Edição 250 | 10 Março 2008

Augusto de Campos

close

FECHAR

Enviar o link deste por e-mail a um(a) amigo(a).

André Dick

Editoria de Poesia

Nascido em 1931, em São Paulo, Augusto de Campos é um dos maiores poetas e tradutores do Brasil. Faz parte do trio criador do movimento da poesia concreta, ao lado de seu irmão Haroldo e de Décio Pignatari, movimento que completou 50 anos em 2006. Publicou seus poemas nos volumes Viva vaia (3. ed. São Paulo: Ateliê Editorial, 2001), Despoesia (São Paulo: Perspectiva, 1994) e NÃO (São Paulo: Perspectiva, 2003). Sua poesia tem uma preferência sobretudo por dois temas, a música e o silêncio, apresentando um aspecto visual construtivo na página, com fragmentações de palavras, o que não é possível reproduzir aqui (apenas os versos por extenso de alguns poemas). O título de um de seus livros, Viva vaia, lembra dos protestos que Caetano Veloso recebeu num festival de música nos anos 1960 (Caetano que, aliás, escreve um capítulo sobre Augusto na sua obra de memórias Verdade tropical e musicou seu poema “O pulsar”: “onde quer que você esteja / em marte ou eldorado / abra a janela e veja / o pulsar quase mudo”). Outro exemplo é o da série Poetamenos, de 1953, em que  Augusto realiza um diálogo com a obra musical de Webern, valorizando o branco da página e as cores das palavras. No livro Despoesia, por sua vez, ele trabalha mais o silêncio temático (“poesia afazer de afasia” e “cego do falso brilho / das estrelas que escondem / absurdos mundos mudos” são alguns versos), e dialoga com músicos de vanguarda, como Scelsi e Cage. Também retrata, no poema “limite”, o amor como uma ligação entre a impossibilidade e o infinito: “DO LIMITE QUE ME LIMITA / O OLHO ILUZ / CORPOR / UM GRITO QUE NÃO GRITA / AMOR / A ALMA INDIZ / AO INFINITO QUE INFINITA”. Com isso, a música e o silêncio são motes para Augusto tratar de uma certa melancolia moderna, caracterizada em “Pós-tudo”: “QUIS / MUDAR TUDO / MUDEI TUDO / ÁGORAPÓSTUDO / EXTUDO / MUDO”, passando de uma idéia revolucionária (“mudar tudo”) à clausura (“extudo / mudo”). Trata-se de uma espécie de desilusão contemporânea, já constatada em fragmentos de seu primeiro poema, O rei menos o reino, de 1951: “Já que não posso mais desencantar-te / Ao meu Canto que é antes Desencanto / Encanta-me contigo”. Segundo Arnaldo Antunes, entre “falar e calar”, os poemas de Augusto “parecem dizer o indizível, por não tentar dizê-lo, mas realizá-lo através da linguagem”.

Entre os livros que Augusto publicou de tradução, estão Verso reverso controverso (São Paulo: Perspectiva, 1978), O anticrítico (São Paulo: Companhia das Letras, 1986), Linguaviagem (São Paulo: Companhia das Letras, 1987), À margem da margem (São Paulo: Companhia das Letras, 1989), Invenção (São Paulo: Arx, 2003) e Poesia da recusa (São Paulo: Perspectiva, 2006). É visto como um dos maiores tradutores para o português de poetas como Mallarmé (Mallarmé, com Décio Pignatari e Haroldo de Campos. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 1991), Arthur Rimbaud (Rimbaud livre. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 1992), Gerard Manley Hopkins (Hopkins – A beleza difícil. São Paulo: Perspectiva, 1997), cummings (Poem(a)s – e. e. cummings. São Paulo: Francisco Alves, 1999) e R. M. Rilke (Coisas e anjos de Rilke. São Paulo: Perspectiva, 2001), entre outros, como Ezra Pound, Maiakóvski e John Donne. Em breve, lançará, pela editora Unicamp, o livro de traduções Emily Dickinson: não sou ninguém.

Augusto procura realizar, como ele mesmo observa em entrevistas, uma “tradução-arte”, que melhor consiga recriar para o português a sonoridade e as imagens do poema original. Ele se insere, neste caso, na escola de Ezra Pound, para quem a tradução era uma espécie de crítica e releitura da tradição. Sob esse ângulo, João Cabral de Melo Neto dedicou a Augusto o livro Agrestes e disse, numa entrevista de 1989, o seguinte a seu respeito: “[...] dentre os poetas mais moços que eu [Cabral nascera em 1920], ele é o sujeito com maior futuro literário e com mais espírito crítico”. O poema a seguir, “Brahma”, é do poeta e filósofo norte-americano Ralph Waldo Emerson (1803-1882), e sua tradução foi enviada por Augusto especialmente à IHU On-Line.


BRAHMA
 
Se o matador pensa que mata
      E o morto pensa que foi morto
É  que não sabem o que ata
     Em meu caminho o reto ao torto.
   
 O lá é aqui, o longe é perto.
     A sombra e a luz, uma só flama.
Deuses me falam no deserto.
     Iguais em mim a fama e a lama.
   
 Ninguém escapa à minha vida.
     Eu sou a asa do que voa,
 Sou a dúvida e o que duvida
      E a canção que o brâmane entoa.

 Deuses anseiam por meu teto
     E os sete sóis rondam me em vão,
 Mas o que ama o bem, secreto,
      Tem o meu céu em sua mão.

Últimas edições

  • Edição 552

    Zooliteratura. A virada animal e vegetal contra o antropocentrismo

    Ver edição
  • Edição 551

    Modernismos. A fratura entre a modernidade artística e social no Brasil

    Ver edição
  • Edição 550

    Metaverso. A experiência humana sob outros horizontes

    Ver edição