Edição 369 | 15 Agosto 2011

O problema da indução e suas incursões devastadoras

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Márcia Junges



IHU On-Line – O que essa concepção altera na compreensão da ciência moderna?

Eduardo Barra – Infelizmente, as ideias de Hume não tiveram grande repercussão na sua época. Demorou mais de um século para que surgisse uma nova reflexão sistemática sobre a ciência – a filosofia da ciência, conforme a conhecemos hoje – para que suas ideias fossem novamente recuperadas. No início dos anos 1920, o principal expoente do então nascente positivismo lógico, Rudolf Carnap (1891-1970), reivindicou uma certa concepção da causalidade que fazia referência direta aos resultados de Hume. Recomendava ele que se deveriam abandonar todas as questões “concernentes à ‘essência da causalidade’, que transcende a afirmação de certas regularidades de sucessão”.
É óbvio que muito do que eu mesmo disse antes pode servir para corroborar essa concepção da causalidade como mera “regularidade de sucessão”. Muitos comentadores de Hume têm hoje em dia defendido que isso é tudo o que o filósofo escocês quis dizer sobre a causalidade. Eu não concordo com essa leitura que identifica a causalidade humeana à mera regularidade. Mas não quero polemizar diretamente com ela aqui. Quero aproveitar a pergunta que me foi proposta para defender que Hume deveria ter uma visão um pouco mais rica da causalidade, no mínimo para que as suas análises pudessem ser de alguma relevância para enfrentar os desafios colocados pela ciência do seu tempo.

Hume e os newtonianos
Um dos grandes problemas conceituais enfrentados pela ciência à época de Hume era explicar a natureza da força gravitacional. A teoria da gravitação universal, a invenção genial do físico, matemático e filósofo britânico Isaac Newton (1643-1727), apesar de explicar e resolver um grande número de problemas de extrema complexidade, deixara esta questão em aberto: qual a causa da gravidade que faz os corpos se atraírem a distâncias gigantescas como aquela que separa a Terra do Sol? De nada adiantaram os esforços do próprio Newton e de seus primeiros discípulos para dissuadir os seus críticos da urgência de responder a essa pergunta. Ela foi certamente a principal dificuldade enfrentada pela teoria newtoniana logo após a sua publicação, em 1687.

Não creio que seja uma distorção flagrante encarar a teoria da causalidade desenvolvida por Hume como uma resposta ao problema no qual se enrendaram os newtonianos. A demanda por uma explicação da causa da gravitação vinha principalmente dos filósofos continentais simpáticos ao mecanicismo cartesiano. É um princípio do mecanicismo que toda fonte de eficácia e mudança na natureza deve provir diretamente da natureza da matéria inerte ou de alguma ação externa supranatural, isto é, de Deus. A teoria humeana da causalidade funciona como uma contenção a tais tipos de pretensões, que inevitavelmente envolvem o conhecimento da essência da matéria, além do conhecimento da natureza de um ser dotado de poderes sobrenaturais para agir sobre o mundo.

Por outro lado, entretanto, discordo daqueles que veem na redução da causalidade à mera regularidade a última palavra de Hume sobre o assunto. Concordo que é difícil expressar com o seu próprio vocabulário a sua própria concepção de causalidade que preservasse algum sentido para a atribuição de eficácia ou de qualidades produtivas aos objetos identificados como causas ou, em outras palavras, que mantivesse uma metafísica mínima da causalidade. Portanto, creio ser inevitável recorrer a Kant para encontrar um modo de expressar aquilo que Hume parece jamais recusar: certas coisas, que de modo algum podemos conhecer, podem – e devem – ser ao menos pensadas. Não foi por acaso que a derradeira preocupação de Hume com respeito à causalidade foi justamente esclarecer as condições de sua inteligibilidade para nós – aquilo que ele considerou como sendo a investigação sobre a origem da ideia de conexão necessária.

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