Edição 246 | 03 Dezembro 2007

“Embrião humano é vida humana”

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IHU Online

O subprocurador geral da República Cláudio Lemos Fonteles é contra o uso de embriões humanos em pesquisas sobre células-tronco. Desde 2005, ele move no Supremo Tribunal Federal uma ação direta de inconstitucionalidade contra o dispositivo da Lei de Biossegurança que permite o uso de células-tronco retiradas de embriões humanos para fins de pesquisa e terapia. Em entrevista concedida por telefone à IHU On-Line, ele explica sua posição e enfatiza que sua argumentação não tem nada de fundo religioso. É assentada em dois princípios constitucionais: a dignidade da pessoa humana e a inviolabilidade da vida humana.



Claudio Fonteles graduou-se em Direito, pela Universidade de Brasília, onde também concluiu o mestrado em Direito, com a dissertação A posição do Ministério Público - perspectiva processual penal. Fonteles exerceu o magistério por quase 40 anos, tendo lecionado Direito Penal e Processual Penal (1971-2002), na UnB, UniCeub e Escola Superior de Magistratura.
Ingressou no Ministério Público Federal em 1973 e exerceu o cargo de procurador-geral da República, de 2003 a 2005. Atuou politicamente como secundarista e universitário, tendo sido membro da Ação Popular – AP - , movimento estudantil ligado à esquerda católica que comandou a UNE na década de 1960. Católico, Fonteles é membro leigo da Ordem de São Francisco.

IHU On-Line - Quais são os motivos que o levaram a solicitar o impedimento de pesquisas com células-tronco embrionárias? Em que o senhor fundamenta sua posição contrária à utilização de células-tronco embrionárias para pesquisa?
Cláudio Fonteles –
São dois fundamentos de ordem do Direito Constitucional Brasileiro. Porque a nossa Constituição marca, logo na abertura, os princípios fundamentais que devem reger a convivência entre brasileiros e brasileiras. Ela destaca no Artigo 3º, inciso I, como princípio fundamental, a dignidade da pessoa humana. É um princípio aberto. A partir daí, ela vai, em todo seu contexto, pontuando como garantir a dignidade da pessoa humana. E faz isso logo no Artigo 5º, quando fala dos direitos e garantias individuais. E, nesse artigo, ela estabelece o princípio da inviolabilidade da vida humana. Se a própria constituição diz que a pessoa humana, em nosso país, é digna e que o primeiro marco para assentar a dignidade humana é preservar, em toda sua extensão, a vida, usando, portanto, a expressão “a vida é inviolável”, há a necessidade de marcar quando começa a vida humana. Eu questionei o tema para dar efetividade a esses princípios perante a Suprema Corte, a partir de uma lei infraconstitucional, que foi colocada pelo parlamento brasileiro para regular a produção de gêneros alimentícios, que é a chamada Lei de Biosegurança Alimentar . O Artigo 5º dessa lei, que está completamente fora de lugar, permite a pesquisa com embriões humanos. Eu digo que embrião humano é vida humana. E afirmo isso com base em posicionamentos de cientistas, que marcam o início da vida na fecundação. 

IHU On-Line – Então, o senhor é contra o uso de embriões congelados em clínicas de reprodução assistida nas pesquisas com células-tronco?
Cláudio Fonteles –
Claro que sou contra, porque embriões congelados são vida. No debate que aconteceu no Supremo Tribunal Federal, em especial a professora Alice Teixeira , da USP, demonstrou que há casos de embriões congelados durante 13 anos que se tornaram vida. Não se pode eliminar a vida. No momento em que há fecundação, surge o embrião, chamado zigoto, que por ele mesmo começa a se auto-dinamizar, a se auto-movimentar e a se bipartir por um mecanismo próprio. E, nessa auto-divisão, ele vai se movimentando em direção ao útero materno. O útero não é definitivo para a vida desse embrião. A vida já existe. O útero acolhe apenas. Não é o ninho que dá vida ao passarinho, não é? Dentro dos conceitos de auto-dinamização e auto-movimentação, demonstramos que no momento da fecundação já há vida própria, independente do pai e da mãe. E chamamos essa vida de única e irrepetível.    

