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Patrícia Fachin e Márcia Junges
“Os jovens de hoje são mais escolarizados que seus pais, acessam mais a Internet do que os adultos, mas convivem com diversos medos: o medo da violência (sobretudo da violência urbana) e o medo de sobrar, ou seja, de não conseguir se inserir e se estabelecer no mercado do trabalho”. A constatação é da socióloga Patrícia Lanês, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line. Segundo ela, “as novas tecnologias seguramente contribuem para transformações no modo de o(a) jovem lidar com o mundo, mas não apenas ela. As mudanças foram sendo incorporadas por outros meios de comunicação e informação, como televisão e rádio que possuem hoje uma estética muito mais dinâmica em que há cada vez menos tempo para lidar com as informações. O aparelho celular colocou a possibilidade de comunicação 24 horas. Então, aos poucos, vai mudando a maneira das pessoas lidarem com o tempo e sua própria percepção do tempo”.
Patrícia Lânes é mestre em sociologia, com concentração em antropologia, pelo PPGSA/ IFCS/ UFRJ e pesquisadora do Ibase.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Como caracteriza a geração Y, que nasceu entre os anos 1980 e 1990, junto com a tecnologia?
Patrícia Lânes - É sempre perigoso afirmarmos algum tipo de “identidade geracional”. Muitas vezes, ao fazermos isso, estamos deixando de perceber as diversidades e desigualdades presentes entre um mesmo grupo geracional. Muitos estudos vêm indicando a necessidade de se falar de juventudes (assim mesmo, com o “s” no final) justamente para afirmar a pluralidade existente dentre da juventude brasileira ou da juventude sul-americana por exemplo, entendendo que a depender da classe social, da cor/raça, do local de moradia, do sexo, da orientação sexual ou mesmo do coorte etário que estamos considerando dentro do que se usa nominar “juventude”, estaremos lidando com realidades e experiências de ser jovem bastante diversas. O que dizemos também é que é possível falar em termos de certas experiências geracionais comuns, para citar a antropóloga e estudiosa do tema Regina Reyes Novaes, que, de certa forma, aproximam as diferenças e desigualdades a partir das oportunidades e constrangimentos presentes em nossa sociedade nesse tempo histórico. Por exemplo, os jovens de hoje são mais escolarizados que seus pais, acessam mais a Internet do que os adultos, mas convivem com diversos medos: o medo da violência (sobretudo da violência urbana) e o medo de sobrar, ou seja, de não conseguir se inserir e se estabelecer no mercado do trabalho.
IHU On-Line - Como vê a adesão dos jovens as novas tecnologias? Que uso a juventude costuma fazer da internet? Qual a finalidade das novas tecnologias para eles?
Patrícia Lânes - As Novas Tecnologias da Informação e da Comunicação devem ser encaradas, a princípio, como algo disponível para a atual geração. Ou seja, aqueles e aquelas que são hoje jovens já nasceram ou foram socializados em um mundo com computadores, Internet, telefones celulares etc. Eles(as) não pensam sua existência sem esses recursos porque eles foram incorporados à sua experiência de vida (de diversas formas). Ainda que não tenham fácil acesso a todos os equipamentos e serviços necessários para que usem de fato as NTICS (mesmo considerando sua maior democratização nas últimas décadas e sobretudo nos últimos anos) elas fazem parte do seu cotidiano: causaram mudanças estéticas, por exemplo, na linguagem hoje usada pelas emissoras de televisão, na percepção e apreensão do tempo e do espaço etc. Enfim, essa geração lida não apenas com os recursos que estão presentes nessas tecnologias, mas também com todas as conseqüências advindas de sua presença e dos seus usos.
A pesquisa que fizemos em 2008 sobre a realidade dos países sul-americanos, comparando gerações (Juventude Sul-americana: diálogos para a construção da democracia regional, Ibase, Pólis, IDRC, 2008) teve uma análise específica sobre o Brasil feita pela socióloga e especialista em juventude Helena Abramo. Nela aparece uma forte diferença geracional no que diz respeito ao uso de computador e da Internet: quanto mais jovem, maior a porcentagem dos que usam. De acordo com Abramo, a inclusão digital da juventude é atravessada por uma enorme desigualdade: enquanto cerca de 80% dos jovens das faixas A/B usam habitualmente computador/ Internet, o mesmo ocorre apara menos de 10% dos jovens das faixas D/E. Por nível de escolaridade, a variação é ainda maior: salta de 8.9% entre os que não passaram do primeiro ciclo do Ensino Fundamental para 91,8% entre os que têm nível universitário.
