Edição 253 | 07 Abril 2008

A homossexualidade é bem-vinda quando conduz a uma “boa vida”

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Graziela Wolfart

O holandês Erik Borgman fala sobre a união homossexual sob a ótica européia

“A homossexualidade é vista pela Igreja como um problema, porque provoca rupturas na ligação intrínseca entre sexualidade e procriação e vai, conseqüentemente, ‘de encontro à natureza’.” Essa é a visão do professor e escritor holandês Erik Borgman, apresentada e defendida na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line. Na Radboud University Nijmegen, dos Países Baixos, Borgman foi diretor do Heyendaal Institute, órgão de pesquisas interdisciplinares. É o biógrafo do teólogo Edward Schillebeeckx (teólogo holandês, frei dominicano, considerado um dos mais importantes peritos oficiais do Vaticano II e um dos mais importantes teólogos do século XX). Foi também presidente da International Society for Religion, Literature and Culture, e foi editor da Concilium: International Journal for Theology (publicada no Brasil pela Editora Vozes). Atualmente, é o editor do Dutch Tijdschrift voor Theologie. É autor de, entre outros, Edward Schillebeeckx: A Theologian in His History (New York: Continuum, 2003)

IHU On-Line - A homossexualidade pode ser vista como uma evolução da lei natural humana? Ou ela faz parte da natureza humana deste os primórdios da criação?
Erik Borgman
- Eu penso que nós devemos aceitar que não há nada na natureza humana que seja estável e dado simplesmente. A natureza humana é sempre constituída por formas culturais específicas. E estas são, por sua vez, construídas pela definição histórica. O que  chamamos hoje de homossexualidade não existia antes da modernidade, embora houvesse, naturalmente, relações amorosas e sexuais entre pessoas do mesmo sexo. Isso significa que  não podemos dizer, em minha opinião, que a homossexualidade deva ser aceita somente porque a orientação homossexual é “natural” para algumas pessoas. A homossexualidade deve ser aceita, e ainda mais, bem recebida, se, e quando, ela se mostrar como um caminho de conduzir a uma “boa vida”. Religiosamente falando, é nosso dever encontrar formas para construir uma “boa vida” possível. Uma boa vida para os seres humanos significa, entre outras coisas, uma vida com relacionamentos embasados na responsabilidade mútua e na confiança. Mas o que significa ser “responsável” e “confiável” em situações históricas concretas é algo a ser descoberto, que não sabemos de antemão. Nós estamos, para sempre, inseridos no processo de inventar a boa vida.

IHU On-Line - Como Ratzinger tem conduzido, na sua opinião, a questão da união entre homossexuais?
Erik Borgman
- A hierarquia da Igreja Católica apresenta a homossexualidade como um dos sinais de que a Europa se afastou dos valores cristãos e abraçou uma “cultura da morte”. A homossexualidade é vista pela Igreja como um problema, porque provoca rupturas na ligação intrínseca entre sexualidade e procriação e vai, conseqüentemente, “contra a natureza”. Isso, eu argumento, é uma visão unilateral (e contrária à perspectiva da tradição clássica, como expressa Tomás de Aquino), da interpretação da lei natural. Para ser sincero, a idéia que defendo em minha opinião teológica em relação ao casamento como sacramento é a de que a sexualidade humana e a intimidade corporal são aspectos da criação que contribuem para a verdadeira “boa vida”, chamada no Novo Testamento de “reino de Deus”. A Igreja deve estar aberta à idéia de que as relações homossexuais podem ter uma qualidade sacramental. O aspecto mais problemático da posição da igreja hierárquica é o fato de que reforça os olhares conservadores sobre as uniões civis homossexuais, nos quais a homossexualidade é vista como um perigo para os valores europeus e deve, conseqüentemente, ser combatida onde quer que se apresente.

