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Márcia Junges
Contrapondo-se ao dualismo cartesiano que cinde corpo e mente, Merleau-Ponty demonstra “que o pensamento se dá emaranhado no corpo”. A ponderação é da psicopedagoga Maria Alice de Castro Rocha, na entrevista que concedeu por e-mail à IHU On-Line. Esse pensador francês “traz o corpo como um ponto fundamental de apreensão do mundo, ponto que muitas vezes descuidamos na filosofia, ou mesmo na educação”, completa. Mas não se trata do mesmo enfoque dado ao corpo atualmente, focado no cumprimento de padrões estéticos. O que está em questão é “um corpo dotado de uma intencionalidade encarnada”. E completa: “Filosoficamente, Merleau-Ponty aponta para o corpo como um santuário dotado de ossos, sangue, órgãos, células, que precisa destes para agir, mas que são subsumidos por uma ordem humana, que é formada na relação com o outro, sobretudo com a cultura”.
Docente nas Faculdades Integradas Rio Branco, em São Paulo, Maria Alice de Castro Rocha é especialista em Psicopedagogia pelo Instituto Sedes Sapientiae – Sedes, é mestre em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP e doutora em Psicologia Escolar e Desenvolvimento Humano pela Universidade de São Paulo – USP com a tese Um estudo sobre a percepção: Merleau-Ponty e Piaget. Leciona nas Faculdades Integradas Rio Branco, em São Paulo, na Faculdade de Pedagogia.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Quais as maiores razões que fazem de Merleau-Ponty um filósofo atual?
Maria Alice de Castro Rocha – Merleau-Ponty mostra-se ainda extremamente significativo e cada vez que o relemos parece que desvelamos novos aspectos no que se refere à percepção e à estrutura do comportamento. Ele traz o corpo como um ponto fundamental de apreensão do mundo, ponto que muitas vezes descuidamos na filosofia, ou mesmo na educação.
Ele vem se contrapor ao pensamento de Descartes que separa corpo e mente, procurando mostrar que o pensamento se dá emaranhado no corpo. Um corpo dotado de condições físicas, anatômicas, fisiológicas, biológicas que permitem ao ser interagir com o mundo e ir se constituindo. Vem destacar que sou o meu corpo, um corpo que sente e expressa emoções, sentimentos, dor, alegria, tristeza...
Hoje o corpo é muito cultuado, mas no sentido de exposição e de preenchimento de requisitos para padrões de beleza. Esquece-se, porém, do corpo de que fala Merleau-Ponty. Um corpo dotado de uma intencionalidade encarnada. Corpo que se constitui, sobretudo na troca com o outro, em que os significados de suas ações estão entranhados neste, nos movimentos, nos pensamentos. Por exemplo, pegar um lápis pode ter vários sentidos para o corpo, para o ser: porque alguém me pediu (mostro um movimento de gentileza ou obrigação); por uma ânsia de escrever algo importante; por uma obrigação desagradável de cumprir uma tarefa dada na escola. Todos os movimentos são dotados de significações ligadas a todo o funcionamento corporal.
Isto é, Merleau-Ponty, embasando-se em Husserl, vem destacar a questão da intencionalidade como uma “consciência de”, um movimento que se dirige ao mundo e o capta. Não há uma ação unilateral dos objetos sobre a mente, como na visão empirista, mas também não há uma visão intelectualista de julgamento acima do meio. A intencionalidade fenomenológica não se refere a uma decisão intelectualista a priori, mas a um direcionamento pré-reflexivo que me impulsiona ao mundo e permite captá-lo, em movimentos contínuos.
Merleau-Ponty, em A estrutura do comportamento (São Paulo: Martins Fontes, 2006) e na Fenomenologia da percepção (São Paulo: Martins Fontes, 1999), estuda este corpo em “direção à” pormenorizadamente. Ele se debruça sobre a neurologia de sua época e começa por meio da análise de lesões cerebrais a mostrar um cérebro que possui especificidades e que, ao mesmo tempo, funciona em rede onde determinadas lesões precisam ser compreendidas à luz do sentido da ação. Uma lesão pode trazer danos não necessariamente a movimentos ou sensações específicas, mas para a expressão de determinados sentidos na relação da pessoa com aquilo que lida. Merleau-Ponty dá o exemplo de um indivíduo cuja lesão tirou-lhe a capacidade de agir com parcimônia, mas não lhe impediu de pensar racionalmente sobre as decisões morais.
