Edição 253 | 07 Abril 2008

Horácio Costa

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André Dick

Editoria de Poesia

Nascido em São Paulo (SP), em 1954, Horácio Costa é um dos principais poetas brasileiros contemporâneos. Publicou os livros 28 poemas 6 contos (São Paulo: Edição do autor, 1981), Satori (São Paulo: Iluminuras, 1989), O livro dos fracta (São Paulo: Iluminuras, 1990), The very short stories (São Paulo: Iluminuras, 1991), Quadragésimo (São Paulo: Ateliê Editorial, 1999), o poema longo O menino e o travesseiro (São Paulo: Geração, 2004), Fracta (São Paulo: Perspectiva, 2004), com seleção de poemas feita por Haroldo de Campos, Homoeróticas e Paulistanas (São Paulo: Lumme Editor, 2007).
Formado em Arquitetutura e Urbanismo, pela Universidade de São Paulo (USP), fez mestrado em Artes, pela New York University, e doutorado em Filosofia, pela Yale University. Deu aulas na Universidad Nacional Autônoma de México (Unam) e hoje trabalha como professor na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Como crítico, publicou as obras José Saramago: o período formativo (Lisboa: Editora Caminho, 1997) e Mar abierto: ensayos de literatura brasileña, portuguesa e hispanoamericana (México: Editora do Foundo de Cultura Económica, 1998).

Seu trabalho poético é, ao mesmo tempo, expansivo e concentrado. Nos seus primeiros livros (sobretudo O livro dos fracta e The very short stories), há uma mescla entre prosa e poesia, em narrativas fragmentadas e com voltagem poética. Há, também, um certo bom-humor e metalinguagem, que permanece, mesmo que mais implicitamente, em seus trabalhos posteriores. Satori recupera uma paisagem mais voltada à construção barroca, uma das fontes do trabalho de Horácio, com uma síntese, a julgar pelo título, voltada a um orientalismo zen. Publicado com prefácio de José Saramago, O menino e o travesseiro, por sua vez, é um dos mais belo poemas longos já publicados no Brasil, com imagens e versos trabalhados com apuro. Quadragésimo tenta explorar esse encaminhamento do verso longo, com poemas que lembram grandes molduras, amplificando a manifestação de uma certa memória pessoal, com referências plásticas. Em Fracta, sua antologia até o momento, temos uma noção mais panorâmica de sua obra. Podemos ver a evolução de Horácio Costa até os poemas inéditos de alta qualidade, na última seção do livro. O que chama mais a atenção, no entanto, é o artesanato de linguagem. Horácio sabe – como poucos poetas – conduzir o verso a uma tensão proeminente, inserindo-se numa tradição de nomes que utiliza o verso longo com desenvoltura, como, especificamente no Brasil, Drummond. Embora não haja claramente uma ligação dele com os poetas do modernismo (Oswald e Mário de Andrade), percebe-se o quanto a cidade de São Paulo é um elemento de destaque em sua obra. Ela é registrada, em seus versos, com todos os tons e peso existencial, por meio de referências a lugares, pessoas e movimentos no vazio, sobretudo em Satori e no recente Paulistanas.

No texto de apresentação aos seu livro Homoeróticas (lançado em conjunto com Paulistanas), numa pequena caixa, ele explica sobre sua poesia mais recente: “A formação de uma memória homossexual em poesia no Brasil se vem dando com dificuldade. Isso se deve, em parte, ao timorato da crítica que dela não se ocupou, e em parte, ainda e principalmente, devido à incúria dos próprios poetas homossexuais ou cultores do homoerotismo (ou ambas as coisas) da nossa tradição, que não souberam, no devido tempo, e simultaneamente ao verificado em algumas das literaturas com as quais a nossa dialoga – a espanhola, a hispano-americana, a anglo-americana, a portuguesa, apenas para citar algumas, nas quais o tema homoerótico esteve presente desde a época do Modernismo (se não antes) -, em marcar a sua diferença ao assumir textualmente a sua sexualidade”. No entanto, para ele, isso tem sido posto me “cheque por alguns poetas de gerações anteriores e – felizmente – por um número crescente deles nas gerações que seguem à minha”. Nesses poemas homoeróticos, Horácio revela, além da síntese, um elemento corrosivo, como em “The fear of intimacy: “Era 1 x o mundo dos homens vazios / Agora é a x dos homens / Medrosos de intimidade / / Antes se tocava no vazio / As pessoas eram bem felizes / E bem vazias / No vácuo faziam piqueniques / Ou protestavam / Levantando as mãos ou as / Vozes / / Agora estamos todos disponíveis / Para teclar / As nossas verdades / Podemos espiar e ser espiados / Mas q ninguém toque em nossa intimidade / / Saímos da cena devagar / E em silêncio como o caracol / Que arrasta a sua casa / Para fora do jardim”.


JULIEU E ROMITO
  A Teresa Cristina Cerdeira da Silva

Não sabemos o que é o amor:
Se o vivemos, logo o desprezamos
E se não, o desejamos.

Confundem-se os amantes assim
Como os nomes se violentam
Na suposição da troca anímica.

Mas se sabemos que Julieta
Boba era e Capitu dissimulada
E Molly –francamente- oferecida,

Sobre o amor no mesmo sexo
De pares literários, quase nada:
Não se terão amado homens

E mulheres entre si? E tendo-o feito,
Por que negadas nos são tais
Alturas e formas e sentidos?

Ora, minha deriva de leitor
E de amante se dá em visões
Que a crítica ignara ignora:

Peludo seria o derrière de António
Nobre, um segredo levado à tumba
Pelo etéreo Alberto de Oliveira?

E hirsuto o peito de Antero
Que se o tocara outro homem
Talvez não se curvasse sobre si

Depois do -evitável?- suicídio?
E Mário de Andrade morreria
Aos cinqüenta e dois anos

Após tanto exílio etílico
No Rio? Falo da diferença
Entre viver e morrer e tentar

No ínterim, talvez, o vôo
Rombóide do amor, volucre
E desejado, e democrático

Menos nas lindes das religiões
Monoteístas, de certas tribos
Oceânicas, e do cânone

Literário. Aquiles e Pátroclo
A quem dediquei aquele texto,
Que me venham ao auxílio

E que seja este poema
Mais uma invocação
Do sopro clássico –

Mesmo no amor
Que ninguém sabe
E todo mundo quer.

Escrito na USP –ABRAPLIP- 5 IX 07

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