Edição 372 | 05 Setembro 2011

"O Brasil não precisa do capital externo. O capital se faz em casa"

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Graziela Wolfart



IHU On-Line – Em que medida a crise bancária de 2008 contribuiu para a crise financeira atual?

Luiz Carlos Bresser-Pereira – A crise bancária de 2008 é a crise financeira atual. As crises financeiras são de dois tipos. Ou são crises bancárias – típicas de países ricos, onde são os bancos que quebram porque emprestaram demais – ou são de outro tipo, mais típicas de países em desenvolvimento, como o Brasil, que não têm moeda reserva, que são crises de balanço de pagamentos. Ou seja, esses países tomam emprestado – tanto o governo, como as empresas – em moeda estrangeira. E tomam emprestado demais. E aí, num certo momento, os credores, todos felizes, fazendo entrar capital aqui, perdem a confiança no país e suspendem a renovação da dívida. Foi isso que aconteceu em 1998 e depois se repetiu em 2002 aqui no Brasil. Daí temos a quebra do país; um desastre. Então, a crise de 2008 foi financeira e bancária, nos Estados Unidos e depois na Europa.

IHU On-Line – Por que afirma que “a economia real não está ajudando as finanças americanas saírem do buraco, mas definitivamente não justificam nova crise financeira”?

Luiz Carlos Bresser-Pereira – Surgiu uma expressão de que os Estados Unidos e a economia americana estão ameaçados por um duplo mergulho, no caso, a crise. Houve um mergulho em 2008 e haveria agora uma outra recessão, em 2011 ou 2012. Isso faria com que as ações caíssem fortemente, num clima de crise geral. Eu digo que até é possível que a economia americana entre em recessão. Como ela ainda não saiu da crise e está crescendo muito pouco, caso o crescimento ainda baixar e passar a um índice de 0,5% negativo ao ano, tecnicamente entrará em recessão. Mas isso não justifica entrar numa crise financeira e bancária novamente. Não há razão para isso.

IHU On-Line – Para o cenário financeiro global, a crise do euro impacta mais do que a crise nos EUA?

Luiz Carlos Bresser-Pereira – A crise do euro é mais perigosa. No caso da crise do euro, é uma crise estrutural e decorreu do fato de que nesses últimos 15 anos a Alemanha aumentou fortemente a produtividade das suas empresas e não aumentou os salários. Enquanto que nos países do sul da Europa a produtividade aumentou menos e esses países continuaram a aumentar salários. Resultado – esses países ficaram caros e os salários ficaram caros em euros. A taxa de câmbio implícita entre eles apreciou na Grécia, na Espanha, em Portugal e na Irlanda. E as empresas acabam não tendo mais condições de exportar para a Alemanha, para a França ou para a Holanda, enquanto que estes países continuam exportando para os primeiros países, que entraram em déficit e se endividaram, no caso, o setor privado. A forma clássica de sair dessa crise é depreciar a moeda, mas eles não têm moeda para depreciar. E estão numa armadilha. Inicialmente apoiei muito o euro, porque apoio muito a ideia da União Europeia, mas tive que reconhecer que, infelizmente, o euro está criando mais problemas para os europeus do que soluções.
 
IHU On-Line – Qual o futuro do euro e do dólar a partir da crise financeira atual?

Luiz Carlos Bresser-Pereira – O dólar vai continuar por muito tempo ainda a ser a moeda reserva principal do mundo. O euro está com a sua existência ameaçada. Creio que ele vai sobreviver. Para que isso aconteça, é preciso que os alemães e holandeses resolvam investir mais nessa história. Isso significa, por exemplo, criar os euro-bônus, que reduziriam a taxa de juros que Grécia ou Portugal pagam, mas aumentaria a taxa de juros que a Alemanha paga. E a Alemanha não quer isso. Ela quer a vantagem de poder exportar para toda a região do euro sem nenhuma barreira e não quer pagar os custos disso. Ela vai ter que pagar, ou então o euro vai terminar. Deixar que a coisa se resolva simplesmente através de um ajuste fiscal ainda maior nesses países que já estão fazendo ajuste fiscal não vai funcionar.

IHU On-Line – O que pensa sobre a estatização da dívida privada como alternativa para a crise? Quem mais sofre as consequências?

Luiz Carlos Bresser-Pereira – Essa estatização já aconteceu na Irlanda, onde o setor público devia, antes da crise, 25%. Hoje, deve 100%, porque foi salvar os bancos com o dinheiro público. De modo geral, essa é a tendência a acontecer nos outros países. A estatização da dívida é muito injusta para os contribuintes, para os pobres que pagam mais impostos do que os ricos. Mas é uma solução. Isso pode ser feito em duas etapas: estatiza-se a dívida e depois se deprecia a dívida, através de um processo de quantitative easing, de emissão de moeda, ou se diminui a dívida a partir de um processo de reestruturação.

IHU On-Line – Como caracteriza o tipo de intervenção que o Estado brasileiro tem feito na economia neste cenário de crise?

Luiz Carlos Bresser-Pereira – Quando houve a crise de 2008, o Banco Central brasileiro agiu muito mal, aumentando a taxa de juros, o que foi um escândalo, uma incompetência absoluta. Mas o Ministério da Fazenda agiu bem e expandiu a despesa pública. Além disso, determinou que o Banco do Brasil, o BNDES e a Caixa Econômica Federal aumentassem os seus empréstimos, de forma que isso foi contracíclico e foi muito bom. O Brasil teve crescimento zero em 2009. Teria tido um crescimento maior se o Banco Central não tivesse sido tão incompetente. Amplamente falando, o Brasil não vai bem. As perspectivas do país hoje são muito modestas, porque nesses últimos anos nós apreciamos muito nossa taxa de câmbio e isso está destruindo a indústria brasileira de transformação; estamos nos transformando numa grande fazenda, o que é um absurdo completo e vem acontecendo desde 1992, quando o Brasil se abriu financeiramente e deixou de ter controle sobre a entrada e a saída de capital. A partir de então, deixamos de neutralizar a doença holandesa .

IHU On-Line – É hora de defender um nacionalismo econômico no Brasil?

Luiz Carlos Bresser-Pereira – Sempre é. O nacionalismo econômico é a ideologia da formação do Estado-nação. Vivemos num mundo constituído não mais de impérios e colônias, mas de Estados-nação ou países. E o nacionalismo é a ideologia que diz que cada Estado-nação deve tratar de cuidar dos seus interesses, ao mesmo tempo em que nos fóruns internacionais, especialmente das Nações Unidas, eles procuram cooperar entre si. Todos os países ricos são nacionalistas do ponto de vista econômico. Isso significa acreditar que é dever do seu governo defender o trabalho, o conhecimento e o capital nacionais, para depois cooperar com o resto do mundo. Aqui no Brasil há muitos políticos e grande parte da elite brasileira que acham que não há diferença entre capital nacional e estrangeiro. Isso é dependência. Há uma segunda condição – para ser nacionalista é preciso acreditar que, para executar essa tarefa, é necessário usar a própria cabeça e não seguir conselhos, sugestões e pressões que vêm do exterior. Afinal, os países ricos são nossos concorrentes hoje.

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