O corpo como santuário
Isso pode permitir um avanço na compreensão da relação do homem com o mundo. Vemos hoje esse assunto sendo estudado por autores significativos da neurologia, como Antônio Damásio[3]. Em seu livro O erro de Descartes - emoção, razão e o cérebro humano (São Paulo: Companhia das Letras, 1996) há uma análise de casos que nos faz lembrar interpretações de Merleau-Ponty. A obra mostra como as lesões alteram as formas de ação do sujeito, mesmo quando o raciocínio se mostra intacto.
Filosoficamente, Merleau-Ponty aponta para o corpo como um santuário dotado de ossos, sangue, órgãos, células, que precisa destes para agir, mas que são subsumidos por uma ordem humana, que é formada na relação com o outro, sobretudo com a cultura. Em sua visão, não podemos ver ora o homem como uma mente que pensa, ou como um corpo que obedece. Com este o ser vai percebendo o mundo e se constituindo, formando uma identidade em meio ao outro.
Outro fator importantíssimo para a atualidade é seu apontar para uma percepção que se dá em situação, frente à história, em meio à cultura e, sobretudo por meio do corpo que se movimenta, que sente, amor, ódio, respeito, atração. Não há percepção acabada, fechada, mas é sempre um processo que se dá em meio a horizontes. Isso é dependente dos limites e condições que se oferecem em um dado momento. Do ponto de vista que olho para um objeto, por exemplo, da luz que incide sobre ele. Vemos sempre partes dos objetos e o pressentimos como um todo por uma operação intencional.
A percepção está sempre ligada aos horizontes que se apresentam; estes dependem tanto das possibilidades dos objetos de se mostrarem para nós. Merleau-Ponty, por exemplo, destaca que podemos expressar uma cor para um cego, pela sensação que pode provocar por meio de uma música. Mas isso também é banhado nas nossas vivências culturais e dos significados que vamos atribuindo. Cada ser é único, capaz de ter uma identidade, mas por intermédio do outro. A linguagem é aqui fundamental porque não só nos permite a comunicação, mas também, para o filósofo, abre ao próprio conhecimento do mundo. Diz que uma criança apreende o que é cadeira, por exemplo, não por uma comparação entre objetos, mas que encontra a semelhança pela palavra.
Corpo, cultura, palavra, o outro abrem-me para percepções diversas. Pelo grupo que vivo, pela língua que falo sou capaz de olhar para as coisas de uma dada maneira. Sou capaz de me iludir, por meio delas, mas também de me “desiludir”, isto é, chegar mais próximo do fenômeno. Hoje vemos uma troca muito grande entre os povos, entre as pessoas, mas muitas vezes com visões distorcidas que dão destaque a determinados pontos, causando intolerância. É necessário aprendermos com Merleau-Ponty a procurar ver as coisas por pontos diversos. Para isso precisamos saber olhar por ângulos diferentes, refletir sobre eles, mover nossos olhares para outros pontos diversos, procurando por novas apreensões. O perceber é algo que não se esgota e se elucida também pelo olhar do outro.
Merleau-Ponty mostra-se atual para que possamos refletir sobre vários pontos das relações do homem com o mundo. Ele traz para as artes muitas contribuições refletindo sobre a relação entre percepção e expressão. Conjuntamente com Husserl, ele é imprescindível, a nosso ver, para a pesquisa qualitativa, evitando distorções na percepção e sabendo considerar a subjetividade como estando sempre presente na apreensão do objetivo.
IHU On-Line – Qual a relevância de Merleau-Ponty especificamente para a Educação?
Maria Alice de Castro Rocha – Primeiramente, pode-se destacar a importância de se considerar o homem como um ser em situação que vive em um espaço, em um tempo, dotado de uma linguagem e de uma cultura que na sua correlação com o outro e com o mundo vai atribuindo significados às coisas.
