionar o mundo em que vive e colocar o problema do sentido da existência. E tentar construir os conceitos mais apropriados para as experiências, as angústias e os desejos humanos.
As grandes questões da humanidade são, por assim dizer, eternas e transpassam tempos e povos. O que é o amor? O que é Deus? O que é o bem? O mal? O justo e o injusto? A verdade, o erro? A felicidade? A humanidade? A vida? A morte?

São problemas de todos os tempos e todos os povos. O filósofo tem este papel fundamental de manter tais questões vivas, animá-las, atualizá-las no seu tempo. O filósofo é a consciência intelectual crítica e criadora de seu tempo. Ele tem como uma de suas tarefas fundamentais forjar os conceitos que nos permitam não apenas enxergar, mas compreender e atuar em nossa realidade.

IHU On-Line – Quais são os grandes temas que continuam importantes no debate filosófico atual?

Celso Candido de Azambuja – Os grandes temas clássicos da filosofia, por exemplo. Eles permanecem todos fundamentais no debate filosófico atual: da lógica passando pela ética, pela política, pela estética, pela linguagem, pela epistemologia.
Quando se trata da verdade e dos conceitos filosóficas o tempo transcorrido entre o passado e o presente não pode ser simplesmente medido e reduzido a escala cronológica de uma existência individual. Para a verdade, o tempo é relativo.
Assim, por exemplo, a ontologia e a antropologia não se tornaram temas de somenos importância na atualidade. Ao contrário, sua importância só tende a aumentar na medida mesma em que a sociedade vai avançando no processo de esclarecimento e na melhoria das condições de vida das gerações emergentes, através principalmente do desenvolvimento tecnocientífico. As perguntas pelo sentido da existência e pela condição humana têm cada vez mais atualidade. Encerram em si questões e problemas teóricos e morais cuja grandeza os tempos e os homens não esgotarão jamais.

IHU On-Line – Quais são as grandes obras que permanecem fundamentais dentro da tradição filosófica?

Celso Candido de Azambuja – Uma grande obra não é atemporal, mas tem tendência inata para vencer o tempo. As grandes obras são as que resistem ao tempo. E se renovam com o tempo. E revolucionam o próprio tempo.

A filosofia é uma história cuja instituição não foi construída sem grandes lutas, sacrifícios e contradições memoráveis. A história das grandes obras e dos grandes gênios da filosofia foi forjada também através de perseguições, condenações, exílios, sofrimentos, torturas. Sócrates , condenado a beber a cicuta; Aristóteles, obrigado a abandonar Atenas; Nietzsche, consumido pela doença; Marx, mergulhado na miséria. Galileu Galilei , triste e cego. Hegel, vítima de cólera.

É muito difícil dizer quais são as obras que permanecem fundamentais, porque a riqueza da filosofia é tão grande que hoje se tornou praticamente impossível acessar o conjunto dessa riqueza monumental.
Entre outras e por força de minha formação na área de concentração filosofia moral e política, eu destacaria e apenas a título de ilustração algumas obras cuja atualidade e genialidade ultrapassam os tempos e que, interpretadas adequadamente, são essenciais na compreensão de nosso tempo e nossa existência: de Platão, A República; de Aristóteles, A ética a Nicômaco; de Nietzsche, A genealogia da moral; de Marx, O capital; de Freud, A interpretação dos sonhos; de Kant, A crítica da razão pura; de Heidegger, Ser e tempo; de Castoriadis , A instituição imaginária da sociedade; e teríamos ainda que falar das obras monumentais de Hegel, Marcuse , Hume , Hobbes, Agostinho , Foucault, Gadamer , Deleuze , Arendt , Schopenhauer , Wittgenstein , Hurssel , Kierkegaard ... A lista poderia estender-se ainda mais.

IHU On-Line – Em que medida a Filosofia tem conseguido estabelecer debates transdisciplinares com outras áreas de conhecimento? Quais são os principais avanços para o conhecimento que surgem desses diálogos?

