Edição 365 | 13 Junho 2011

TV Digital: o futuro está chegando, mas e a democratização?

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Carine Prevedello

A preparação para a implantação da televisão digital no Brasil inicia ainda no final dos anos 1990, com as primeiras discussões políticas e estudos preliminares para definir o padrão tecnológico de transmissão a ser adotado no país.

Por Carine Prevedello*


A preparação para a implantação da televisão digital no Brasil inicia ainda no final dos anos 1990, com as primeiras discussões políticas e estudos preliminares para definir o padrão tecnológico de transmissão a ser adotado no país. Em 1998, no governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, a Universidade Mackenzie, de São Paulo, através de um convênio com a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão – Abert e com Sociedade Brasileira de Engenharia de Televisão - SET, inicia as pesquisas com tecnologia da empresa de eletrônicos NEC Brasil. Entretanto, a ausência de discussão com a sociedade civil e a pressão dos países e empresas exploradores dos padrões norte-americano (ATSC) e europeu (DVB) fizeram com que o primeiro governo Lula empreendesse novas negociações e estudos sobre o padrão tecnológico de televisão digital. Em 2003, o governo federal edita o Decreto 4901, estabelecendo o Sistema Brasileiro de Televisão Digital – SBTVD, que tem, entre seus objetivos, estimular a diversidade cultural, propiciar a expansão da tecnologia e da indústria brasileiras ligadas à comunicação, e facilitar o acesso de redes não hegemônicas ao padrão digital.

A inserção de oito universidades brasileiras e um investimento de 60 milhões de reais em pesquisa, somados à pressão das maiores redes comerciais de televisão, acabam por referendar, em 2006, a escolha pelo ISDB, o modelo japonês. É neste ano que Brasil e Japão assinam um memorando de implementação do SBTVD-T, e é publicado o Decreto 5820, que oficializa a decisão e estabelece uma série de critérios favoráveis à manutenção do monopólio do interesse comercial também na televisão digital brasileira. Pelas diretrizes do Decreto 5820, as emissoras comerciais já detentoras de concessões na televisão aberta ganham a renovação automática para a operação no sistema digital, com permissão de dez anos a partir de 2016, ano definido como data limite para a migração total das transmissões analógicas da televisão aberta. A renovação é feita sem que sejam estabelecidos quaisquer critérios de regulação da programação a ser oferecida pelas emissoras em sinal digital, e nem qualquer outra contrapartida.
Em 2 de dezembro de 2007, acontece a primeira transmissão em tecnologia digital no Brasil, em uma cerimônia realizada em São Paulo, com pronunciamento do então presidente Lula. As principais emissoras locais (Globo, Record, SBT, Rede TV!, Band, TV Gazeta e TV Cultura), já com estrutura tecnológica instalada, transmitem a solenidade. A partir daí, as principais capitais do país passam a receber programação digital disponibilizada pelas grandes redes. Rio de Janeiro e Belo Horizonte foram as seguintes, pouco menos de seis meses depois, com transmissões da Rede TV!, precursora nas duas capitais, seguida da Globo. As afiliadas regionais da maior rede de televisão do Brasil passam então a dar rápida sequência à digitalização nos demais estados, complementando a cobertura nacional na seguinte ordem: Goiânia, Curitiba, Porto Alegre, Salvador, Campinas e Cuiabá, todas em 2008, entrando as capitais restantes a transmitir em sinal digital no ano de 2009. É neste ano que se registra a abrangência quase total das capitais brasileiras com televisão digital, maciçamente através das retransmissoras regionais da Rede Globo, mas com um avanço significativo também da Record.

Passados cinco anos da assinatura do Decreto 5820, a preservação do interesse econômico produziu efeitos significativos. A abrangência do sinal digital atinge todas as capitais brasileiras, através das emissoras comerciais, predominantemente Rede Globo (24) e Record (16), presentes conjuntamente em praticamente todos os estados, acompanhadas pela Bandeirantes (11) em terceiro lugar na cobertura geográfica de televisão.
A única rede não comercial em transmissão digital nas capitais é a TV Brasil, emissora pública, criada pelo governo federal em 2007. É através da Empresa Brasil de Comunicação – EBC, uma sociedade de economia mista que administra a TV Brasil, que o governo Lula concretizou uma das mais esperadas diretrizes para o avanço da democratização na televisão brasileira: a instituição de uma emissora pública com pretensão de independência, inspirada no modelo da BBC de Londres. Um dos principais projetos da EBC é estruturar a Rede Pública de Televisão, que iniciou a transmissão conjunta da programação da TV Brasil em maio de 2010, reunindo 17 emissoras públicas estaduais, entre universitárias e educativas. A primeira grade constava de dez horas de programação em rede nacional, sendo quatro horas abastecidas com programas das afiliadas regionais. No total, a cobertura atingia, à época, 23 estados e um público de mais de 100 milhões de telespectadores de televisão aberta, mas com expansão já confirmada a partir de 2011, com a integração da TVE do Rio Grande do Sul, que não integrava o grupo por desavenças políticas da então governadora.

A iniciativa marca o resultado de uma decisão política por investimento no resgate e estruturação de uma rede pública e nacional de televisão, que se encontrava em decadência no país com a falta de investimentos nos canais educativos estaduais. Entretanto, para que esse grupo represente alternativa na televisão digital, os investimentos em atualização tecnológica e capacidade de transmissão terão de ser audaciosos até 2016. A questão do financiamento da transição permanece, desde as primeiras discussões acerca da digitalização da televisão aberta no Brasil, como um dos principais obstáculos à efetivação de uma programação que atenda aos valores da cidadania, da promoção da diversidade e das características regionais, conforme preconizava o decreto instaurador do SBTVD.

* Carine Prevedello é jornalista, mestre em Comunicação (Universidade Federal de Santa Maria), doutoranda em Comunicação (Universidade do Vale do Rio dos Sinos), integrante do Grupo de Pesquisa Comunicação, Economia Política e Sociedade – Cepos.

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