Edição 250 | 10 Março 2008

Maria Aparecida Marques da Rocha

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Bruna Quadros

Trabalhando na Unisinos desde 1986, no curso de Serviço Social, Maria Aparecida Marques da Rocha carrega com orgulho uma de suas maiores conquistas: a criação do Serviço de Atenção ao Acadêmico, vinculado à Diretoria de Ação Social e Filantropia (DASF), que funciona, atualmente, junto ao Instituto Humanitas Unisinos. Engajada em causas sociais, ela sempre almejou contribuir com a realização pessoal de quem acredita que a vida não perde o valor, mesmo diante de situações difíceis, sejam elas econômicas ou sociais. Nascida em Porto Alegre, Maria Aparecida teve uma infância privada de luxos, mas muito digna, a qual lhe faz sentir vontade de voltar no tempo. O orgulho de ser negra é uma das marcas fortes de sua personalidade, que lhe abriram portas para um crescimento na vida. Confira, a seguir, a entrevista concedida por ela à revista IHU On-Line:

Origens – Sou natural de Porto Alegre. O meu pai, natural de São Francisco de Paula, na serra gaúcha, é oficial de justiça do Estado aposentado, e a minha mãe, também de Porto Alegre, dona-de-casa. Antes de ser casada, ela foi secretária de uma grande casa de moda. Casou-se aos 25 anos e, como era tradição da época as mulheres cuidarem do lar, resolveu ficar em casa cuidando dos filhos; eu, minha irmã e meu irmão. Sou a mais velha e estou com 47 anos.

Infância – Perto da casa onde eu morava, existia um riacho e nós caminhávamos sobre as pedras. Passei minha infância no bairro Medianeira, em Porto Alegre. A gente brincava muito de pular sapata, de pega-pega. Eu adorava ler gibi. Nossa família foi uma das primeiras, no bairro, a ter televisão. O meu pai sempre trabalhou para que a gente tivesse tudo em casa. Não era nada de luxuoso, mas tudo muito organizado. Não cheguei a ter bicicleta, porque, na época, meu pai não podia dar. Mas eu lembro que eu tinha uma lambreta e nós saíamos por tudo. Foi um período bom, do qual eu tenho saudades.

Valores - O estudo era o principal na casa. Meus pais sempre diziam que tínhamos que estudar se quiséssemos ser alguém na vida. O valor do estudo é muito importante, além da honestidade e o valor de ser negro, de ter orgulho do que se é.

Estudos – Entrei no jardim de infância com seis anos e sempre fui muito estudiosa, tirava as melhores notas, o que também se deve ao incentivo que eu tive em casa. Estudei toda a minha vida em escolas públicas. O cursinho pré-vestibular e o meu ensino superior foram em instituições particulares. Fui a primeira filha e a primeira neta por parte de mãe a entrar em uma universidade.

Graduação – Sempre quis ser professora. Minha mãe tinha algumas amigas que eram assistentes sociais e, ouvindo-as falar, fui me interessando pelo trabalho na comunidade, pelo contato com o outro, pela possibilidade de trabalhar com a promoção social e discutir políticas públicas. Eu queria trabalhar na relação de afeto e de ajuda, mas que também fosse de forma profissional e me possibilitasse um aprendizado e um crescimento. Entrei para a faculdade com 17 anos e saí com 21. Optei pela Assistência Social, porque acreditava que seria feliz. Exerço a profissão há 26 anos, adoro o que faço e vejo que as pessoas também me reconhecem.

Trabalho – Depois do meu primeiro semestre na universidade, comecei a trabalhar à tarde, como orientadora em uma das primeiras creches de Porto Alegre, a “Babylândia”. Em 1980, comecei um estágio remunerado no Sesi, na área de lazer, onde fiquei por dois anos. Na época, apesar de trabalhar, eu fui para o Rondon, no Amazonas. Fui do Diretório Acadêmico e do Diretório Central do Estudante, além de monitora da cadeira de estágio. Meu primeiro emprego foi em uma escola para crianças especiais, em Porto Alegre. Nesse meio tempo, fiz uma seleção para o Ministério da Fazenda do Rio Grande do Sul e passei. Fiquei lá por 15 anos. Passados três anos que eu estava no Ministério, eu entrei na Unisinos, em 1986. Era a professora mais jovem da época, no Centro 1, com 26 anos.