É importante se considerar que o homem não sofre influências causais que irão determinar seu comportamento, mas que há uma operacionalidade que permite o entrelaçamento do espaço e tempo vivido pelo indivíduo e os significados que ele atribui a isso. Hoje, é muito comum que se busquem causas lineares ou culpados para dificuldades escolares de cada criança. Um pai ausente, uma família desestruturada, ou mesmo uma doença. Não que tais aspectos não sejam importantes, mas não podem ser generalizados pontualmente. O ser humano é mais rico do que isso, como nos mostra Merleau-Ponty.
Cada aluno precisa ser compreendido na sua relação com o outro, com o aprendizado, de uma forma ampla, em que se dê espaço para cada ser se expressar. Merleau-Ponty nos fala que uma criança ao nascer modifica seu lar. A educação precisa dar espaço para que cada sujeito amplie seus conhecimentos, possa olhar as coisas sobre outros ângulos, mas também para que se manifeste, expresse seu caminhar, troque ideias com os outros, de forma que as pessoas não sejam encurraladas em horizontes pobres, ou então sejam obrigadas a ver por meio de binóculos deformantes do professor.
Outros olhares
Aprender a olhar o aluno, buscar sempre se despir de ideias pré-concebidas; procurar trazê-lo para a construção do conhecimento; procurar fazer com que ele saiba escolher, ter uma percepção mais apurada, são elementos fundamentais nos dias de hoje. Em Merleau-Ponty a linguagem é um ponto fundamental para a percepção. Aqui podemos nos lembrar de Paulo Freire[4] ao trabalhar por meio do diálogo, do dar possibilidades ao aluno para ter outro olhar sobre o mundo, o que Merleau-Ponty poderia dizer a outros olhares. A linguagem também tem o poder de direcionar nosso olhar, como coloca Merleau-Ponty. Para ele, como vimos, a criança aprende a dar nome às coisas não por encontrar semelhanças entre elas, mas por procurar semelhanças diante de um nome.
Dessa forma, a educação é fundamental no processo de alfabetização, que permita uma leitura crítica, significativa, e que favoreça o desenvolvimento de competências e o uso de diversas linguagens e análises de pontos de vista diferentes.
IHU On-Line – Sob quais aspectos a filosofia desse pensador é importante para se repensar a educação em tempos de globalização e de complexidade?
Maria Alice de Castro Rocha – A globalização traz com ela a grande troca entre as pessoas, as várias culturas, uma fluidez imensa de informações e a necessidade de construção de novos conhecimentos. A educação precisa estar atenta a esta diversidade de acessos a dados e trocas empreendidas em redes sociais.
Merleau-Ponty torna-se contemporâneo ao mostrar a necessidade de a educação se focar na compreensão da apreensão de significados, que dependem do horizonte enfocado em cada momento. Nosso olhar para a realidade depende do ângulo do qual partimos. Por exemplo, se vemos uma casa apenas por um de seus lados, podemos nos enganar em relação a seu real tamanho. Ao mesmo tempo, quando se olha por este ângulo podemos captar elaborações anteriores, que podem vir da capacidade de cálculo do engenheiro; do ecologista que valoriza ou não aquela ocupação; da recordação da infância de um quintal semelhante com experiências gostosas.
A cultura de um povo é um dos grandes fatores que direcionam, formam e deformam nossa percepção. Essa elaboração perceptiva precisa ser conhecida e ampliada. Para isso não bastaria numa visão fenomenológica apenas ensinamentos racionais, mas vivências, trocas de visões, ampliação dos dados.
A educação precisa mostrar ângulos diferentes de direcionamento ao mundo, o sentido e o respeito a cada cultura, para que seja possível compreender o sentido de tomada de posições diferentes. Voltando àquela casa do exemplo acima, pensemos que poderíamos ter uma imagem negativa dela; mas quando de repente se me apresentam crianças brincando e sentimos um cheiro de bolo caseiro, isso pode se transformar.
