Edição 366 | 20 Junho 2011

Uma nova classe média sem religião?

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Graziela Wolfart



IHU On-Line - Quais os anseios dos jovens de classe média hoje que poderiam ser atendidos pelo âmbito religioso?

Jorge Cláudio Ribeiro – Meus alunos são de uma universidade particular, razoavelmente cara, tradicional, e eles não são “nova classe média”. Pelo contrário, são tipicamente classe média. E pela minha pesquisa, que se desenvolveu na PUC-SP, o que percebemos é que entre as questões que mais interessam aos jovens na faixa de 17, 18 anos, é, primeiro, a família; segundo, os amigos; terceiro, o ingresso na universidade; em penúltimo lugar a política, e em último lugar as religiões. A questão que eles dão menos importância é que a religião deles é a única verdadeira, o que significa que, para eles, há outras fontes de verdade que não só a religião e não só a religião dele ou dela. Pode ser que esses meus alunos de classe média consolidada mostrem uma tendência do futuro perfil espiritual e religioso da “nova classe média”. Mas isso é questionável. Outra coisa interessante é que a maioria das pessoas dessa “nova classe média” é de mulheres. As mulheres, por uma série de fatores históricos, psicológicos, têm uma abertura maior para os aspectos religiosos. Pode ser que ainda se mantenha, em grande parte, o teor religioso, mas não necessariamente formal, convencional, mas uma forma de religiosidade mais livre, graças às mulheres das novas classes médias que estão surgindo.

IHU On-Line - O senhor acredita que a ascensão social de milhares de brasileiros enfraquecerá as religiões neopentecostais?

Jorge Cláudio Ribeiro – Sim, porque essas religiões deveram seu sucesso a uma pauta de prosperidade, de religião individualizada, ligada ao pequeno grupo. Na medida em que a pessoa, até graças à religião, atinja esse patamar, ela vai querer mais da vida, terá mais exigências de tipo ético, litúrgico, buscará algo mais racional do que simplesmente acreditar no seu líder, seu pastor ou padre. O novo mundo vai se alargar, com acesso a viagens, ao consumo, e isso trará questões para as quais a religião anterior não estava aparelhada.

IHU On-Line - Como conciliar, no mesmo discurso, os preceitos da Igreja e a valorização do consumo?

Jorge Cláudio Ribeiro - Não sei. Não sou bispo! Embora a Igreja Católica tenha um nível de consumo altíssimo, já que a Igreja é muito rica, ela faz outro tipo de consumo. O Vaticano e as congregações religiosas não têm um consumo de tipo individual, ostentatório, mas têm uma riqueza inegável. Ninguém reúne um bilhão de pessoas sem ter que gastar ou investir muito dinheiro para isso. Talvez a Igreja Católica quis estar nesse ambiente de consumo, mas a médio e longo prazo, e não a curto prazo que, no fundo, é algo meio suicida, meio burro, e aqui falo como alguém da classe média antiga. A acumulação de cultura - e a Igreja Católica tem uma competência antiga na área da educação - poderia abrir para um tipo de ensino que é de boa qualidade, mas voltado para as classes populares ou classes médias, que teriam interesse. A pessoa consome de forma ostentatória porque só vê isso. Se ela, porém, tiver outras oportunidades ou o ensino que não seja convencional, ela poderá mudar de postura. E a Igreja Católica terá o que oferecer para a sociedade. Por outro lado, os jornalistas cuja especialidade é a Igreja Católica têm que desencanar um pouco da ideia de que a Igreja está perdendo fiéis.

IHU On-Line - Qual deve ser o papel da comunicação e do jornalismo nesse debate?

Jorge Cláudio Ribeiro - Os jornalistas deveriam se informar mais. Tradicionalmente, o jornalismo, como classe profissional dotada de certa cultura, é cético. A obrigação dele é ser cético, é duvidar, perguntar, não pode se restringir ao papel de “moleque de recados”. O jornalista não transmite simplesmente, ele tem que questionar. Esse ethos cético impacta com o ethos crente das religiões. Então, os jornalistas não gostam muito das religiões. Mas não têm que gostar ou desgostar. Trata-se de uma realidade social, que deve ser levada em conta. Há um alto índice de pessoas que se dizem ateias no curso de jornalismo, mas pelo menos tinham que ter um respeito maior e isso implica conhecimento. Muitas vezes sou entrevistado e o jornalista não tem preparo nenhum nessa área. É preciso buscar as raízes profundas do tema. Os jornalistas precisavam ser como os médicos, ter estudo permanente e o material com que eles trabalham no seu cotidiano nem sempre permite esse aprofundamento, porque num dia ele está fazendo uma coisa e no outro dia está fazendo outra. É saudável que o jornalista não acredite em tudo, não seja uma pessoa crente como profissional – como pessoa ele faz o que quiser. Mas tem que ser uma pessoa questionadora, com dúvidas bem fundamentadas por estudo e conhecimento.

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