Edição 246 | 03 Dezembro 2007

Benno Dischinger

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Conheça um pouco mais do professor Benno, na entrevista que segue, concedida por ele à revista IHU On-Line:

“Sempre que pensas que já não vai dar, / surge uma luzinha de qualquer lugar; / para que de novo queiras tentar, / e com alegria procures cantar. / Os fardos de cada dia carregues levemente, / tendo ânimo, coragem e fé novamente.” Este é um fragmento de um dos poemas de Benno Dischinger que, há três anos, se dedica a traduzir para as publicações do Instituto Humanitas Unisinos. Em 78 anos de vida, muitas foram as experiências que contribuíram para a sua formação profissional e pessoal. Desde os 9 anos de idade, ele estava decidido a seguir uma vida religiosa. Mais tarde, percebeu que não era esta a sua missão e decidiu mudar de rumo, recebendo dispensa do celibato do Papa Paulo VI. Quando achou que já havia experimentado de tudo, aos 56 anos, também descobriu o sentido da paternidade.
Conheça um pouco mais do professor Benno, na entrevista que segue, concedida por ele à revista IHU On-Line:
 
Origens - Nasci na Praia Comprida, em Vitória (ES), em julho de 1929. Onde ficava esta praia, após aterros, é hoje o centro de Vitória. Meu pai, natural de Novo Hamburgo, era diretor do Banco do Espírito Santo. Ele fora diretor do Banco Pelotense, aqui no Rio Grande do Sul, associado ao Banco do Espírito Santo e foi transferido para lá. Minha mãe, de Porto Alegre, era dona-de-casa. Como era hipertensa, sempre teve que tratar da saúde, mas gerou dez filhos, oito dos quais sobreviveram sendo que todos nasceram em casa. Eu nasci em uma casa de classe média, quase à beira-mar. E sempre gostei do mar. Sua agitada amplitude faz-me sentir a imensidão do Cosmo.

Irmãos - Antes de mim, nasceram outros dois homens: um que viveu, casou e morreu em São Paulo; e outro, muito ligado a mim, que não casou, era mentalmente menos evoluído e trabalhou em uma fábrica em Novo Hamburgo. Nos últimos anos, permaneceu bastante doente, em uma clínica de idosos perto de Itapuã, distrito de Viamão, falecendo no ano passado. Dos oito filhos de meu pai e minha mãe sobrevivem quatro. Um deles, que também foi jesuíta, atuou como intérprete multilíngüe no Mercado Comum Europeu, hoje União Européia, reside em Bruxelas e é pai de quatro filhas. Viúvo aos 60 anos, meu pai voltou a casar e teve mais dois filhos. Meus pais, filhos de alemães, deram-nos uma educação bastante rigorosa. Eu estou com 78 anos e fui o sexto filho na ordem dos nascimentos. Como criança, era frágil, enfermiço e sofri bastante com uma amidalite.

Infância - Brinquei muito com meus irmãos. Brincávamos de tudo. Como havia árvores nos fundos de casa, subíamos muito nas mesmas e ali instalávamos nossa “casinha”. Aos sete anos, quando comecei a estudar, um mês depois de estar no colégio, caí de uma árvore, fraturei costelas e tive que ficar de cama por um mês. Meu pai gostava de nos levar para ver o pôr-do-sol, do alto de uma colina no bairro Partenon, em Porto Alegre, e também de nos levar às margens do Rio Guaíba. As irmãs mais velhas ajudavam a mãe nas lidas domésticas.
Também tínhamos uma cozinheira da zona rural que só falava alemão e este foi o primeiro idioma de minha infância.

Economia - Em 1930, meu pai foi morar em Porto Alegre. Houve aquela quebradeira geral dos bancos, e ele deixou a profissão. Primeiro, traduziu do inglês toda a Coleção Amarela de romances policiais da época. Depois, com dois colegas alemães, criou a Sociedade de Crédito Real Auxiliadora Predial, hoje uma conhecida imobiliária de Porto Alegre. Foi a primeira Sociedade de Crédito coletivo, com sorteios periódicos para construção de moradias. Ele mesmo criou esse sistema. Em vista disso, me criei tendo em casa uma caixinha em forma de casa, feita para a gente guardar moedinhas e aprender a economizar desde cedo.

Estudos - Os primeiros dois anos de aula foram na chamada Josephschule, uma escola jesuíta situada ao lado da Igreja São José, em Porto Alegre. Eu gostava de ler. Foi uma tendência natural e meu pai, que também gostava de ler, tinha uma boa biblioteca. Assim, eu lia muito e brincava pouco. Nós morávamos com vizinhos que eram primos, e a gente tinha uma turma grande de crianças para brincar. Fiz o então curso primário na Escola São José, que, durante a Segunda Guerra Mundial, foi transformada no curso Roque Gonzáles. E tive um ótimo professor de matemática na 5ª série, o que me facilitou muito a fazer somas, subtrações etc. Ainda hoje, em armazéns ou lojas, enquanto vão somando as minhas compras na calculadora, já tenho o cálculo feito mentalmente.