Unisinos – As conquistas foram muitas, ao longo desses anos. Mas uma delas é ver o curso de Serviço Social organizado. É muito importante ver a quantidade de alunos que se formaram. O retorno dos ex-alunos, hoje colegas, é muito bom. Outra conquista foi ter a possibilidade de ter criado um serviço de atendimento ao aluno, o que aconteceu em 1997. Hoje, o trabalho do Serviço de Atenção Acadêmica é oferecer uma primeira acolhida para os alunos. Dentro da situação de ouvi-los, surgem as mais diversas situações, como econômicas, sociais, emocionais e dificuldade de aprendizagem. Nesse tempo em que estou aqui, foram mais de 50 mil atendimentos. Esse trabalho é referência para muitas outras universidades, como PUCRS, UCS, PUC Campinas, PUC-PR, UFSM, Feevale, o que me enche de orgulho. Como pessoa, cresci bastante. Fiz meu mestrado na Unisinos e, em 2008, estou concluindo o doutorado, o que eu devo à instituição, que contribuiu muito com isso. Também fui presidente do Conselho Regional de Serviço Social, de 1999-2002.

Família – Hoje, eu sou divorciada e, apesar de adorar crianças, não tenho filhos. Casei com 33 anos. Como sempre fui uma pessoa bastante voltada para o trabalho, não deu certo. Gostaria muito de ter tido filhos, mas, como não foi possível na época, pode ser que eu ainda venha a adotar uma criança. 

Sonho – Como está muito presente na minha vida essa questão da responsabilidade e da Justiça social, sempre me vejo fazendo alguma atividade com uma ONG, uma Fundação ou uma grande organização que trabalhe em prol do outro. Precisamos oferecer a nossa contribuição para a sociedade, e, no caso, a minha é fazer com que as pessoas possam ser mais felizes. O meu grande sonho é poder contribuir para que as pessoas sejam mais felizes e de, é claro, reconstruir uma família. 

Preconceito – Tenho poucos registros de preconceito, o que não quer dizer que nunca aconteceu. Sempre tive orgulho de ser negra, e penso que nós, negros, precisamos lutar para sermos respeitados. Falamos muito em preconceito do branco com o negro e do negro com o branco, mas dentro da etnia negra há preconceito. Só não permito ofensas, porque tenho certeza do meu valor. No Brasil, o racismo é mascarado, e o negro precisa estar sempre mostrando que é capaz e pode dar a volta por cima.

Política brasileira – A discussão acerca dos programas sociais é importante, e poderia ser melhor do que é hoje. É necessário tirar as pessoas da miséria, mas a possibilidade de emprego é fundamental e se dá quando a pessoa consegue estudar. Há coisas sérias sendo feitas, mas tudo é muito devagar. Além disso, a consciência das pessoas está mudando. O monopólio econômico é muito forte e ele se sobrepõe a tudo, no país. Com relação à justiça social, nós ainda temos muito o que andar. 

Instituto Humanitas Unisinos – É fundamental o espaço que o Instituto Humanitas ocupa na universidade, porque ele refrigera, com novas idéias, informações e questões a serem pensadas e discutidas pela comunidade acadêmica. Discussões de ponta no planeta acabam vindo para São Leopoldo por meio do IHU, para que possamos ver que o mundo pode ser modificado e que depende de cada um de nós. O Instituto cria as discussões na busca por um mundo melhor, e responde à missão da instituição, que é formar um ser integral, capaz de vir para a universidade não apenas para o conhecimento específico de uma determinada carreira.

Lazer – Adoro cinema e das artes, como um todo. Saio para jantar, bater papo com os amigos, além de ir ao teatro e de viajar. Gosto das coisas boas da vida. 

Filme – Um me que me marcou muito é Ray, que conta a vida do músico Ray Charles. Além deste, gostei muito de assistir a Cinema Paradiso. 

Livro – Sempre gostei muito da literatura brasileira e dos autores gaúchos. Li todos os livros do Erico Veríssimo, Josué Guimarães e Moacyr Scliar. Também gosto muito dos livros de Jorge Amado. Uma obra específica, que me marcou muito, é Cem anos de solidão, de Gabriel García Márquez.

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