FECHAR
Enviar o link deste por e-mail a um(a) amigo(a).
Patricia Fachin e Márcia Junges
“Os jovens alunos bolsistas não vivenciam a vida acadêmica em sua totalidade, devido às injunções pertinentes à sua condição socioeconômica cultural que impedem que isso aconteça na realidade concreta. O processo de inclusão acadêmica, mesmo para os alunos que têm bolsa de estudos na universidade, não se dá de forma completa. Por isso, entendemos que a sua permanência na formação superior é intranquila e que o processo de inclusão é ilusório, diferentemente do que o sistema de ensino superior brasileiro preconiza e defende, isto é, que o jovem bolsista, por ter uma bolsa de estudos, tem assegurada sua total inclusão acadêmica na universidade comunitária”. As conclusões fazem parte da entrevista a seguir, concedida por Maria Aparecida Marques da Rocha na entrevista que concedeu por e-mail à IHU On-Line, sobre seu livro Processo de Inclusão Ilusória: a condição do jovem bolsista universitário (Jundiaí: Paco Editora, 2011).
Maria Aparecida é graduada, especialista, mestre e doutora em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS com a tese que acaba de ser convertida em seu presente livro. É autora de Creche para crianças de até dois anos: o que pensar (Porto Alegre: Da Casa Editora, 1997). Atualmente, leciona na Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – A partir da sua pesquisa, quais suas conclusões em relação ao acesso e permanência do jovem bolsista no ensino superior?
Maria Aparecida Marques da Rocha – As conclusões são sempre preliminares; não são um ponto final. Significam um arremate num determinado tempo e espaço. Com base nos dados analisados do estudo, concluímos que os jovens alunos bolsistas não vivenciam a vida acadêmica em sua totalidade, devido às injunções pertinentes à sua condição socioeconômica cultural que impedem que isso aconteça na realidade concreta. O processo de inclusão acadêmica, mesmo para os alunos que têm bolsa de estudos na universidade, não se dá de forma completa. Por isso, entendemos que a sua permanência na formação superior é intranquila e que o processo de inclusão é ilusório, diferentemente do que o sistema de ensino superior brasileiro preconiza e defende, isto é, que o jovem bolsista, por ter uma bolsa de estudos, tem assegurada sua total inclusão acadêmica na universidade comunitária. Compreendemos que tal premissa se dê aparentemente de forma simplista, havendo a necessidade de se fazer uma leitura crítica sobre essa situação que reflete uma das expressões da questão social. Ter bolsa de estudos não constitui para o jovem bolsista um “porto seguro” para permanecer na universidade, haja vista os discursos dos estudantes que revelam em cada pronunciamento a necessidade que têm de buscar recursos financeiros, para manterem-se estudando. Além disso, ao olharmos o ensino superior brasileiro e o segmento juvenil, fica uma certeza: falta muito ainda para que políticas públicas mais amplas possam ocorrer no sentido de açambarcar essas outras necessidades que se mostram como impeditivos de uma plena inclusão acadêmica.
IHU On-Line – Como avalia as bolsas universitárias como Filantropia e o Programa Universidade para Todos, ProUni? Elas são compreendidas como um processo de inclusão ou inclusão ilusória?
Maria Aparecida Marques da Rocha – Entendo que o acesso ao ensino superior via o sistema de bolsas de estudo no caso Filantropia e ProUni é válido como um aporte importante, como oportunidade de ingresso e permanência dos jovens provenientes das classes de menor poder aquisitivo da população brasileira. Contudo, discordo do fato de que apenas o fato de o jovem ter uma bolsa de estudos assegure sua total inclusão na universidade, como geralmente é preconizado e defendido pelo sistema de ensino superior brasileiro.
IHU On-Line – Que foco as políticas públicas poderiam ter para incluir os jovens na universidade?
Maria Aparecida Marques da Rocha – O sistema de educação de um modo geral, e especificamente o ensino superior, necessita da criação e gerenciamento de políticas públicas socioeducacionais consistentes, em que sejam levadas em conta não apenas as necessidades reais destes jovens que buscam na formação superior a possibilidade de ascensão social, mas também a garantia de seu direito ao desenvolvimento como ser humano mais completo, que busca conhecimento e realizações mediante a continuidade dos estudos. O fato de uma considerável parcela da população brasileira ter baixo poder aquisitivo faz com que os jovens, provenientes destes extratos da população, não tenham como escapar de tal situação, necessitando de bolsas de estudos, bem como de auxílio para locomoção e alimentação. Ainda assim para muitos, estas condições não seriam as mais favoráveis. Provavelmente, se uma parcela deste segmento jovem da população estivesse estudando em universidades públicas, permaneceria com algumas destas dificuldades, devido à pauperização da população.