Noviciado – Fiz o então Ginásio com os jesuítas, no Colégio Anchieta. Queria ser padre porque minha mãe sempre teve muita amizade com os padres. Desde a 1ª Comunhão, aos nove anos de idade, eu era coroinha nas missas. Aos 16 anos, estudei um ano no Colégio Santo Inácio, em Salvador do Sul, o então pré-seminário dos jesuítas. Com 17 anos, entrei no noviciado jesuíta, em Pareci Novo. Durante o noviciado, tive que cumprir uma penitência. Todas as quartas-feiras, se faziam caminhadas em grupos de três noviços e não era permitido encontrar-se e conversar com outros grupos. E houve um encontro casual de grupos em uma gruta, onde incentivei a comunicação. Por conta disso, tive que fazer cinco vias-sacras e almoçar de joelhos.

Formação – Estudei Filosofia no Colégio Máximo Cristo Rei, em São Leopoldo, dos 21 aos 23 anos. E fiz três anos de magistério em Florianópolis, no Colégio Catarinense, pois, após o curso de Filosofia, éramos destinados a fazer magistério. De volta a São Leopoldo, cursei Teologia. Semanalmente, dava catequese aos funcionários da fábrica Amadeo Rossi, no intervalo deles. Em 1959, aos 30 anos de idade, foi minha ordenação sacerdotal. Após mais um ano de Teologia, houve um ano de terceira provação, uma espécie de terceiro noviciado, em Barra do Piraí, no Rio de Janeiro.

Roma - Em 1965, fui enviado a Roma para fazer Doutorado em Teologia Dogmática, na Universidade Gregoriana. Como tese, pesquisei o Sacramento da Penitência nos três primeiros séculos da Igreja cristã. Foi muito interessante morar em Roma, porque foi na época do Concílio do Vaticano II, de 1962 a 1965. Ajudei indiretamente no Concílio com impressão de documentos e xerox. Conheci pessoalmente João XXIII, porque fui convidado duas vezes por locutor da Rádio Vaticano para substituí-los. Era um jesuíta do Brasil e outro de Portugal, e, como eu imitava bastante bem o sotaque do português de Portugal, este último me pedia para falar nas transmissões para Portugal e as Províncias Ultramarinas.

Dispensa do celibato - Depois de formado, fui professor e diretor da Faculdade de Teologia no Colégio Máximo Cristo Rei. Também fui diretor do Centro de Ciências Religiosas da PUCRS, em Porto Alegre. Depois, comecei a lecionar Filosofia, na antiga sede da Unisinos, na Faculdade de Filosofia Ciências e Letras. Mas, em 1971, encaminhei meu processo de laicização e dispensa do celibato, por tendências pessoais para a vida matrimonial. Não me sentia em casa. Não foi fácil. Fiz psicanálise com uma médica que fazia regressão de idade, em Porto Alegre, muito ligada aos jesuítas. Confirmei a minha decisão e recebi a dispensa. Hoje, ainda trabalho com os jesuítas, em parte para retribuir a formação deles recebida.

Casamento – Casei em Porto Alegre, em 1972, aos 43 anos de idade. Minha esposa, Catarina Ferreira Bicca, é formada em Serviço Social pela PUCRS e trabalhou na Previdência Social, no setor Materno Infantil e no de acidentes do trabalho. Em função do meu trabalho na Unisinos, viemos morar em São Leopoldo. Eem 1986, quando eu já tinha 56 anos, nasceu nossa filha, Juliana, que nos trouxe muita alegria. Várias vezes, eu a trouxe para a Unisinos e a acomodava de qualquer jeito, pois ainda não havia a creche. Uma das reivindicações, quando fui presidente da Associação dos Professores da Unisinos, foi uma creche para os funcionários e professores. Hoje, ela existe e é de boa qualidade.  

