Edição 247 | 10 Dezembro 2007

Projetos da Aracruz Celulose modificarão o pampa gaúcho?

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IHU Online

Alvo de críticas por insistir em plantios de eucalipto na região do pampa gaúcho, a Aracruz Celulose, por intermédio da engenheira florestal Maurem Alves, disse que a “taxa de ocupação deste bioma” pela empresa “não atingirá sequer 1% do seu território”. Questionada sobre a pressão das empresas do ramo papeleiro sobre o governo gaúcho para liberar o plantio, Maurem alegou que “um investimento desse porte, para manter viabilidade econômica, está condicionado ao cumprimento de prazos”. Segundo ela, a “inconformidade das empresas não diz respeito a ter que cumprir regras ou realizar estudos”, mas sim “à incerteza e à instabilidade dos regramentos”.



Maurem Alves é graduada em Engenharia Florestal e mestre em Engenharia Agrícola, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Desde 2001, é responsável pela coordenação do Sistema de Gestão Ambiental e da Qualidade na Área Florestal da Aracruz S/A, unidade Guaíba. É membro do Conselho Municipal de Meio Ambiente de Guaíba e atua como consultora em processos de certificação florestal.

Confira mais detalhes, na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line.

IHU On-Line - Se a Aracruz Celulose se apresenta como uma empresa preocupada com o meio ambiente, como ela encara o fato de transformar o pampa gaúcho, um dos símbolos ecológicos do Rio Grande do Sul, em uma floresta de eucalipto, que, por sinal, nem é árvore nativa da região?
Maurem Alves -
Os projetos de silvicultura previstos para o estado e, em especial, o projeto da Aracruz Celulose, não vão transformar o cenário do pampa gaúcho, constituindo-se em mais uma alternativa econômica para a região.

Considerando-se a conclusão da expansão de plantios prevista, a taxa de ocupação deste bioma pela Aracruz não atingirá sequer 1% do seu território. O eucalipto é proveniente da Austrália, mas não podemos esquecer que muitas outras culturas agrícolas praticadas no estado há muitos anos estão baseadas em espécies também exóticas: o gado, por exemplo, é de origem européia; a soja foi trazida da China; o arroz, da Índia, e o trigo, da Ásia Central.

IHU On-Line - O que justifica a opção da Aracruz Celulose em investir na plantação de eucalipto no pampa gaúcho?
Maurem Alves -
A região de interesse para a Aracruz foi amplamente avaliada em termos de disponibilidade de terras - todas elas com um longo histórico de antropização , características de solo, distância do local de consumo e logística disponível para transporte. A experiência com plantios no estado há mais de 30 anos, com um histórico de aprendizado e melhorias no planejamento ambiental, nos dá a tranqüilidade de poder implantar o projeto com os cuidados e salvaguardas ambientais necessárias.

IHU On-Line - Entre os compromissos da Aracruz Celulose, diz-se que um dos objetivos é fornecer produtos ambientalmente adequados. Como isso é possível numa região como o pampa gaúcho?
Maurem Alves -
Isto é possível através de um cuidadoso planejamento das áreas a serem manejadas, mediante a delimitação de áreas protegidas, implementação de ações para recuperação dos inúmeros passivos ambientais encontrados e emprego das melhores técnicas de cultivo, que visam à conservação do solo, à racionalidade no uso da água e ao respeito aos trabalhadores e comunidades envolvidas.

O Estudo de Impacto Ambiental realizado, com o envolvimento de mais de 80 profissionais de diferentes áreas, apontou quais os cuidados e restrições a serem incorporadas ao planejamento dos plantios, para que se tenha uma situação de controle e minimização dos impactos potenciais.

IHU On-Line – E quais são os cuidados e restrições apontados pelo Estudo de Impacto Ambiental?
Maurem Alves -
Posso citar alguns exemplos, como a restrição de ocupação de determinados tipos de solo (que sempre são mapeados nas propriedades), o não plantio em áreas de recarga de águas subterrâneas (também mapeadas), a necessidade de identificação em campo dos locais de ocorrência de espécies endêmicas. O planejamento para que haja plantios em diferentes idades na bacia hidrográfica é outra orientação importante do estudo, assim como a necessidade de recuperação das áreas de preservação permanente que se encontram degradadas.

IHU On-Line - Depois de 20 anos de silvicultura, o solo não mais produz eucalipto com valor comercial. Como será feita a recomposição desse solo? Ele, um dia, será recuperado pelas empresas que pregam o uso renovável dos recursos naturais? De que maneira?
Maurem Alves -
Os plantios da Aracruz no Rio Grande do Sul demonstram uma realidade muito diversa. Há propriedades cultivadas há mais de 30 anos, onde já foram realizadas cinco colheitas na mesma área e o potencial produtivo não apenas se manteve como aumentou. Um plantio de eucalipto pode ser colhido por até três vezes, se for feita a condução de seus brotos. Quando já não há viabilidade econômica na condução da brotação, são plantadas novas mudas na entrelinha do plantio anterior, e a produção segue o ciclo normal. A garantia de manutenção do potencial produtivo do solo é obtida pela seleção de espécies com melhor desempenho no aproveitamento dos nutrientes e da água, do emprego de fertilização adequada e com técnicas apropriadas de preparo de solo. Não há degradação do solo em função do cultivo de eucalipto quando são respeitadas as boas práticas de manejo, que foram desenvolvidas através de pesquisas e experimentação em campo.

IHU On-Line - A Aracruz argumentou que investiria em outros estados, caso a Fepam não liberasse áreas para silvicultura no pampa gaúcho. Para ser condizente com a preocupação que afirma ter com o meio ambiente, por que a empresa não aguardou que novos estudos fossem realizados na região, para avaliar a possibilidade do plantio?
Maurem Alves -
Um investimento desse porte, para manter viabilidade econômica, está condicionado ao cumprimento de prazos. A inconformidade da empresa não diz respeito a ter que cumprir regras ou realizar estudos, que vêm sendo feitos há muito tempo, inclusive nos plantios já estabelecidos no estado. O que ameaça o planejamento de um negócio desse vulto é a incerteza e instabilidade dos regramentos.

IHU On-Line - A empresa alega que plantará florestas e que não transformará áreas do pampa gaúcho num deserto verde. Como isso, será possível tendo em vista que a biodiversidade da região é marcada pela vegetação campestre e por uma fauna que habita ambientes abertos?
Maurem Alves -
Os estudos já realizados em plantios estabelecidos há mais de 30 anos apontam a presença de uma diversidade biológica nas áreas de vegetação nativa da empresa, e mesmo nos subosques dos plantios, que contrariam de modo veemente a denominação “deserto verde”. Nas áreas onde predomina a vegetação campestre, todos os fragmentos de campo nativo em bom estado de conservação são mapeados e passam a constituir a reserva legal da propriedade, assegurando a manutenção de habitats com boa capacidade de suporte para a biodiversidade local. Além disso, a disposição dos plantios em mosaicos na área de atuação e a proporção de plantio pretendida em relação às áreas das bacias hidrográficas, ou unidades de paisagem onde está presente a Aracruz, não representam ameaça à manutenção da paisagem e muito menos à riqueza de espécies típica do bioma.

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