Edição 250 | 10 Março 2008

Pesach: origens e história desta principal festa judaica e a sua ligação com a Páscoa cristã

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Marie Ann Wangen Krahn

“Os povos do mundo costumam ressignificar seus rituais conforme os eventos históricos que marcam as suas vidas. Assim aconteceu com o povo de Israel. Ao ser liberto do Egito, passou a ressignificar os elementos básicos desta festa primaveril para expressar a sua compreensão do que havia acontecido e ritualmente expressar a sua fé, seu louvor e sua gratidão ao Deus que os libertou”, afirma Marie Ann Wangen Krahn sobre as diferentes formas de celebrar o período pascal. Segundo ela, o Pesach é a principal festa do ano judaico e relembra e celebra a libertação do povo de Israel da escravidão no Egito.

 

O Instituto Humanitas Unisinos - IHU abre espaço para a celebração da Ceia Pascal Judaico-Cristã, que será realizada das 9h às 11h30min, no dia 13 de março, na sala 1G119, junto ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU durante o evento Páscoa 2008: um grito contra a violência. Quem irá conduzir a celebração é a mestre em Teologia, pela Escola Superior de Teologia da Igreja Evangélica de Confissão no Brasil, Marie Ann Wangen Krahn, professora de hebraico da Escola Superior de Teologia (EST) – Instituto Ecumênico de Pós-Graduação em Teologia.

Eis o artigo:

Pesach é a principal festa do ano judaico. Ela relembra e celebra a libertação do povo de Israel da escravidão no Egito. Mas as origens desta festa remontam aos tempos semi-nômades de Israel. O Pesach era um rito de sacrifício de um jovem animal, celebrado no primeiro mês do ano, Abib (ou Nissan), na primeira noite de lua cheia da primavera do hemisfério norte. Era um sacrifício realizado por pastores para assegurar a fecundidade do rebanho e a prosperidade do clã. O sangue era pintado originalmente nos postes das tendas e depois nos marcos das portas para espantar os poderes do mal ou o Exterminador. Era, portanto, um ritual apotropéico. Outros detalhes da festa mostram mais claramente a origem nômade: o animal era assado inteiro sobre o fogo aberto sem uso de utensílios de cozinha. 

Mais tarde, o ritual nômade recebeu um acréscimo do âmbito rural: os pães ázimos sem levedura). A tradição de comer pães ázimos no início da época da colheita da cevada provém da antiga crença de que o novo (pão do cereal recém colhido) não se deve misturar ao antigo (levedo de pão velho). As ervas amargas teriam sido as plantas do deserto, com as quais os beduínos ainda hoje temperam as suas comidas. A refeição do Pesach deveria ser tomada com os cintos apertados, as sandálias nos pés e os cajados nas mãos, prontos para saírem de viagem.

Os povos do mundo costumam ressignificar seus rituais conforme os eventos históricos que marcam as suas vidas. Assim aconteceu com o povo de Israel. Ao ser liberto do Egito, passou a ressignificar os elementos básicos desta festa primaveril para expressar a sua compreensão do que havia acontecido e ritualmente expressar a sua fé, seu louvor e sua gratidão ao Deus que os libertou. Assim sendo, a festa do Pesach se tornou a maior festa do calendário judaico, pois fala de sua libertação e salvação como povo escolhido de Deus. Os elementos básicos da ceia do Pesach de hoje contêm simbologias acumuladas desde as origens da festa. O vinho, que é tomado em quatro ocasiões durante a ceia, simboliza tanto o fruto da videira, que representa a vida, a alegria e o bem-estar que Deus criou e quer para nós, como também o sangue do cordeiro pintado nos marcos que poupou os israelitas da décima praga, a morte dos primogênitos. O sangue também representa, portanto, a salvação. As ervas amargas passadas em água salgada representam as plantas desérticas dos tempos nômades, que também são os frutos da terra. Ao mesmo tempo, porém, evocam a amargura, o suor e as lágrimas do tempo da escravidão.

Os pães ázimos, matzot (plural) ou matzah (no singular), relembram o pão da miséria do tempo em Egito, o pão que foi levado às pressas por ocasião da fuga do Egito, e o mannah, o pão que Deus fez cair todas as manhãs no deserto. O pernil de cordeiro relembra os sacrifícios antigos, tanto dos tempos nômades quanto na fuga do Egito. O sangue deste cordeiro foi a salvação do povo no passado e representa o sangue dos sacrifícios oferecidos no antigo templo de Jerusalém.

Quem conhece os rituais do cristianismo provavelmente já percebeu algumas semelhanças. Precisamos lembrar que Jesus era judeu. Ele celebrava as festas judaicas como qualquer judeu da época. A última ceia celebrada por Jesus com seus discípulos provavelmente foi a ceia do Pesach. Mas Jesus deu novos significados a alguns dos elementos. Ele se auto-denominou  “pão da vida” e, ao partir os matzot, ele disse: “Este é o meu corpo dado por ti”. Quando ele tomou o cálice de vinho, falou que “esta é a nova aliança no meu sangue derramado em favor de ti”. E, quando cantamos “Cristo é o cordeiro pascal imolado por nós”, podemos fazer uma ponte direta com o cordeiro do Pesach, cujo sangue salvou o povo de Israel. No desenvolvimento desta festa, com todas as suas ramificações, chama a atenção há um fio vermelho que perpassa todas as fases: a vida plena, o bem-estar, o shalom que Deus quer dar ao seu povo e a toda a sua criação.

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