A vida sem a batina - Comecei a trabalhar na UCS, onde fui chefe do Departamento de Filosofia; nas Faculdades de Taquara (FACCAT), na Unisinos, nas Faculdades Canoenses, hoje, Ulbra, e no Colégio Maria Imaculada, em Porto Alegre, onde eu morava na época. Trabalhava de 40 a 60 horas semanais em sala de aula e fazia 5 mil quilômetros por mês com meu fusquinha. Depois, a Unisinos começou a me absorver. A UCS (Caxias do Sul) também ofereceu contrato de 40 horas, mas eu achei o clima de lá muito frio. Em 1973, eles estavam com falta de professor para Sociologia do Direito, e me pediram para dar as aulas. Ao mesmo tempo, mas em outro prédio, dei Metodologia do Ensino de Filosofia, através de textos com tarefas, para um grupo de 16 formandos em Filosofia. Isso, em si, não era correto, mas a Universidade de Caxias estava, na época, com dificuldades financeiras e fiquei um ano sem receber salário, só ajuda de custo para viagem. Depois me concentrei aqui na Unisinos, onde estou desde o período da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras, perfazendo 38 anos de atividade docente.

Unisinos - É ótimo trabalhar na Unisinos. Fui várias vezes chefe do departamento de Filosofia e Teologia. Fui um ano tesoureiro da Associação dos Professores e, por quatro anos, fui presidente da Adunisinos. A Unisinos teve um momento de grande expansão. Depois, começou a entrar em crise, porque se multiplicaram nos arredores outras instituições de ensino superior. Eu também participei do sistema de atualização da universidade, em reuniões periódicas intituladas Planejamento Estratégico. Nos últimos anos, fui Secretário do Conselho do Centro de Ciências Humanas da Universidade. Além das aulas que eu dava, traduzia livros para a Editora Unisinos. Em março de 2004 foi meu jubilamento, mas continuo trabalhando como tradutor para a Universidade, na categoria de autônomo. 

Traduções - Há três anos, estou fazendo traduções para o Instituto Humanitas Unisinos. Gosto de trabalhar aqui, embora o trabalho seja puxado.  Além do português, falo seis idiomas (latim, alemão, espanhol, francês, inglês e italiano), além de ter noções de grego e japonês. Ultimamente, tenho traduzido mais francês, alemão e italiano.

Instituto Humanitas Unisinos – Acho que é um trabalho sério, feito com primor, muito importante, muito bem estruturado e de boa repercussão. A revista IHU On-Line é muito estimada e lida com satisfação. E também são bastante interessantes e culturalmente enriquecedoras as entrevistas que o IHU promove em nível internacional. 

Lazer – Cortar grama, fazer caminhadas e hidroginástica, compor poemas [Veja alguns na editoria Invenção]. Há três anos comecei a me tratar no SPA Tourlife, em Montenegro (RS), porque estava com artrose nos joelhos, o que já me dificultava caminhar. Também gosto de fazer viagens. No ano passado, estive uma semana em Fortaleza (CE). E gosto de passar uma semana de férias na praia dos Ingleses, em Florianópolis (SC) no Hotel Ingleses Holiday, também freqüentado por outros professores e funcionários da Unisinos. Quando fui fazer doutorado em Roma, fui e voltei de navio, enfrentando por vários dias o alto-mar nos transatlânticos, com 2 mil passageiros e 400 tripulantes a bordo; e, numa das viagens, uma violenta tempestade quase fez adernar o navio.

Livros – Estou lendo Muitas vidas, uma só alma – Descubra o poder de cura das vidas futuras através da terapia do progresso, que relata experiências do psicanalista Brian Weiss. Também gostei dos livros de Carl Sagan, autor de Bilhões e bilhões: reflexões sobre vida e morte na virada do milênio, e de O mundo assombrado pelos demônios: a ciência vista como uma vela no escuro. Também me foi muito encorajadora a leitura das obras de Fritjof Capra, como, por exemplo, a de As conexões ocultas – Ciência para uma vida sustentável.

Filmes - Assisto a filmes raramente. Um que me marcou bastante foi O código Da Vinci, de Ron Howard, adaptado da obra de Dan Brown. Também li obras de comentário e crítica ao Código.

Política brasileira – Está numa fase um tanto tensa, mas voltada para o social. Há exageros na maneira de o atual presidente lidar com o desnível social. Essas bolsas que o governo concede aos carentes são, por um lado, uma ajuda necessária. Mas, por outro, geram falta de esforço em buscar trabalho. Também são problemas o inchamento das favelas, a violência e o narcotráfico.

Educação – No 1º e no 2º graus, é preciso haver uma reformulação. Sente-se, nos universitários que chegam, a falta de preparo para o nível superior. E a internet também interfere muito, porque faz com que os alunos se baseiem nos textos disponíveis na rede e não produzam seus trabalhos pessoalmente.

Sonho – Continuar sendo útil e, com as minhas mensagens, ajudar as pessoas a encarar a vida positivamente. E que o Brasil continue sendo uma grande democracia. Que diminua o nível de pobreza e de miséria, que a alfabetização seja 100% e que haja paz no mundo. Que haja, além disso, realmente maior canalização de recursos para os países do 3º e 4º mundos e menos canalização de recursos para guerras.  

 

 

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