Edição 252 | 31 Março 2008

A vida no Guajuviras. Mistura de medo e indignação

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Greyce Vargas

Estudante de jornalismo na Unisinos e colaboradora no Instituto Humanitas Unisinos – IHU, Greyce Vargas vive no bairro Guajuviras, de Canoas/RS há 20 anos. Ela conversou com alguns moradores sobre o cenário de violência que assola o cotidiano em comum.

Eram seis da manhã do dia 28 de março de 2008 quando a luz voltou nos setores um e quatro do bairro Guajuviras, em Canoas . Havia mais de 12 horas que grande parte do bairro estava às escuras porque o temporal do dia anterior provocou o colapso de um desjuntor. A demora para o conserto tem um motivo que está presente no dia-a-dia de cada morador do bairro: a violência. Há alguns dias, ao tentar consertar o mesmo equipamento, o técnico havia sido “corrido” do local por um bando armado, contou-nos Lurdes, uma das moradoras da quadra Y. Localizado no nordeste da cidade, o Guajuviras foi construído com o objetivo de ser um bairro solidário. Em 1987, começou a ser ocupado e surgiu a violência. Homens e mulheres que lutavam por um lugar para viver tomavam conta do bairro. Hoje, o Guajuviras abriga quase 40 mil pessoas em 5.924 mil moradias, oficialmente, mas há muito mais gente. Em meados da década de 1990, as áreas verdes do bairro também foram ocupadas rapidamente. Desta vez, não havia casas e apartamentos semi-prontos, árvores foram derrubadas, e casas levantadas numa área de extremo risco, sem segurança e, principalmente, sem a menor infra-estrutura. Se a violência já era um problema, a partir dessa nova ocupação ela não parou mais de crescer. Dentro dessas novas áreas, se proliferaram locais de distribuição de drogas e, por conseqüência, viciados e ladrões.

“Às vezes, a gente acorda com barulho de tiros. Se é baixo, eu não me preocupo, porque sei que é longe. Mas, se é perto, como é na maioria das vezes, eu só peço a Deus para olhar pelos meus filhos que estão dormindo no quarto ao lado”, diz Glaci dos Santos Borba, moradora da Vila Contel, a maior área verde ocupada. Mãe de cinco filhos, a doméstica enfatiza que faz de tudo para tentar garantir o máximo de educação para que eles não sigam o caminho do crime. “Eu tenho pouco estudo, mas tento passar para meus filhos que só assim eles poderão sair daqui um dia. Até agora eles só me dão felicidades. Espero que continue assim”, sonha ela.

Em janeiro deste ano, Canoas registrou 14 homicídios. Destes, oito ocorreram no Guajuviras, o dobro do número registrado no mesmo período em 2007. Segundo um policial do único posto da Brigada Militar no bairro, que não quis se identificar, o Guajuviras nunca foi um local seguro, mas agora a violência é assustadora. “Antes, existia o mito de que na entrada do bairro era mais seguro e lá no fim era muito ruim, mas hoje, em qualquer rua aqui, alguém tem uma história de violência para contar. A pobreza aumentou, a entrada de drogas aumentou, os assaltos aumentaram. Infelizmente, a tendência é de que passe a ter ainda mais violência”, disse ele. O comerciante Clóvis Lopes da Silva diz conhecer alguns traficantes e bandidos do bairro. “Muitos deles eu vi pequenos, brincando na rua. E muitos deles já vieram aqui mais de uma vez no meu mercado. Quando eram pequenos, era para comprar balas e agora para assaltar”, afirma ele, que já foi assaltado três vezes, todas à mão armada. “E porque o senhor ainda mantém comércio aqui, se é tão perigoso?”, pergunta esta repórter. “Porque mesmo com tanta violência, aqui tem gente muito honesta, muito boa. Eu vivo aqui há quase 21 anos e não são esses guris que vão me tirar daqui”, respondeu.

Se sobra violência no bairro, faltam escolas (são apenas cinco, mas apenas uma oferece ensino médio), faltam professores, policiamento, postos de saúde e áreas de lazer (atualmente, todas as praças do bairro estão parcialmente ou totalmente destruídas). Enquanto isso, a população e as moradias crescem desordenadamente, com pouca intervenção dos órgãos responsáveis. Viver aqui, entre casas simples, ruas de chão batido, casebres rodeados por lixo, não é mais uma aventura, mas uma mistura de medo e indignação. E não se sabe mais como resolver o problema.

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