Edição 365 | 13 Junho 2011

“Não é possível explicar o Brasil sem floresta”

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Patricia Fachin e Rafaela Kley



IHU On-Line – Como vê as mudanças no novo Código Florestal em relação às áreas de preservação permanente das florestas? O que atual texto revela sobre a posição ambiental brasileira?

Clayton Ferreira Lino – O atual texto do Código Florestal demonstra que alguns setores da sociedade ainda são muito retrógrados e não pensam o Brasil no século XXI. Pelo contrário, continuam pensando o país do século XIX. Para eles, a discussão atual é sobre a questão de conservação versus desenvolvimento. Esse debate já está ultrapassado: não é possível fazer conservação sem desenvolvimento, nem desenvolvimento sem conservação. No texto do Código Florestal prevalece a ideia de crescimento econômico a qualquer custo, de uma forma predatória e imediatista. Infelizmente, esse pensamento ainda é muito expressivo no Brasil, porque os setores que defendem essa política detêm o poder econômico e estão aliados ao agronegócio, um dos setores mais ricos do país. Além disso, muitos deputados não têm compromisso com a questão socioambiental

Código para a agricultura

O Código Florestal foi feito para a agricultura e não para o meio ambiente. Em 1965, o primeiro Código Florestal Brasileiro objetivava conservar a qualidade do solo, da água, do clima para a propriedade rural, para evitar riscos de perdas de safras por enchentes, desmoronamentos. Portanto, a legislação tem uma base técnica científica inquestionável. Se alguém retirar a mata ciliar da beira do rio, por exemplo, é obvio que vai gerar erosão, assoreamento e, consequentemente, aumentarão as enchentes. O relatório do deputado Aldo Rebelo  trata a questão ambiental como se fosse uma equação matemática: tal área é útil ou inútil. Para ele, proteger encostas significa perder área de cultivo agrícola e pecuário; diminuir a proteção na beira dos rios significa colocar mais áreas para a produção, como se a natureza não tivesse limites.
O atual texto também tenta reduzir de 30 para 15 metros a beira dos rios. Vale lembrar que as pessoas que morreram nas enchentes em Petrópolis e Teresópolis moravam dentro deste limite de 30 metros. Então, ao reduzir essa medida, aumenta-se o risco.

IHU On-Line - Qual a importância das florestas como patrimônio natural e cultural?

Clayton Ferreira Lino – As florestas tropicais ocupam pouco mais de 7% da superfície terrestre, mas abrigam mais de 50% de todas as espécies que existem no Planeta. Elas são o grande reduto da diversidade biológica. Como parte da natureza, dependemos dela para tudo: construir nosso abrigo, alimentos, remédios. Costumo dizer para as pessoas visitarem a Mata Atlântica nas suas casas: basta abrir a geladeira para encontrar o caju da Mata Atlântica, maracujá, licor de jabuticaba, pizza de palmito – a palmeira do palmito se chama jussara e é uma planta da Mata Atlântica. Os móveis e as cadeiras são feitos de araucárias da Mata Atlântica. A floresta está no nosso dia a dia e não percebemos. Além disso, a Mata Atlântica assegura a qualidade e a quantidade da água para 112 milhões de pessoas, quer dizer, dois terços da população brasileira dependem da floresta para consumir água de qualidade. A Mata Atlântica é uma das mais belas florestas do Planeta. Regiões como Rio de Janeiro, Fernando de Noronha, sul da Bahia, Foz do Iguaçu têm Mata Atlântica. A floresta é um patrimônio extremamente rico e precisa ser valorizado como tal. Ela é essencial para as nossas vidas. Não é possível explicar o Brasil sem floresta. Costumamos dizer que este é o país do futebol, do carnaval, da praia, e esquecemos de falar que também é o país da floresta. Nossa própria identidade cultural está associada a este tipo de ecossistema.

IHU On-Line - É possível estabelecer uma agenda comum para a conservação das florestas brasileiras?

Clayton Ferreira Lino – Sim. Esta é a nossa única opção. O Brasil precisa dessa agenda comum, precisa amadurecer em termo de compromissos ambientais. Temos de parar de desperdiçar este patrimônio gigantesco. Precisamos dialogar, ter bom senso, compromisso com o futuro.  No próximo ano, o país vai sediar a Rio+20 e espero que até lá possamos mostrar avanços efetivos na área florestal. O Brasil teve grandes avanços nestas últimas décadas e criou áreas protegidas. Contudo, vive agora um momento de pressão e retrocesso. 

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