IHU On-Line – E se esses embriões das clínicas de fertilização morrerem por ficarem tempo demais congelados, considerando que poderiam ter sido usados para pesquisas capazes de salvar muitas vidas? Como o senhor vê essa questão?
Cláudio Fonteles –
A minha ação significa impedir uma única linha de pesquisa nas doenças degenerativas, que é relativa ao uso de embrião humano, porque esse é vida. Depois da minha ação, proposta há alguns anos, a medicina evoluiu tanto que está mostrando outros caminhos possíveis. Descobriu-se que o líquido amniótico da mulher tem as mesmas propriedades que o embrião humano no processo de gerar células totipotentes . Depois, vemos o processo de regeneração até das células adultas se transformarem em células com as mesmas propriedades de totipotência. Agora, recentemente, a imprensa toda mostrou que a pele de um adulto tem chances de criar células totipotentes. Minha ação não paralisa em praticamente nada a pesquisa médica para propiciar a terapia nas doenças degenerativas. Eu e minha família toda autorizamos a doação de órgãos em caso de morte. Os seres humanos que não doam - e é um direito que eles têm de não doarem - estariam também contribuindo para que a ciência não se desenvolvesse? Não. É uma decisão pessoal. Ainda não temos resultados concretos e positivos com células-tronco embrionárias e temos a medicina nos provando que há outros campos com a mesma possibilidade de desenvolver com sucesso a pesquisa com células totipotentes que não as embrionárias. Isso é muito importante.

IHU On-Line - Existe diferença moral entre a realização de pesquisas com embriões criados em laboratórios, como o caso dos embriões gerados através do processo de fertilização in vitro, ou embriões gerados a partir do modo natural? 
Cláudio Fonteles –
Sou favorável à fertilização in vitro para os casais que são estéreis, para que possam ter essa chance. Inclusive, hoje, a medicina permite um controle muito grande em relação a esses embriões, não sendo mais preciso produzir em larga escala para poder fecundar a mulher. Tudo se faz em defesa da vida, mas com parâmetros, disciplina e com o valor ético de preservá-la.

IHU On-Line - Qual deve ser o papel e o poder de decisão do Estado, uma vez que os valores morais são, em muitos casos, distintos na sociedade, principalmente entre grupos religiosos?
Cláudio Fonteles –
O papel e o poder de decisão do Estado deve se dar nos parâmetros jurídicos. Na nossa conversa, eu estou mostrando que minha argumentação não tem nada de fundo religioso. Ela é assentada em dois princípios constitucionais: a dignidade da pessoa humana e inviolabilidade da vida da pessoa humana e, a partir daí, esses princípios refletem uma opção ética do estado brasileiro – porque o estado precisa ser ético, mas não religioso. Dentro da visão ética e universal, o fundamental para nós, homens e mulheres, é que seja respeitada a vida da mulher e do homem, desde seu primeiro momento, quando se chama embrião, depois feto, até nascer. Depois, vai se chamar criança, jovem, adulto e velho. E o estado há de defender a mulher e o homem em todos os estágios da vida. 
 
IHU On-Line - A maioria dos cientistas é unânime ao afirmar que o potencial das células-tronco embrionárias é bem maior do que o das células-tronco adultas (somáticas). Como o senhor se posiciona em relação ao futuro da ciência médica no Brasil, caso não se possa usar embriões humanos para pesquisas? O Brasil corre risco de ser ultrapassado nas pesquisas? Pode ficar para trás e estar à margem do acesso aos remédios e tratamentos fornecidos pelos outros países?
Cláudio Fonteles –
Essa é uma visão equivocada. Há resultados na pesquisa com células-tronco adultas, a partir da medula óssea. Não vamos ficar atrasados coisa nenhuma. As recentes conclusões da medicina vão no sentido contrário do que dizem esses cientistas, que estão pesquisando com células-tronco embrionárias. Esses cientistas deviam utilizar sua inteligência e seus esforços, que são magníficos, para essas áreas da medicina internacional. Caso contrário, ficaremos a reboque da pesquisa japonesa e americana, que já está partindo para pesquisar em outros setores. Veja essa bem recente, que nem vê praticamente mais razão de pesquisar com embrião. Então, por que ficam batendo nessa tecla dos embriões, que não tem nada de real, apenas possibilidades e idéias abstratas. De concreto, temos apenas resultados com células-tronco adultas. Me agradaria muito se um dia viesse um cientista ou uma cientista brasileira e dissesse: “Pronto. Depois de anos de pesquisa, temos aqui a demonstração clara de que não precisamos mais matar seres humanos (embriões) e podemos conseguir a mesma propriedade de totipotência nesse tipo de pesquisa”.

IHU On-Line - Que informações precisam ser esclarecidas para que a sociedade entenda efetivamente o que os cientistas vêm pesquisando nessa área?
Cláudio Fonteles –
É importante que as universidades se envolvam, a mídia dê um tratamento sério da matéria, permitindo que as pessoas exponham amplamente seus pontos de vista, seu raciocínio e motivação, seja contra ou a favor, e isso seja levado do Amazonas ao Rio Grande do Sul. É preciso mostrar ao país que temos que debater grandes questões. É assim que cresce uma sociedade em forma de civilização, na medida em que as pessoas debatam, sem nacionalismos, com suas razões, para que todos possam tirar suas conclusões. Eu sou católico e claro que minha fé católica bateu aí nessa questão. Mas, como eu já mostrei em minhas outras respostas, a questão é muito mais de compreensão jurídica do que de argumentação teológica. Resvalar para o lado emocional, como tem feito a grande mídia, não leva a nada.    

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