Edição 251 | 17 Março 2008

A inserção das nanotecnologias na vida humana: como será o futuro?

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Patricia Fachin

Para o sociólogo Edmilson Lopes Jr., as nanotecnologias apenas “radicalizam tendências atuais”. Não há por que atribuir poderes mágicos a elas, garante.

Entre as promessas de benefícios milagrosos e o medo de criar objetos incontroláveis, crescem as especulações sobre o futuro humano integrado às tecnologias. “Mudanças sociais significativas, as quais impactam profundamente nossa forma de ser e estar no mundo” acontecerão com o tempo, afirma o pesquisador.

Em entrevista à IHU On-Line, concedida por e-mail, ele diz que “há mais especulações e projeções do que fatos concretos que alicercem algumas das análises alarmistas com as quais nos defrontamos sempre que alguém se dispõe a comentar sobre os impactos sociais das nanotecnologias”. Entretanto, reconhece que os processos de inovação tecnológica criarão, como de praxe, “novos campos de atuação e novas possibilidades de desenvolvimento das potencialidades criativas dos humanos”.

Edmilson Lopes Júnior é mestre em Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRGN) e doutor em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas. Atualmente, é docente do departamento de Ciências Sociais da UFRGN.

Nas próximas edições, acompanhe entrevistas exclusivas que abordarão a ampla temática das nanotecnologias. Os debates publicados nessa editoria subsidiam a discussão que será aprofundada no Simpósio Internacional Uma Sociedade pós-humana: Possibilidades e limites das nanotecnologias. O evento ocorre entre os dias 26 e 29 de maio, na universidade. Acesse a programação completa na nossa página eletrônica www.unisinos.br/ihu.

IHU On-Line - Como construir um debate não emocional, como o senhor diz, sobre os ganhos e riscos colocados pelas nanotecnologias?
Edmilson Lopes Jr.
- Advogar a realização de um debate menos emocional sobre os ganhos e riscos colocados pela nanotecnologia nas Ciências Sociais implica, antes de tudo, em levar sempre em conta o conselho de Pierre Bourdieu,  maior sociólogo da segunda metade do século XX, de que devemos ter cuidados para não transplantar mecanicamente para o campo científico as querelas ideológicas da luta política. Ele expressa também a preocupação de não incorrermos, nesta questão, no mesmo tipo de equívoco que boa parte das Ciências Sociais embarcou quando da discussão sobre os organismos geneticamente modificados: buscou-se mais demarcar e fazer avançar posições definidas do que compreender o que estava de fato ocorrendo. Em uma situação como essa, o perdedor é o grande público, que não pode contar com análises distanciadas e realmente críticas. Isso não significa, obviamente, que, enquanto cidadãos, engajemo-nos apaixonadamente em defesa dessa ou daquela proposição sobre as implicações do desenvolvimento da nanotecnologia. O que não podemos, repito, é subordinar a análise científica àquelas proposições emocionalmente defendidas.

Obviamente, não se trata, por certo, de fazer entrar novamente em cena superados preceitos positivistas do que venha a ser um debate científico objetivo. Longe disso! E nem de propor que se guarde no armário nossas paixões e interesses. Muito pelo contrário, quanto mais claros e expostos ao conhecimento geral eles estiverem, melhor. A objetividade é sempre o resultado do aclaramento do lugar social, político e científico a partir do qual emergem as análises e proposições.

IHU On-Line - Como as Ciências Sociais podem ajudar a democratizar as discussões sobre os impactos das nanotecnologias? De que maneira isso vem sendo feito?
Edmilson Lopes Jr. -
As nanotecnologias abrem uma importante oportunidade para uma interconexão entre as Ciências Sociais e as outras ciências. E isso será possível na medida em que os cientistas sociais não caírem na tentação de criar mais um campo interdisciplinar, o qual, como já nos alertou Stephen Wood, pode levar a produção de “especialistas de coisa nenhuma”. Na medida em que construamos uma boa ciência social (seja antropologia, ciência política ou sociologia) das nanotecnologias, estaremos cumprindo um importante papel. O conhecimento produzido por essas Ciências Sociais contribuirá para democratizar as informações sobre as nanotecnologias.

Há uma agenda de pesquisa que pode e deve ser enfrentada: como se configura o campo científico das nanotecnologias (suas linhas de força, relações de poder, capital científico etc.)? Com base nas informações disponíveis – fornecidas pelos cientistas envolvidos em projetos de nanotecnologias -, que cenários sociais e econômicos podemos desenhar para o futuro próximo? Quais expectativas, desejos e fantasias são expressos nos materiais produzidos pela mídia e pela indústria cultural a respeito das nanotecnologias? Quais são as dimensões econômicas, culturais e sociais que envolvem o desenvolvimento das nanotecnologias?
Em parte, aqueles preocupados em trabalhar com a temática das nanotecnologias no campo das ciências sociais têm incorporado, em seus trabalhos, algumas das questões acima apontadas.

