Edição 245 | 26 Novembro 2007

Como entender a cultura alemã no Rio Grande do Sul?

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IHU Online

Formação Étnica do Rio Grande do Sul na História e na Literatura

Não há como estudar a colonização alemã no Rio Grande do Sul sem consultar a obra do francês Jean Roche, considera o professor Martim Dreher, da Unisinos. Em entrevista à IHU On-Line, por e-mail, ele conta que a produção bibliográfica de Roche “traz um amplo trabalho sobre a sociedade dos descendentes dos imigrantes alemães no contexto regional do Rio Grande do Sul”, até a década de 1960.

Os estudos da historiografia alemã serão abordados por Martin Dreher, na próxima quinta-feira, 29-11-2007. Ele estará presente no evento Formação Étnica do Rio Grande do Sul na História e na Literatura. No encontro que está marcado para as 19h30min, ele apresentará a pesquisa de Jean Roche sobre a imigração alemã.

Dreher é graduado em Teologia, pela Escola Superior de Teologia, e doutor em Teologia com Concentração em História da Igreja, pela Ludwing Maximilian Universität München. Atualmente, é docente da Unisinos. Confira a entrevista:

IHU On-Line - Qual é a contribuição dos estudos de Jean Roche para a historiografia da imigração alemã? Como o senhor analisa a percepção de um francês sobre um estado brasileiro?
Martin Dreher -
Até os tempos presentes, o trabalho de Roche , A colonização alemã e o Rio Grande do Sul , é a melhor obra sobre o processo de colonização alemã no Rio Grande do Sul. Ele a reconstitui desde a fundação de São Leopoldo, em 1824. Trata-se de um trabalho rico em termos de dados geográficos, históricos e sociológicos. Tem, contudo, um eixo analítico, centrado na especificidade da colonização alemã e no desenvolvimento das colônias, designadas de agrícola, comercial e industrial. Na parte final, discute a questão da assimilação e do conflito étnico estabelecido nas duas guerras mundiais. Traz, assim, um amplo trabalho sobre a sociedade dos descendentes dos imigrantes alemães no contexto regional do Rio Grande do Sul, até 1962. Por todas essas razões, Roche é um clássico. Ele pode estar superado em alguns aspectos, por exemplo, na leitura do político, mas não se pode estudar a colonização alemã no Rio Grande do Sul sem consultá-lo. O fato de ter sido francês facilitou-lhe os estudos. Chegado a Porto Alegre, logo após o final da Segunda Guerra Mundial, pôde fazer estudos que só se tornariam possíveis a brasileiros, como eu, após 1970. Vivíamos, após 1945, ainda sob o forte impacto do discurso da Era Vargas, que igualava apego às tradições dos antepassados ao nazismo e ao “perigo alemão”. Lembro, ainda, que à época de Roche, também Claude Lévi-Strauss  fazia suas pesquisas no Brasil.

IHU On-Line - Em suas pesquisas, o senhor ressalta que, entre 1918 e 1938, os teuto-brasileiros viviam no Brasil, mas mantinham os costumes de sua terra natal. Como essa mistura de culturas influenciou na construção do País, e, sobretudo, do Estado?
Martin Dreher -
Não reservo essas minhas observações apenas ao período que você menciona. O ser humano vive de suas raízes e se torna um problema, perde sua identidade, quando essas raízes se perdem. De fato, todos nós vivemos do herdado e do novo que vamos assimilando quando nos vemos confrontados com nova cultura, novo meio. Foi o que aconteceu com os imigrantes alemães. Marcado por migrações – de indígenas, portugueses, cristãos-novos, africanos e, desde o século XIX, por alemães, italianos, suíços, franceses, poloneses, tchecos, japoneses, árabes – constituímos um país que, cada vez mais, foi sendo marcado por identidades hifenizadas, na observação de Jeffrey Lesser . O Rio Grande do Sul é, até aqui, o resultado do encontro de uma infinidade de culturas, que produziram um tipo humano próprio, uma língua peculiar, além de hábitos alimentares especiais e uma cultura mesclada por saberes.

