Edição | 26 Março 2012

Alguns cenários da TV no momento pós-digitalização

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Luciano Correia dos Santos

O novo arranjo que surge no mercado brasileiro de televisão a partir da mudança de patamar, de analógico para digital, indica um fortalecimento do setor de televisão paga.

O curioso é que grande parte das previsões apontavam na direção da expansão em massa da televisão digital terrestre, concebida para ter acesso universal e gratuito. Na prática, o processo tem se desenrolado com outras lógicas, a começar pelo custo da extensão do sinal às áreas com menor densidade populacional (onde há consequentemente menos presença de mercado). Depois, pela incorporação de práticas anteriores, herdadas do modelo de negócio de acesso privado, que restringia o serviço às camadas abastadas, a chamada exclusão pelos preços. Nesse ambiente, o segmento de TV paga ganhou novo fôlego, ainda mais após a perspectiva de entrada de novos capitais num negócio até então manejado pela radiodifusão tradicional.

A aprovação, pelo Senado Federal, do projeto de lei que abre o mercado de TV a cabo para as empresas nacionais e estrangeiras de telecomunicações, em agosto de 2011, é significativa na definição de um novo momento no mercado de televisão no país, por algumas razões: a) porque a entrada das teles, um ator econômico com poder de fogo para desequilibrar as posições estabelecidas, cria condições novas que alteram a hegemonia até então exercida pelas grandes redes abertas; b) a aprovação da lei acompanha uma tendência de flexibilização do marco regulatório, como já ocorre com outros setores da economia; e c) a mesma tendência à flexibilização pode, num momento seguinte, estender a abertura do mercado para além do serviço de transmissão via cabo e alcançar a própria televisão digital terrestre. As razões alegadas pelo governo para a tomada de posição seriam a promoção da concorrência no mercado de TV por assinatura, para, com isso, baixar os preços do serviço e ampliar a banda larga.

Dessa forma, segue uma lógica predominante na maioria dos países nas últimas décadas, notadamente a partir dos governos privatizantes de Margareth Thatcher, na Inglaterra, e Ronald Reagan, nos Estados Unidos, que dispararam uma espécie de onda de governos classificados como neoliberais, pelo combate às políticas de Estado e às garantias sociais e privatização de serviços fundamentais executados pelo ente público. Independentemente do caráter que rege o mercado brasileiro de televisão e seus agentes locais e independentemente da frouxidão permitida por este mesmo Estado no desempenho do que deveria ser o seu papel como agente concessionário, regulador e fiscalizador da radiodifusão gratuita e aberta, era fundamental mensurar os riscos de que uma indústria televisiva nacional venha a mergulhar numa crise sem precedentes e de que desapareça diante de operadores mundialmente fortes como a Telmex e a Telefônica, por exemplo.

Algumas das implicações incidem no impacto cultural que possa trazer, ou no encolhimento da cadeia do audiovisual, sob o aspecto econômico-financeiro. A venda progressiva das ações da Globo na Net para o poderoso grupo de Carlos Slim, da Telmex, Embratel e outras fortes empresas, sinaliza a incapacidade da emissora brasileira em manter o negócio sob seu controle.

A partir de 2008, a Rede Record inicia uma fase marcada pelo aumento na sua participação de audiência e no estabelecimento de picos episódicos que coloca a emissora num novo lugar, que, além de instalá-la na vice-liderança, solidifica de forma inexorável sua posição na divisão do mercado com a Globo, SBT e as demais.  Em meados do mesmo ano, a Globo experimenta quedas inéditas na audiência de suas novelas. Embora a exibição deste produto sempre enfrente dificuldades nos índices iniciais, para crescer vertiginosamente até o encerramento da trama, os números falam por si e revelam limpidamente a diminuição ano após ano, ou melhor, novela após novela. Os números são os mesmos que evidenciam outro aspecto do “amadurecimento” da Rede Globo enquanto projeto de televisão, no sentido conservador do termo, quando recorridos para ilustrar a estratégia da Record de conquistar públicos mais jovens, acusando ainda que as produções da RG se repetem na mesmice. Assim, 39% dos telespectadores da novela Caminhos do coração, da Record, possuem menos de 24 anos, enquanto que 57% dos que assistiram Duas caras, da Globo, tinham mais de 35 anos.

Enfim, são sacolejos que abalam um mercado consolidado nas últimas décadas, com desdobramentos fundamentais nas próximas, para a configuração do novo ambiente de convergência, no qual novas lógicas já se anunciavam mesmo antes do estabelecimento do patamar digital. Os exemplos apontados acima, tomados aqui isoladamente e quase ao acaso, deixam entrever novos hábitos de consumo midiático, novos atores e realidades emergentes que reclamam novas ferramentas para explorar os caminhos.

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