Usos da internet
Sobre os usos que fazem da Internet, jovens e adultos a usam para diversos fins, mas como pesos diferentes. Ambos usam a Internet principalmente para buscar informações e notícias, mas os jovens usam-na bem mais que os adultos para sociabilidade e conversas, principalmente acessando sites de relacionamentos, usando mecanismos on-line de bate-papo (esse recurso de comunicação aparece, inclusive, como sendo mais usado pelos jovens do que o e-mail!. A conclusão da pesquisadora sobre o assunto é a seguinte: “Ainda não é possível dizer, contudo, se esses pesos diferentes estão vinculados a uma prática singular do comportamento juvenil (como um hábito que tende a mudar com a idade), ou a uma mudança cultural histórica, que atinge hoje mais fortemente os jovens, mas que os acompanhará pela vida adiante, tornando-se geral para todas as idades”. A novidade das TICs, bem como as suas constantes e intensas transformações têm deixado algumas questões ainda sem resposta.
Há, no entanto, um certo potencial identificado na Internet, aliada a uma maior facilidade de se produzir informações e sobretudo imagens que também está ligado a uma certa “popularização” de equipamentos e tecnologias (máquinas de fotografar digitais que também filmam, celulares que também são filmadoras etc). Alguns setores da sociedade esperam que os(as) jovens usem essas tecnologias para de mobilizarem ou reivindicarem determinadas pautas (principalmente após a eleição de Barack Obama e da revolução no Egito). No entanto, estamos em um tempo em que a sociedade como um todo se encontra desmobilizada ou pouco disposta a participar de instâncias políticas mais formalizadas. Não é uma questão apenas da juventude e ou se uma geração específica, nem que se resolva com determinada tecnologia. O uso das NTICs gerou uma série de possibilidades que ultrapassam as razões de sua criação e muitos jovens que têm acesso continuado a elas vêm mostrando que há um potencial criativo muito grande. No entanto, processos amplos de mobilização dependem não apenas do meio disponível, mas de contextos e relações sociais que se dão através desses meios, mas que os ultrapassam e isso deve ser levado em conta ao se analisar esses fenômenos. Nas palavras do jornalista e blogueiro egípcio Hossam el-Hamalawy, em entrevista a Mark LeVine, professor da Universidade da Califórnia: “A internet desempenha um papel na difusão da palavra e das imagens do que ocorre no terreno. Não utilizamos a internet para nos organizar. A utilizamos para divulgar o que estamos fazendo nas ruas com a esperança de que outros participem da ação.”
IHU On-Line - Como as formas de sociabilidade da juventude se modificaram a partir da introdução das tecnologias? Como vê a articulação dos jovens por meio da internet e das redes sociais?
Patrícia Lânes - As novas tecnologias seguramente contribuem para transformações no modo de o(a) jovem lidar com o mundo, mas não apenas ela. As mudanças foram sendo incorporadas por outros meios de comunicação e informação, como televisão e rádio que possuem hoje uma estética muito mais dinâmica em que há cada vez menos tempo para lidar com as informações. O aparelho celular colocou a possibilidade de comunicação 24 horas. Então, aos poucos, vai mudando a maneira das pessoas lidarem com o tempo e sua própria percepção do tempo. E isso não ocorre apenas com os(as) jovens. A grande diferença, a meu ver, é que os(as) jovens já nasceram em uma sociedade que estabelece esse tipo de relação com o tempo, que tem no consumo e no individualismo alguns de seus paradigmas máximos e com uma profunda crise na Política como vinha sendo concebida até então. O uso que os(as) jovens fazem da Internet e, por extensão, das redes sociais expressam a sociedade e as relações sociais em que estão inseridos. Em pesquisa recente realizada por Ibase e Pólis (Juventudes Sul-americanas: diálogos para a construção da democracia regional, 2010, financiada pelo IDRC) verificamos que a utilização principal feita da Internet pelos jovens era a comunicação interpessoal. No entanto, sabemos que esse potencial criativo e mobilizador da Internet é utilizado por jovens que estão mobilizados e articulados em torno de causas, pautas, agendas, questões que os preocupam. Não estamos falando apenas de movimentos sociais organizados e institucionalizados. Abre-se também uma maior possibilidade de organização e mobilização através da lógica de rede a partir da Internet. Mas isso não está dado. Como disse antes, vai depender de muitos outros fatores que têm a ver com contextos, engajamentos e interesses que estão para além da Internet.
IHU On-Line - Em que medida as redes sociais podem ser compreendidas como um instrumento político entre os jovens? Como as tecnologias influenciam nas mobilizações sociais?