IHU On-Line - As nanotecnologias podem redefinir os usuais modelos da realidade social? Isso já está acontecendo e nem estamos nos dando conta?
Edmilson Lopes Jr.
- As nanotecnologias, de algum modo, apenas radicalizam tendências atuais. Na realidade, mudanças sociais significativas, as quais impactam profundamente nossa forma de ser e estar no mundo, vão ocorrer aos poucos. A redefinição de espaço e tempo provocado pelo uso generalizado da telefonia móvel é um exemplo dessas transformações. Em alguns campos, como o da leitura ótica, a nanotecnologia barateará a produção e isso, acredito, implicará em um aumento exponencial do controle da privacidade. Esse controle não será nenhum produto da nanotecnologia, mas a expansão de uma tendência social hoje presente.

Claro que em alguns setores, na medicina, por exemplo, as aplicações das nanotecnologias poderão provocar grandes revoluções nas formas de tratar de doenças e de enfrentar vulnerabilidades e limites físicos.

IHU On-Line - E no que se refere ao mundo do trabalho? O desenvolvimento das nanotecnologias tem transformado a realidade dos meios de produção e a dinâmica do mercado, exigindo até maior qualificação dos profissionais?
Edmilson Lopes Jr.
- Também em relação à redefinição dos postos de trabalho, acredito que há mais especulações e projeções do que fatos concretos que alicercem algumas das análises alarmistas com as quais nos defrontamos sempre que alguém se dispõe a comentar sobre os impactos sociais das nanotecnologias.

Destruição criadora, essa a lógica dos processos de inovação tecnológica. Não será diferente com as nanotecnologias. Com o desaparecimento de formas de trabalho e organização da produção hoje existentes, teremos novos campos de atuação e novas possibilidades de desenvolvimento das potencialidades criativas dos humanos. Mas é sempre bom lembrar que as inovações tecnológicas não se desenvolvem num vazio, mas  embebidas em relações econômicas, culturais e sociais. Por outro lado, o aumento da complexidade dos sistemas sociais conspira contra as análises causais simples.

IHU On-Line - Alguns pesquisadores apontam apenas vantagens para a sociedade no que se refere à utilização das nanotecnologias. Entretanto, uma vez que grandes multinacionais dominarem essa tecnologia, países e populações pobres podem ser particularmente afetados?
Edmilson Lopes Jr.
- Os países com maior investimento na pesquisa de ponta serão, inevitavelmente, os principais ganhadores da nova revolução técnico-científica que as nanotecnologias anunciam. Mas também foi assim em relação a revoluções precedentes. Por outro lado, na medida em que o desenvolvimento das nanotecnologias implica em um grande investimento de capital econômico e científico, os grandes grupos empresariais tenderão a ser os dominantes na área. Essa perspectiva, mais do que legitimar o imobilismo ou a negação do desenvolvimento científico, deve nos conduzir a uma postura de maior cobrança de investimentos públicos tanto nas pesquisas na área quanto em investigações das Ciências Sociais. Estas últimas poderão fornecer informações e saberes importantes para o monitoramento dos agentes públicos e dos atores sociais.

IHU On-Line - Esse debate está bastante polarizado entre os especialistas. Os que são favoráveis argumentam que a nanotecnologia serão benéficas e entre outras coisas, possibilitarão a eliminação de desperdícios na produção de produtos, reduzindo a dependência de recursos naturais no desenvolvimento de novas tecnologias. Em contrapartida, os críticos apontam que elas podem ter impactos negativos na saúde e no meio ambiente. Diante dessas divergências, qual é a sua avaliação?
Edmilson Lopes Jr.
- Devo reafirmar que existem muitas especulações e projeções irrealistas em relação às nanotecnologias. De algum modo, mesmo que involuntariamente, essas projeções constroem muitas das posturas alarmistas que vemos por aí. Nunca é demais repetir, já que lições básicas da sociologia estão sendo olvidadas no debate sobre as nanotecnologias, que são os atores sociais (nós, homens e mulheres concretos), com suas ações (nem sempre controladas e previsíveis, por certo) e relações, que determinam o rumo dos acontecimentos. Nesse sentido, não há porque atribuir poderes mágicos (malignos ou milagrosos) a uma determinada tecnologia.

IHU On-Line - As nanotecnologias podem ser vistas como uma conquista e uma extensão do ser humano, já que elas foram desenvolvidas pelo homem? Nesse contexto, não precisamos temê-las?
Edmilson Lopes Jr.
- As nanotecnologias são, sim, uma expressão da criatividade humana. E, como tal, com potencialidades e possibilidades em aberto. Tanto podem contribuir para a melhoria de nossa vida como para agravar velhos problemas sociais, como, por exemplo, o da desigualdade.

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