A educação precisa considerar o sujeito como tendo uma intencionalidade encarnada; trata-se, portanto, de pessoas dotadas de sentimentos, emoções, significados que estão sempre presentes no processo de percepção e de conhecimento. É preciso respeitá-las e ajudar cada ser a saber lidar com o caso. É necessário pesquisar dados e ir além deles, criando, dando opiniões e construindo uma identidade.
A linguagem está aqui presente o tempo todo e precisa também ser ampliada para que possa captar formas e noções diferentes. A linguagem matemática, por exemplo, vem permitir ao indivíduo fazer cálculos, resolver problemas, que afetam a si e ao mundo; mas a linguagem poética poderá lhe abrir para formas mais significativas de sentir e usar seus cálculos. Cada forma de linguagem abre a possibilidade ou pode mesmo fechá-la. Ela precisa ser trabalhada.
Corpo e complexidade
Merleau-Ponty nos traz um ser dotado de um corpo, o que nos aproxima da ideia de complexidade trazida por alguns filósofos, na atualidade, como Morin[5]. Há o ultrapassar da dialética dos contrários para entrar na correlação circular de várias possibilidades. O homem na complexidade é visto como um ser múltiplo que vai se humanizando por meio do cérebro, mão, linguagem, espírito, cultura e sociedade. Há sempre a presença do lógico, do racional em meio a emoções, sentimentos, sentidos. A lucidez se confronta no homem, segundo Morin, com a demência. Ordem, desordem, interações e organização fazem parte da complexidade. Merleau-Ponty mostra que o conhecimento, a percepção, nunca se fecham, mas se aproximam, se complementam, ilusão e desilusão são possibilidades humanas.
Merleau-Ponty destaca que o homem possui condições físicas, fisiológicas, biológicas que são fundamentais, mas que se subsumem pela ordem humana, dotada de significados existenciais. A educação precisa formar pessoas que saibam raciocinar, mas que ao mesmo tempo saibam fazer uma leitura da relatividade, que se vejam como humanos e que também se voltem para uma sociedade que exista no confronto entre diferenças e aproximações, entre incertezas e planejamentos. Merleau-Ponty nos mostra este caminho da apreensão do mundo, mas não de forma absoluta e fechada, que está sempre aberta a novas visões. Quando mostra que a linguagem e a cultura direcionam nosso olhar, mostra também que a educação é uma das responsáveis por ele, osso olhar, embora não a única, podendo abri-la ou fechá-la mais. Caberia à educação aqui oferecer formas de perceber a inexatidão de uma única visão.
IHU On-Line – Em que medida Merlau-Ponty e Piaget contribuem para os estudos sobre a percepção? Suas ideias sobre o tema são complementares e convergentes?
Maria Alice de Castro Rocha – Ambos trazem uma visão interacionista para a percepção. Ela não é vista nem por meio de uma construção racional, nem como uma ação empirista, em que as sensações exerceriam uma função dominante sobre a percepção. Há sempre uma troca entre homem e mundo e esta vai se transformando ao longo do vida do indivíduo.
O corpo é fundamental para a percepção em Merleau-Ponty – é o corpo que se movimenta, que tem sentimentos, emoções, que sente tristeza, alegria, dor. Há sempre um movimento de busca numa intencionalidade encarnada. Piaget mostra o corpo, sem usar esta expressão, sobretudo ao analisarmos o primeiro período de desenvolvimento da criança, no estágio sensório motor. A criança tem um potencial de desenvolvimento, mas ela precisa agir para construir essa percepção e o conhecimento. A criança, experimentando movimentos e sensações, vai organizando-os. Por meio deles ela cria formas de organização; é capaz até, mais ou menos, 18 meses de ter elaborado as relações de causa e efeito, a temporalidade, a espacialidade, a noção de que o objeto pode permanecer em sua ausência.
Merleau-Ponty traz o corpo como fundamental na percepção por uma troca com o meio, mas coloca em evidência a força da intencionalidade, em que se evidência o existencial. Dá o exemplo de um trem em movimento: se estamos no trem e olhamos distraidamente pela janela a paisagem corre em disparada. Por outro lado, se prestamos atenção à paisagem, somos capazes de percebê-la inerte. Na percepção há sempre um movimento interativo, em que entram significados humanos que abrangem e subsumem o cultural.
