Edição 373 | 12 Setembro 2011

A trágica e angustiante consciência da finitude da vida

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Graziela Wolfart e Márcia Junges



IHU On-Line – Como ética e política se unem no pensamento de José Luis Aranguren?

José María Aguirre Oraá – Aranguren é um estudioso da moral e, nesse sentido, da ética, de filosofia moral. Um descobrimento que ele faz a partir do que lhe foi transmitido por Xavier Zubiri  é que o homem é constitutivamente moral. A moral não é um ornamento da existência humana; não é um luxo. A existência humana não é como a existência animal. Podemos raciocinar de diferentes maneiras diante de uma mesma situação, porque não temos um comportamento determinado. Evidentemente o homem não é um indivíduo: é um ser social. Ao se comportar moralmente, deve justificar suas preferências. Ao desejar algo não basta dizer “porque sim”. Deve justificar por determinadas razões. E na lógica social e política do homem, enquanto ser social, entra a questão ética. É preciso ver que estruturas sociais e políticas são adequadas para a existência humana. Nesse sentido, surge a democracia e toda a lógica da sociedade. Por isso ética e política são diferentes, mas estão unidas.

IHU On-Line – Qual é o nexo entre esses dois aspectos e as perspectivas do humano nesse pensador?

José María Aguirre Oraá – Uma sociedade realmente humana é aquela em que é preciso construir não um estado de bem-estar, mas um estado de justiça. É preciso saltar de um estado de bem-estar, o que com frequência é defendido pelas perspectivas liberais. O fundamental não é construir um estado formalmente de direito, mas um estado de justiça no qual realmente a democracia política acompanhe a democracia econômica, cultural e social. Mais do que um sistema concreto de governo, a democracia deve ser composta por valores democráticos do povo, que devem ser soberanos, com participação política genuína, espaços de debate político, determinação de valores solidários e fraternos.

IHU On-Line – Esses valores surgem onde? O ser humano os aprende onde?

José María Aguirre Oraá – São valores que os homens aprendem e desaprendem em todos os lugares onde se socializam: escola, bairro, família, meios de comunicação, igrejas, universidades. Tudo depende dos pontos de vista com os quais se depara. As boas famílias são aquelas onde se aprendem valores humanos importantes; o mesmo ocorre com as boas igrejas, boas escolas, boas sociedades. Os poderes econômicos dirigem e dominam nossas vidas e os poderes midiáticos também. Não acreditamos mais no que diz o pai, a mãe, a igreja, o governo, apenas por serem o que são. O sentido crítico e ético do ser humano avançou mais. Não somos mais ingênuos. O que temos é uma crise da autoridade moral das instituições.

IHU On-Line – Gostaria de acrescentar algum aspecto não questionado?

José María Aguirre Oraá – Estou muito contente pela oportunidade de proferir palestras na Sala Ignacio Ellacuría, aqui na Unisinos, pois eu conheci Ellacuría . Estive com ele em dois congressos, já que ele era amigo do meu orientador de tese. Ellacuría me enviou um artigo, que publiquei num livro coletivo em 1989. Creio que foi o último artigo que ele escreveu antes de ser assassinado. Ellacuría conseguiu “latino-americanizar” Xavier Zubiri, seu orientador de tese, porque era seu discípulo. Zubiri dizia que o homem é um “animal de realidades”. Ele busca a realidade, que é complexa, afetiva, com sentido intelectivo. Ellacuría concordou, mas reelaborou a ideia de seu mestre. Para ele, primeiramente era preciso se dar conta da realidade; mas isso seria muito “externo”, como se a realidade estivesse lá e eu aqui. Além de se dar conta, seria preciso incorporar e internalizar essa realidade, afinal, essa realidade é minha. E, em terceiro lugar, colocar-se a serviço desta realidade, ou seja, o que eu posso fazer para modificá-la, no sentido de que essa realidade depende de mim para sua transformação. Ellacuría desenvolveu essas três lógicas de maneira muito criativa. Por isso também o assassinaram, porque ele estimulava as pessoas a se darem conta e a se comprometerem com a justiça e com os pobres.

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