IHU On-Line – Como avalia o processo de inclusão nas universidades brasileiras? Desde a formação das universidades no país, percebe avanços?
Maria Aparecida Marques da Rocha – A democratização do ensino superior, nos últimos anos, tem apresentado alguns avanços. Entretanto, as formas de acesso e permanência do jovem neste nível de ensino apresentam inúmeras limitações, principalmente daqueles oriundos das classes populares. Mesmo com iniciativas do MEC como o ProUni, Reuni , ações afirmativas entre outros, ainda assim é desalentador o tamanho da exclusão universitária. A permanência na universidade e sua conclusão com sucesso, tanto na universidade pública como privada, apresenta exigências de custeio que vão além do pagamento de matrícula e mensalidades, ficando, então, mais acessível àqueles que provêm das classes média e alta da sociedade. Cabe aos demais, devido à insuficiência de recursos financeiros, buscarem apoios nos sistemas de benefícios aos estudos superiores oferecidos pelo governo federal, estadual e municipal, ou mesmo às próprias instituições superiores de cunho privado, convertidos em programas de financiamentos ou bolsas de estudos parciais ou integrais. Nota-se que os recursos existentes são insuficientes para o grande contingente de estudantes dos cursos de graduação que buscam esses recursos.
IHU On-Line – Quais os desafios da educação universitária no Brasil?
Maria Aparecida Marques da Rocha – Os desafios da educação universitária são muitos e merecem ser analisados com a devida atenção. Verifica-se uma explosão de demanda pelo ensino superior no Brasil, consequência do aumento no número de alunos matriculados e concluintes no ensino médio. Essa elevação da demanda provoca uma violenta pressão na sociedade pelo aumento de vagas na educação superior. Mesmo com uma grande expansão do ensino superior brasileiro, principalmente entre os anos de 1989 e 2002, não foi possível cumprir a meta prevista no Plano Nacional de Educação – PNE, que é de ter 30% dos jovens com idade entre 18 e 24 anos matriculados na educação superior. Enfim, a necessidade de incremento substancial de recursos financeiros em políticas socioeducacionais mais bem definidas e comprometidas é o caminho possível para a reversão do quadro a médio e longo prazo. Fato que só poderá ocorrer com decisões políticas realmente comprometidas com o desenvolvimento do país e que visem à concretização de justiça social.
IHU On-Line – Em que consistiria, na sua avaliação, uma universidade inclusiva?
Maria Aparecida Marques da Rocha – Quando ela trata a educação como um direito, levando em conta a emancipação do sujeito. No Brasil do século XXI ainda somos carentes quanto ao respeito das necessidades básicas, como saúde, segurança, moradia, educação, embora – mesmo que se constituam em direitos – ainda estejam no patamar de serem minimamente cumpridos. Portanto, são desrespeitados, apesar de toda a legislação social vigente que ampara, justifica e preconiza-os num Estado democrático.
É necessário que se estabeleçam metas para haver maior acesso e permanência com sucesso das populações de menor poder aquisitivo, como ocorre em outros países em desenvolvimento e desenvolvidos, sob pena de avançarmos muito lentamente, num mundo que se transforma rapidamente. O governo reconhece que a tarefa é árdua, uma vez que está condicionada à conjuntura social e econômica, além da vontade política.
IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?
Maria Aparecida Marques da Rocha – O estudo realizado resultou no livro Processo de Inclusão Ilusória: o jovem bolsista universitário, e trabalhou com o conhecimento gerado pela existência de dois conceitos de moratória juvenil, vital e social. Entendo que estes conceitos podem transformar-se em importante aliado quanto ao uso de critérios para pesquisas futuras sobre juventude, bem como para a organização de políticas sociais voltadas à juventude, uma vez que se torna mais presente e clara a ideologia que permeia a produção sobre juventude. Por fim, o livro compartilha um conhecimento específico sobre aqueles jovens que têm bolsa de estudos e que, ao olhar de muitos, se mostram como sujeitos tidos por “terem muita sorte”, devido à bolsa de estudos. Calcadas na pesquisa realizada, entendo que ela não nega isso, mas nos remete a ir além, quando possibilita a discussão de qual é a real qualidade desta inclusão, atenta aos condicionamentos pertinentes à condição de juventude no Brasil, uma vez que leva o jovem bolsista das classes de menor poder aquisitivo a ingressar mais rapidamente no mundo adulto.