Edição 373 | 12 Setembro 2011

Cidadania: caminho para a concretização das igualdades sociais

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Graziela Wolfart, Rafaela Kley e Thamiris Magalhães



IHU On-Line – De que maneira a Seguridade Social pode ser relacionada ao conceito de cidadania?

Sonia Fleury - A ideia da cidadania supõe uma inserção dos indivíduos na esfera pública através de um conjunto de direitos e deveres e de benefícios que se transformam na área social em benefícios sociais. A cidadania é um principio de igualdade. Na medida em que se criam sistemas libertários de política para que todos possam ter, de acordo com a sua situação, acesso a esses benefícios, há uma materialização da cidadania. A ideia da igualdade é aquela de que, diante da lei, as pessoas terão direitos e deveres conformados e que isso se transformará em mecanismos de proteção social para as necessidades sociais, de acordo com as políticas públicas. Essas seriam formas de materialização da cidadania. É claro que a cidadania envolve um componente físico, que é o componente da cidadania participativa em ação. No caso da sociedade brasileira, nós inovamos muito em relação à concepção de cidadania tradicional. 

IHU On-Line – Os recursos pagos pela Previdência Social são maiores do que os do Fundo de Participação dos Municípios, em quase 70% dos municípios brasileiros. Como a senhora avalia essa situação?

Sonia Fleury – Esse é o mecanismo de distribuição de renda, por um lado, que tem tido impactos econômicos muito importantes porque os grandes municípios e o próprio mercado dependem disso. Este último depende da redistribuição que está sendo feita. Por outro lado, mostra uma incapacidade muito grande dos municípios de gerar renda. Então, por um lado, é bom, porque está redistribuindo e está indo para o interior do Brasil, está fazendo a economia circular, impediu a crise de ter um impacto econômico forte no Brasil, exatamente porque existia redistribuição e, portanto, havia um mercado interno que pudesse consumir. Tanto do ponto de vista social, quanto do ponto de vista econômico, a descentralização dos recursos que antes estavam somente nas grandes metrópoles, chega para o interior através de políticas públicas, para pessoas e municípios pobres e isto é muito importante para homogeneizar melhor o Brasil.

A outra questão é mostrar a dependência muito grande dos municípios do governo central, e isto teve a ver com a liberalidade da criação de municípios, que foram criados sem nenhuma política de sustentabilidade local, ou seja, é preciso criar capacidade destes municípios para o desenvolvimento local para que eles não fiquem a vida inteira atrelados a transferências, sejam elas via fundo de participação, sejam via políticas sociais. Os municípios hoje vivem disto, ou de fundo de participação ou de políticas sociais, mas eles não têm capacidade de geração própria de emprego, de riquezas. E isso não é bom, porque o Brasil segue com essa diferenciação muito grande entre interior e grandes cidades. Mas isto está melhorando porque, na verdade, se observamos as regiões do Brasil, o desenvolvimento, o crescimento maior hoje não é mais no Sudeste nem no Sul, ele é no Centro-Oeste e no Norte. Então, existe uma tendência de crescimento que está sendo levada para outras áreas, mas nós ainda temos a dificuldade de sustentabilidade em termos de projetos locais de desenvolvimento. Uma agenda prioritária do governo seria o desenvolvimento das potencialidades de cada local.

IHU On-Line – A Previdência Social cumpre adequadamente o papel de concessão dos benefícios?

Sonia Fleury - Ainda há muito que se mudar na previdência, porque existe uma parcela muito grande da população, acredito que 40%, que está fora da cobertura. Claro que isso depende do crescimento econômico. Se as pessoas estão no mercado, elas também estão aumentando a sua inclusão no mercado formal e terão cobertura previdenciária. Mas a cobertura previdenciária não pode estar totalmente atrelada ao mercado, senão a política social passa a ser uma política que somente reproduz as desigualdades do mercado. Se olharmos em termos de redistribuição, a não ser nos benefícios para o setor rural, a previdência é a política social menos progressiva, porque ela menos redistribui, ela reproduz. Quem ganha muito vai ter muito, quem ganha pouco vai ter pouco, então ela não é uma política redistributiva, porque ela está muito atrelada ao salário. Eu acredito que se quisermos ter uma política de cidadania mais igualitária na previdência, nós vamos ter que romper, como já se rompeu na área rural, com essa relação entre contribuição e benefício, porque esta é uma relação perversa que preserva a desigualdade através de política social. Então, é preciso encontrar fontes de financiamento que não sejam somente o salário para sustentar a inclusão destes outros 40% que estão fora. É preciso investir mais ainda em políticas que possam incluir na previdência social sem esperar que a pessoa contribua. A sociedade é que tem que contribuir como um todo.
 
IHU On-Line – Por que a política de saúde deve ser tratada como política social?  

Sonia Fleury - A política de saúde é uma política de atenção à vida. Não há cidadania e não há medidas na sociedade se não tiver vida pessoal. Talvez seja a política social por excelência, porque ela diz respeito à possibilidade de viver, não só viver, mas viver humanamente, em boas condições para poder participar da esfera pública. Não se pode pensar em um sujeito que vai ter direitos civis se ele está morrendo. É preciso ter garantida das suas condições, principalmente nos momentos que ele tenha riscos, que as políticas possam prevenir contra estes riscos e dar uma qualidade de vida boa. Além disso, o modelo para o pacto federativo, para os conselhos, para todo o desenho novo da cidadania no Brasil veio do movimento sanitário, da área de saúde. Ela é a única política das políticas sociais que é totalmente universal, portanto está mais ligada ao conceito de cidadania universal, uma vez que não prevê contribuições na previdência, nem que você tenha que provar que está pobre, ela está ligado a sua existência como cidadão. Então, acredito que ela é por essência a política social, além de ser uma política que tem interface com todas as outras, porque se não tiver saneamento, não tiver condições de moradia, não tiver salário, se a pessoa não tiver tudo isso ela não vai viver bem e isso vai afetar a saúde dela.

IHU On-Line – De que maneira a Proteção Social está relacionada ao Welfare State (Estados de Bem-Estar Social)?

Sonia Fleury - O surgimento da proteção social pode ter vários formatos. A ideia da proteção social como o Estado de Bem-Estar Social é quando esta proteção deixa de ser um modelo caritativo assistencial e também corporativo, só de seguro para trabalhadores, para ser, pela primeira vez, um modelo de proteção para a cidadania. Isto que é chamado de Estado de Bem-Estar Social. É, pela primeira vez, assumir que os cidadãos têm direitos sociais e que o Estado deve através de tributos, etc., resguardar estes direitos de proteção social, assim como os deveres de contribuição de quem pode contribuir. Esta é a ideia do Welfare State, ou seja, é um conceito muito vinculado à noção de construção de uma proteção social no modelo de seguridade social, ou seja, de garantia de direitos de acordo, não com contribuições ou de outros vínculos, mas com as necessidades do cidadão, garantidos pelo Estado e por isso se chama Estado de Bem-Estar Social.

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