Para Merleau-Ponty, a linguagem é um dos fatores organizadores da percepção; ela nos ensina a ordenar as coisas e olhá-las de forma diferente. Podemos dizer que ela nos orienta, em um primeiro momento, a organizar objetos, uni-los, separá-los, abstraí-los. Para Merleau-Ponty, o intelectual é um dos fatores organizadores da percepção, mas não o único. Piaget já destaca este como principal ao lado do biológico.
A nosso ver, os dois podem ser olhados como complementares, pois é importante vermos que a criança precisa ser estimulada a agir sobre o meio e que esta ação não é pré-determinada, mas que ela é extremamente rica e inteligente, pois a criança está corporalmente construindo noções que a ajudarão a perceber o mundo de forma mais rica e organizada. Merleau-Ponty, por outro lado, nos chamará a atenção para outros fatores norteadores da percepção, como os sentimentos, a linguagem, a emoção, a cultura. Organização, desorganização e reorganização fazem parte do pensamento da complexidade, e nesse ponto Merleau-Ponty nos ajuda.
IHU On-Line – Em que consiste a fenomenologia da percepção? Nesse sentido, como podemos compreender o falar como expressão do ser na visão de Merleau-Ponty?
Maria Alice de Castro Rocha – A fenomenologia tem por característica a busca do fenômeno, mas de uma forma contínua e aberta, por meio da “consciência de”. Como já destacamos, é uma consciência intencional que se direciona ao mundo. Esta consciência pode abranger o racional, mas não é racional em sua essência. Há aqui um forte componente pré-reflexivo. O ser quando faz algo tem uma intencionalidade na relação com o objeto, mas não necessariamente é capaz de tematizar isso ou saber que o faz.
O objeto, o mundo, estão lá; dão-se de uma forma própria. A coisa em si nunca pode ser conhecida, mas se doa de uma dada maneira e pode ser apreendida por um ser em situação. Esse ser tem uma intencionalidade formada na sua corporeidade, em meio à história, à cultura, à linguagem. A fenomenologia da percepção vai estudar a relação entre o homem capaz de captar o mundo ao seu redor e as coisas em seu entorno que se doam de uma maneira múltipla e própria.
Merleau-Ponty vai estudar essa apreensão, como já foi destacado, por meio de um homem encarnado, isto é, um homem dotado de um corpo, dotado de uma natureza física e biológica que abrange o neurológico, mas que é subsumido pela ordem humana. Essa ordem humana é o que caracteriza o ser em sua existência como homem, como tendo uma intencionalidade, uma corporeidade, como vivendo no presente, banhado no passado e se lançando ao futuro, num vir a ser constante.
Este potencial biológico ajuda o homem a perceber o mundo, mas não isoladamente. A percepção vai se formando ao longo da vida do indivíduo, não no sentido desenvolvimentista de Piaget, mas como se embebendo da cultura, da linguagem, de significados múltiplos que são construídos e desconstruídos.
As palavras fluem do ser
A fala é dos meios de comunicação mais ricos do indivíduo, porque ela permite desenvolver a troca de visões entre os homens e a aquisição de linguagens que, como já colocamos, norteiam nosso olhar. Isso não deve ser visto como um aprisionamento, mas como abertura para buscas e de significados. É um elo operacional entre o ser e o outro, entre o ser e o mundo.
A fala é a concretização da linguagem, ela é para Merleau-Ponty uma ação encarnada. Ela depende de um equipamento anatômico e fisiológico, mas transcende-o, dá-se na expressão com o outro. Para o filósofo, ela permite que o indivíduo se expresse e se constitua, pois ele destaca que as palavras fluem do ser, sem precisar que ele pense e depois fale.
O falar é uma troca intencional com o outro que se dá num mundo-vida, dotado de intenções e significados, mas que tem objetos com seu potencial próprio a ser desvelado. Na fala há uma troca de apreensões que me ajudam a descortinar o entorno.