IHU On-Line - Como as comunidades de descendentes alemães no estado, lidam, atualmente, com fatos que marcaram sua história, como por exemplo, as lembranças negativas da Segunda Guerra Mundial, e positivas como a cultura musical, festas e reuniões familiares?
Martin Dreher -
Quando se abrem feridas, elas custam a cicatrizar. Por isso, muitos dizem: não vamos falar sobre isso! Dizemos: deixa disso! Somos favoráveis a anistias “amplas, gerais e irrestritas“, que sempre acabam por fazer esquecer torturadores, racistas, violentadores, negadores de cidadania. Parece-me que esta é também uma tendência entre nós. Quando evitamos discutir determinados temas, eles vão se apresentar novamente. Por isso, é tão importante que estejam sendo feitas novas pesquisas que estudam justamente aquelas questões que se tenta ocultar, esquecer, porque nos fizeram sofrer no passado. O bom é que há pesquisas recentes trabalhando a questão, evidenciando que o maior nazista brasileiro foi Gustavo Barroso , presidente da Academia Brasileira de Letras, e que um dos maiores anti-semitas brasileiros foi Oswaldo Aranha . As contas, no entanto, foram pagas, como sempre acontece, pelos pequenos, agricultores, operários. A história e o historiador ajudam-nos a não esquecer para que não repitamos determinadas questões. É uma questão importante essa lembrada por você. Descendentes de imigrantes gostam de música ancestral, festa e história familiar. Tais aspectos nos lembram que vivemos de continuidades.

IHU On-Line - Como se deu o debate político e econômico entre brasileiros e imigrantes alemães no decorrer dos tempos? Houve evoluções?
Martin Dreher -
Os imigrantes estiveram, desde o início, politicamente envolvidos. Participaram da Guerra Cisplatina , da Farroupilha , da Guerra do Paraguai . Aprenderam que aqui se fazia política de forma diferente. Dividiram-se em Conservadores e Liberais. Depois, foram Republicanos ou Libertadores. Quando verificaram que proporcionavam a maior parcela dos impostos arrecadados pela Província, fizeram questão de participar do parlamento provincial. Após 1945, tiveram participação mais destacada, mas jamais deixaram de tomar parte nas decisões políticas e econômicas. Isso foi conquistado com muita discussão, pois as elites rio-grandenses estavam convictas de que imigrante não vêm para ter cidadania, mas para servir de braço para a lavoura. Em todos os tempos e épocas, espaços políticos precisam ser conquistados.

IHU On-Line - Qual é a importância da imprensa alemã, e em especial, do jornal Deutsche Post, na cobertura de fatos políticos, religiosos e sociais das colônias alemães no País?
Martin Dreher -
A imprensa de língua alemã no Rio Grande do Sul teve papel destacado. Não se pode estudar a história de nossa imprensa, sem levá-la em conta. Os jornais de língua alemã representavam diversos segmentos. Havia jornais confessionais, liberais, conservadores. Outros eram representantes de segmentos, como o jornal dos anarquistas, dos apicultores etc. Houve também o gênero dos almanaques, os Kalender, que tiveram uma penetração impressionante. O Deutsche Post  foi fundado por Wilhelm Rotermund  para ser o porta-voz da minoria luterana no Rio Grande do Sul. Como você sabe, os luteranos formavam 60% dos imigrantes alemães, mas eram minoria absoluta no contexto brasileiro, pois foram os primeiros acatólicos a se estabelecer no País. Assim, o Deutsche Post foi veículo importante na luta pelos direitos desse grupo minoritário. Mas não ficou só nisso. Discutia política, o que, no final, lhe foi fatal, pois seu parque gráfico foi destruído por integrantes da juventude do PRR . Foi também defensor incansável da questão escolar. Suas páginas são testemunho eloqüente da vida e da pujança das colônias.

IHU On-Line - Quais são as principais lacunas a serem preenchidas nos estudos referentes à imigração alemã no Estado e no América Latina?
Martin Dreher -
Muitos pensam que já se fez tudo o que havia para ser feito em termos de estudos sobre a imigração. Na realidade, quase nada foi feito. Recém começam a surgir os primeiros estudos relativos à área que vai de São Lourenço do Sul até Piratini. Toda a memória dessa região, que concentrou a maior quantidade de escolas comunitárias teutas no Rio Grande do Sul, ainda precisa ser recuperada. Quase não temos estudos sobre o campesinato, nem sobre a presença do imigrante nos centros urbanos, nem sobre a infância. Por sua vez, os estudos de gênero estão quase que ausentes, e os lingüísticos são incipientes. O cotidiano das populações é desconhecido. Temos no Rio Grande do Sul dialetos alemães que não são mais falados na Europa. Se lançarmos o olhar sobre a América Latina, a coisa fica mais complicada ainda. Se entre nós os estudos são poucos, no restante da América Latina a carência é maior ainda. Lanço apenas duas temáticas: imigrantes e populações indígenas; imigrantes e populações de origem africana.

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