FECHAR
Enviar o link deste por e-mail a um(a) amigo(a).
Patricia Fachin
A destruição das florestas brasileiras está enraizada na história econômica do país e a exploração do meio ambiente iniciou há mais de 500 anos, quando o Brasil ainda era colônia de Portugal. De acordo com Martinelli, os ciclos de substituição da floresta pela agricultura começaram na Mata Atlântica, com a extração do “Pau-Brasil pelos Portugueses, depois veio a cana no Nordeste. No Sudeste, a primeira grande cultura foi o café, depois tivemos uma breve fase com algodão, sucedida pelas pastagens e agora voltamos à cana. Na Amazônia, grandes áreas de florestas foram substituídas por imensas pastagens e mais recentemente chegou a soja que é cultivada de norte a sul no país”, assinala. Na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line, o pesquisador diz que o Brasil se transformou em um grande produtor e exportador de alimentos, mas desenvolveu a “agricultura sem os devidos cuidados ambientais”. Para ele, a expansão agrícola na floresta amazônica tem causado a “perda de um patrimônio genético que demorou milhares de anos para ser construído em troca de um ganho econômico e social baixíssimo”. E acrescenta: “Para a sociedade brasileira, simplesmente não tem valido a pena desmatar a Amazônia”.
Luiz Antonio Martinelli é mestre em Energia Nuclear na Agricultura e doutor em Solo e Nutrição de Plantas pela Universidade de São Paulo – USP. Cursou pós-doutorado pela Universidade de Washington e é livre-docente pela USP com a tese A bacia amazônica: ciclos naturais e mudanças no uso da terra. Atualmente, leciona no Centro de Energia Nuclear na Agricultura, Divisão de Funcionamento de Ecossistemas Tropicais Laboratório de Ecologia da USP.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - As mudanças climáticas estão interferindo no funcionamento dos ecossistemas tropicais. Pode citar alguns exemplos ocorridos nas florestas brasileiras?
Luiz Antonio Martinelli - Devido à complexidade dos ecossistemas tropicais e principalmente devido à falta de medidas, não podemos ainda afirmar que as mudanças climáticas estejam interferindo nos ecossistemas tropicais terrestres. Por outro lado, existem já provas mais definitivas sobre o aumento da concentração de CO2 nos oceanos tropicais, levando a um decréscimo no pH que, por sua vez, causa sérios danos aos bancos de corais que são extremamente diversos em formas de vida.
IHU On-Line – Mas as mudanças climáticas têm interferido no crescimento habitual das florestas?
Luiz Antonio Martinelli - Essa é a pergunta do momento, pois não se sabe ainda se o aumento de CO2 e a deposição de nitrogênio em áreas tropicais levariam a um aumento na biomassa ou se haveria uma perda de biomassa em nossas florestas. A complexidade dessas áreas é muito grande e não há uma resposta simples. Intuitivamente, podemos pensar que maior quantidade de CO2 e maior quantidade de nitrogênio levariam a um aumento na biomassa devido a um efeito de fertilização. Por outro lado, estimativas feitas pelo Dr. José Marengo indicam que a região leste da Amazônia ficará mais seca e isso pode anular o efeito de fertilização do CO2 e nitrogênio. Estudando-se florestas temperadas, notou-se que isso aconteceu em um primeiro momento, mas depois as florestas se tornaram “saturadas” em nitrogênio e começaram a declinar. Para complicar, o funcionamento de uma floresta temperada é bem distinto em relação a uma floresta tropical. Portanto, ainda não temos certeza de como nossas florestas serão afetadas.
IHU On-Line – Já é possível ter uma expectativa em relação ao futuro das florestas a partir dos efeitos das mudanças climáticas?
Luiz Antonio Martinelli - Modelagens ambientais feitas pelo Dr. Carlos Nobre e equipe indicam para aquilo que convencionalmente se denominou “savanização” da Amazônia. Em linguagem simples, a Amazônia ficaria mais parecida com o Cerrado devido à diminuição das chuvas. Obviamente essa é uma previsão de um determinado modelo que precisa sofrer aperfeiçoamentos constantes, mas não deixa de ser uma indicação do que pode acontecer.
IHU On-Line - É possível perceber alterações na dinâmica de nutrientes devido a mudanças no uso do solo florestal? O que tem prejudicado o solo das florestas e quais os impactos disso?
Luiz Antonio Martinelli - Sim, a dinâmica dos nutrientes com a retirada da cobertura florestal muda completamente. Geralmente, há uma fertilização inicial do solo com as cinzas advindas da queima da floresta. Com o tempo, o efeito desta fertilização não é sentido e o solo tende a se empobrecer, pois existem perdas de nutrientes por erosão do solo, exportação pela cultura e outras. Por isso, precisamos dos fertilizantes, sejam eles minerais ou orgânicos. Sua função é repor os nutrientes que foram perdidos na transformação floresta-cultura.
IHU On-Line – Mas o uso de fertilizantes não prejudica os ecossistemas?
Luiz Antonio Martinelli - Na verdade os fertilizantes não prejudicam os ecossistemas, eles são necessários para repor as perdas de nutrientes que naturalmente ocorrem nos campos agrícolas. O problema advém do uso indevido do fertilizante. Eu costumo dizer que fertilizantes são como remédios, na dose certa eles curam, na dose errada eles te matam.