IHU On-Line - Com que olhos a sociedade européia vê a união civil entre pessoas do mesmo sexo? Qual é a influência da Igreja Católica nesse sentido?
Erik Borgman
- Não há uma única opinião européia sobre a homossexualidade, sobre relacionamentos homossexuais e sobre uniões civis entre pessoas do mesmo sexo. A tendência é, entretanto, em diferentes países, permitir que pessoas do mesmo sexo realizem, ao menos, uma união civil. Na base disto, está geralmente a idéia da igualdade: pessoas em relacionamentos homossexuais devem ter os mesmos direitos e vantagens legais que pessoas de relacionamentos heterossexuais. Isto tem sido mais fácil de estabelecer em países de tradição protestante do que em países de tradição católica. Especialmente nos países latinos, onde a Igreja Católica ainda está com a estima social mais elevada, os debates em torno deste assunto foram e ainda são muito fortes. Mas há algumas iniciativas para permitir as uniões civis de pessoas do mesmo sexo na Espanha e na Itália e, eventualmente, isso provavelmente acontecerá.

IHU On-Line - Em sua experiência como editor da revista Concilium, como aparece na mídia, em geral, e na imprensa teológica e cristã a relação amorosa entre pessoas do mesmo sexo?
Erik Borgman
- Eu não tenho nenhum olhar geral sobre “a” imprensa cristã e teológica em relação a esse tema. O que sei, entretanto, é que a larga aceitação da homossexualidade nos Países Baixos tem muito a ver com o fato de que as pessoas vêem os homossexuais como “pessoas comuns”, com os mesmos interesses, mas também com as mesmas esperanças que todo mundo. Há homossexuais em toda parte, na Igreja e em qualquer outro lugar, e isso não conduz a nenhum problema: isto é o que os torna aceitáveis. Além do fato, naturalmente, de que muitas pessoas têm filhos ou netos que são homossexuais. Nos Países Baixos, há uma tendência para a abertura, também na imprensa teológica e eclesial, aos relacionamentos homossexuais. Mas há também o medo individual das pessoas que trabalham na Igreja de que podem perder seus empregos, ou que podem perder um novo compromisso caso se tornar de conhecimento comum que estão vivendo com alguém do mesmo sexo.

IHU On-Line - Edward Schillebeeckx pode ajudar na abertura de diálogo dentro da Igreja em relação a essa questão da união entre homossexuais?
Erik Borgman
- Nos anos 1960, Schillebeeckx escreveu um livro sobre casamento, no qual apresenta desenvolvimentos recentes e mudanças na experiência dos relacionamentos. Na obra, a sexualidade não é nenhum problema para a igreja, mas deve ser vista como um dos lugares onde a presença graciosa de Deus se faz presente e pode ser experimentada de novas formas. Esta é, para mim, uma aproximação ainda importante, que pode nos ajudar. Entretanto, o prestígio de Schillebeeckx com a igreja hierárquica declinou severamente nas últimas décadas, assim que, num sentido político, não nos ajudará muito apelar a seu trabalho.

IHU On-Line - Na Holanda, já é autorizada a união civil entre homossexuais. No entanto, mesmo com o direito civil garantido, essas pessoas têm os direitos sociais e o respeito e a dignidade garantidos?
Erik Borgman
- De acordo com a lei holandesa, para pessoas em um relacionamento homossexual, há a possibilidade de ser feito um registro civil oficial de parceria, mas também de casar-se oficialmente. E nas igrejas protestantes mais liberais é possível comemorar também a união entre pessoas do mesmo sexo na igreja. De fato, isto é freqüentemente possível na Igreja Católica também – não, naturalmente, uma união oficial, mas com uma benção para o relacionamento. Eu não sou um advogado, mas, até onde sei, isso significa que os direitos e a proteção legal das pessoas em uma união homossexual são iguais àquelas das pessoas em uma união heterossexual. Os direitos em parcerias civis são um tanto menores e um pouco mais restritos, no que está estritamente ligado às matérias legais e financeiras (posse comum da casa, direitos de pensão após a doença do parceiro, direitos de herança de propriedades, etc.). Experimente colocar vários casais heterossexuais vivendo também em parcerias civis!

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