Patrícia Lânes - Há uma tendência de se comparar a atual geração de jovens com uma geração anterior, a geração dos anos 60/70, que lutou contra a ditadura e pela redemocratização do país. Nessa comparação, os jovens de hoje saem perdendo inevitavelmente. No entanto, se levamos em conta as características do mundo de hoje – urbanização, globalização da economia, neoliberalismo, papel dos meios de comunicação de massa e, inclusive, as novas tecnologias – é possível perceber que os jovens de hoje têm experiências de participação política dentro desse novo contexto, de novas relações sociais e de outras lutas e possibilidades de engajamento. Em 2005, quando fizemos nossa primeira pesquisa sobre juventude, democracia e participação (em regiões metropolitanas brasileiras), em parceria com Pólis e outras 9 instituições, verificamos que cerca de 28% dos jovens participavam de grupos de algum tipo. Desse percentual, 42,5% participavam de grupos religiosos enquanto apenas 4,3% integravam partidos políticos, por exemplo. A grande questão é que, numericamente, a participação de jovens e adultos não costuma ser expressiva, a não ser em eventos específicos como o caso do Fora Collor, por exemplo. Ao dizer isso imediatamente me lembro do processo que antecedeu a 1ª Conferência Nacional de Juventude entre 2007 e 2008.
De acordo com os dados da Secretaria Nacional de Juventude, cerca de 400 mil pessoas participaram em níveis municipal, estadual e nacional desse processo. Nem todos(as) jovens, é verdade, já que muitas pessoas que trabalham ou militam em questões relacionadas com a juventude também se fizeram presentes. E estamos falando de um modelo de participação convocado pelo poder público e bastante formalizado. Na década de 1990 e na primeira década desse novo milênio foram muitos os estudos de caso produzidos sobre a organização e mobilização dos jovens em favelas e periferias, e o movimento hip hop teve importantíssimo papel para essa maior visibilidade da organização de jovens, negros e pobres. Enfim, há caminhos de mobilização e participação sendo trilhados, as Novas Tecnologias, apesar de sua distribuição e acesso serem muito desiguais, contribui para ela em muitas medidas. No entanto, o que existe não tem visibilidade nos grandes meios de comunicação o que gera uma imensa sensação de desmobilização, maior do que de fato o é. Certamente o acesso a rede possibilita ações e reivindicações mas, como dito anteriormente, sempre em um contexto propício para isso. Ou seja, as pessoas que não participam de grupos, coletivos ou movimentos podem até receber através de mensagens ou das redes sociais convite para participarem de mobilizações públicas ou abaixo-assinados, por exemplo, mas elas só irão participar de fato se esse convite chegar através de alguém conhecido e/ou se a questão em pauta fizer sentido em sua experiência de vida, de acordo com seus valores e considerando o contexto político, histórico e social.
IHU On-Line - Como vê o uso das tecnologias entre os jovens brasileiros e da América do Sul? Pode citar exemplos? Como eles utilizam, nas diferentes culturas, a internet como meio de reivindicação?
Patrícia Lânes - Se estivermos falando dos e das jovens que estão de alguma forma mobilizados é possível dar alguns exemplos sim. No Chile, por exemplo, quando houve o que se chama hoje “Revolução dos Pinguins”, movimento protagonizado pelos jovens secundaristas por melhores condições na educação, a Internet desempenhou papel importante na troca de informações entre estudantes de todo o país que naquele momento ocupavam as escolas. Mas, veja bem, a Internet e os blogs criados pelos estudantes ou envio de mensagens através de telefones celulares se articularam a formas “tradicionais” de mobilização e protesto, como mobilizações de rua envolvendo centenas de estudantes, ocupação de escolas e prédios públicos. Outro bom exemplo é o de jovens bolivianos moradores da periferia de La Paz e participantes do movimento hip hop aymara. Esses jovens se beneficiavam enormemente das NTICs para produzir sua música e trocar informações com jovens de outros países, por exemplo. Foi a popularização da tecnologia de produção de Cds que possibilitou a produção e distribuição em seus bairros e a Internet tornou possível a troca de informações sobre a cultura Hip Hop com jovens rappers de outros países. Mas essas ações não diminuíam a importância dos shows realizados em espaços públicos de seus bairros ou sua atuação através de um centro local que possuía uma rádio comunitária em que tinham forte atuação política e comunitária.
No Brasil, também há muitos exemplos que vão desde dos jovens do movimento hip hop até jovens estudantes que lutam pela meia-passagem por exemplo, que nos últimos meses utilizaram amplamente as redes sociais para suas reivindicações e mobilizar outros atores. Fenômeno recente aconteceu também a partir dos jovens que representam movimentos e organizações sociais no Conselho Nacional de Juventude que atribuíram enorme importância à campanha realizada via Twitter para a aprovação da aprovação da Proposta de Emenda à Constituição 42/08, conhecida como PEC da Juventude, que insere o termo "jovem" no capítulo dos Direitos e Garantias Fundamentais da Constituição Federal. O texto garante o acesso a direitos que já são constitucionalmente assegurados às crianças, adolescentes e idosos. Há, ainda, muitas redes de movimentos e organizações no Brasil e na América Latina que têm na Internet uma ferramente fundamental de debate e funcionamento. Algo interessante de se pensar e de se estudar é até que ponto a possibilidade dada pelo meio, que pode possibilitar arranjos mais horizontalizados na construção de relações e formas de atuação, está influenciando esta nova geração de jovens militantes ou de alguma forma engajados em “causas políticas e sociais”.