Celso Candido de Azambuja – Penso que a filosofia tem uma natureza essencialmente transdisciplinar, mas não se confunde com a transdiciplinaridade propriamente dita.
Primeiramente, a filosofia não tem um objeto propriamente dito em seu sentido tradicional, porque o seu fim é o conceito, sua arte a criação conceitual enquanto tal. Depois, os temas e problemas da filosofia são inequivocamente transdisciplinares: o antropos, o ethos, a episteme, a polis, a psique são temas que envolvem necessariamente distintas disciplinas e áreas do conhecimento. Ao mesmo tempo, a filosofia está na origem de uma gama sem fim de disciplinas e áreas de conhecimento.

Entretanto, a filosofia como todas as demais ciências no Brasil, ao menos, tem grandes dificuldades para forjar e participar em debates transdisciplinares que envolvam outras áreas do conhecimento. Isso não é especificamente culpa da filosofia ou de quem quer que seja, pois trata-se de um contexto em que o método disciplinar hegemonizou o imaginário intelectual e científico nos últimos dois séculos aproximadamente.
O método transdisciplinar – será preciso dizer tantas vezes quantas forem necessárias para aqueles que preferem tergiversar sobre o assunto – não é antagônico ao método analítico, à disciplina, à especialidade e à objetividade científica. A disciplinaridade, ao contrário, é um momento essencial da transdisciplinaridade: são mutuamente interdependentes e só ganham sentido no reconhecimento dessa interdependência. Qualquer ciência, qualquer disciplina fora de um contexto transdisciplinar é um anacronismo, ao mesmo tempo em que qualquer contexto transdisciplinar sem os níveis de especialidade disciplinar torna-se perigoso e sem sentido.
Eventualmente, vemos uma ou outra iniciativa de tipo interdisciplinar e muito mais raramente ainda iniciativas de pequisas transdisciplinares. Teremos muito a fazer ainda do ponto de vista da criação de uma cultura da pesquisa transdisciplinar no Brasil.

O caminho para a transdisciplinaridade poderá ser controverso e contraditório. Entretanto, se compreendemos justamente o papel fundamental das disciplinas no interior do método transdisciplinar, o quadro se transforma, porque não se perde a competência disciplinar específica; ao contrário, ela mantém-se, é requerida, mas também é enriquecida com a articulação com outras disciplinas.
Penso que o avanço passará, entre outras coisas, pela criação de pesquisas temáticas envolvendo grupos de pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento. Sem dúvida, no Brasil os órgãos de fomento à pesquisa terão um papel central na condução de tal processo.

IHU On-Line – O que significa ecosofia e qual é a sua importância no contexto da preservação da vida e dos sistemas vivos?

Celso Candido de Azambuja – Ecosofia é um conceito proposto pelo filósofo e psicanalista francês Félix Guattari  que pretende articular em um sentido teórico mais amplo e complexo o conjunto das reivindicações ambientais, sociais e subjetivas. Trata-se de colocar em perspectiva uma articulação das três ecologias: a ecologia ambiental, a ecologia social e a ecologia mental.
A perspectiva ecosófica deveria servir para garantir as reivindicações ambientalistas, mas não limitá-las aos problemas estritamente ecológicos. Na verdade, os distúrbios de ordem ambiental são inseparáveis dos problemas sociais e subjetivos. As reivindicações meramente ambientalistas não conseguem atingir o fundo dos problemas políticos, econômicos e subjetivos que estão na base dos problemas ambientais.
Assim, também, uma filosofia que se propusesse a resolver os problemas sociais sem considerar os problemas na ordem da subjetividade, poderia até fazer algum sentido no contexto do capitalismo clássico, mas hoje seria totalmente anacrônica. Por sua vez, abordar os problemas sociais sem levar em conta os efeitos das ações humanas sobre o meio ambiente mostra-se cada vez mais perigoso.
Por essas razões, penso que a sabedoria ecosófica nos oferece um horizonte ético, estético e político adequado e revolucionário para a abordagem dos problemas complexos da sociedade tecnocientífica.

Leia mais...

Celso Candido de Azambuja já concedeu outras entrevistas à IHU On-Line:

Sociedade das possibilidades. Publicada em Notícias do Dia de 16-6- 2009;
A reinvenção do ser humano a partir da invenção da máquina. Publicada na edição Maio de 1968: 40 anos, número 250, de 10-03-2008;
A técnica pode ser um instrumento neutro? Publicada na edição 100 anos de Marshall McLuhan: um teórico de vanguarda, número 357, de 11-04-2011.

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