Fertilizantes devem ser aplicados na hora certa e na dose certa, sendo que cada cultura tem sua peculiaridade. Caso haja, por exemplo, uso excessivo de fertilizantes, nutrientes como nitrogênio, fósforo e potássio, ficarão “perdidos” no ambiente e aí é que começam os problemas ambientais.
IHU On-Line – Quais as principais mudanças no uso da terra de florestas como Amazônia e Atlântica?
Luiz Antonio Martinelli - Somente restam aproximadamente 12% dos 1.5 milhões de km2 antes ocupados pela Mata Atlântica. Do Cerrado já se foi metade e da Amazônia já se foram cerca de 600.000 km2, que em termos de percentuais chega a aproximadamente 12% de toda a Amazônia Legal. Portanto, já houve e continua havendo mudanças profundas na cobertura do solo brasileiro.
Quanto à exploração do solo, na verdade são vários ciclos ao longo da nossa história econômica e, portanto, várias culturas se sucedem. Na Mata Atlântica começamos com a exploração do Pau-Brasil pelos Portugueses, depois veio a cana no Nordeste. No Sudeste, a primeira grande cultura foi o café, depois tivemos uma breve fase com algodão, sucedida pelas pastagens e agora voltamos à cana. Na Amazônia, grandes áreas de florestas foram substituídas por imensas pastagens e mais recentemente chegou a soja que é cultivada de norte a sul no país.
IHU On-Line - Quais as implicações do desenvolvimento da agricultura em áreas florestais?
Luiz Antonio Martinelli - A primeira implicação é que hoje o Brasil é um grande produtor de alimentos e exporta várias commodities agrícolas que ajudam a equilibrar a balança comercial brasileira. Também é fato que o país tem uma agricultura tropical altamente desenvolvida. Por outro lado, desenvolvemos essa agricultura sem os devidos cuidados ambientais. Em parte porque não conhecíamos as consequências dessas mudanças drásticas no ambiente; em parte por ganância e pela necessidade de o pequeno agricultor sobreviver em áreas como a Amazônia.
Assim, temos o lado bom e o lado ruim. No entanto, ainda há tempo para conciliar produção com preservação. O Brasil tem a chance única no mundo de ser um país produtor de alimento, fibras e energia e ser dono de uma imensa e intacta biodiversidade.
IHU On-Line – Qual é, na sua avaliação, o principal problema ambiental da Amazônia?
Luiz Antonio Martinelli - Para mim o principal problema ambiental da Amazônia é a perda de um patrimônio genético que demorou milhares de anos para ser construído em troca de um ganho econômico e social baixíssimo. Para a sociedade brasileira, simplesmente não tem valido a pena desmatar a Amazônia.
IHU On-Line - Quais os impactos do novo Código Florestal para as florestas brasileiras?
Luiz Antonio Martinelli - Se for aprovado da maneira que passou na Câmara, será o maior retrocesso ambiental da história brasileira. Em uma tacada só, nossos ecossistemas aquáticos e terrestres estarão menos protegidos a troco de nada. Será um tiro no pé do próprio agricultor. A agricultura brasileira não precisa de mais área. Isso é conversa mole. A agricultura brasileira precisa de segurança no campo, segurança fundiária, financiamento pesado para o pequeno e médio agricultor, pois os grandes proprietários de terras já têm pesados investimentos em ciência e tecnologia e infraestrutura de transporte como rodovias e portos. Os pequenos e médios agricultores vivem endividados, vendendo o almoço para pagar a janta. Em regiões remotas não têm sequer o título da terra e frequentemente são ameaçados e mortos. O grande produtor consegue meios para arrumar financiamento através do BNDES, financiamento por grandes conglomerados e etc. Mas, por outro lado, não consegue escoar sua produção por falta de infraestrutura e sofre também com a violência no campo, já que às vezes é ameaçado por alguns movimentos mais radicais. Ambos, pequenos e
grandes, sofrem com a falta de uma política agrícola consistente por parte do governo. Esses são os reais problemas e não as Áreas de Preservação Permanente - APPs e Reservas Legais.
IHU On-Line - Qual a importância de preservar as florestas?
Luiz Antonio Martinelli – Primeiramente, há uma importância ética de se preservar vários tipos de vidas para outras gerações. Se pensarmos em termos religiosos, seja qual for a religião, não deveríamos extinguir a obra do Criador. Não seria nosso direito. Do ponto de vista prático, a importância de se preservar florestas reside na estabilidade do funcionamento de todo o Planeta. As florestas exercem um fator preponderante no clima, por exemplo. São habitats naturais de várias plantas e animais de suma importância ao homem. A agricultura só existe porque ainda temos florestas. O maior enxoval do agricultor é um ecossistema equilibrado que consiga exercer seus serviços ambientais e as florestas são partes integrantes de inúmeros ecossistemas.
Leia mais...
Luiz Antonio Martinelli já concedeu outra entrevista à IHU On-Line. Acesse na página eletrônica www.ihu.unisinos.br.
• “A poluição que a criação intensiva de gado causa na água e no ar é muito mais importante do que o aumento do efeito estufa”. Publicada em 18-02-2009.