Edição 245 | 26 Novembro 2007

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Claudio Daniel

Editoria de Poesia

O poeta Claudio Daniel nasceu em São Paulo, em 1962. É formado em Jornalismo, pela Faculdade de Comunicação Social Cásper Libero, e mestrando em Literatura Portuguesa, pela Universidade de São Paulo (USP). Foi influenciado, sobretudo no início de sua obra, pela cultura oriental, o que revela em Sutra (São Paulo: Edição do Autor, 1992) e Yumê (São Paulo: Ciência do Acidente, 1999), com poemas breves, alguns semelhantes a haicais. Ao mesmo tempo no entanto, Claudio já mostrava uma dicção simbolista e barroca, num poema como “Invenção para mandolina”: “ iridescendo / brilhante / olhos / e dentes / como estrelas do mar / / e / essa trêmula mão / alvíssima  / alvíssima / (musselina) / alvíssaras / / mas: jorro insólito / de pérolas / / - irrupção / do branco / / (antiga canção / de mandolina)”. Essa dicção ficou mais evidente em A sombra do leopardo (São Paulo: Azougue Editorial, 2001) e em Figuras metálicas (São Paulo: Perspectiva, 2005), reunião de sua obra entre 1983 e 2003, ou seja, dos livros antes citados com Pequenas aniquilações. Também escreveu a prosa experimental Romanceiro de Dona Virgo (Rio de Janeiro: Lamparina, 2004), em que, num exercício de metalinguagem, um dos mais originais da prosa brasileira nos últimos anos, contempla diversos períodos da poesia, colocando escritores como Camões, Cruz e Sousa etc. como personagens. Traduziu, também, muitos poetas do assim chamado neobarroco, como Víctor Sosa, Coral Bracho e José Kozer, principalmente na antologia Jardim de camaleões: a poesia neobarroca na América Latina (São Paulo: Iluminuras, 2004).

Sua poesia se destaca por imagens e analogias rápidas, concentrando-as num verso ao mesmo tempo prosaico e musical, como se percebe em “Branco”: “Para dizer as cores do branco. / / Mudez de mangusto / ou árvore, / / talhado silêncio / ao ignorado / / diga cetáceo cetáceo / / menos animal / que maquinário, / / esboço de desenho de lagarto”. Pode-se afirmar que ela faz uma espécie de metacrítica a um cotidiano, procurando às vezes o recurso da hipérbole e revelando uma certa violência e negatividade extremas do mundo contemporâneo. Também revela uma interseção com a cultura pop, além de um viés místico, religioso, como em “Osaka” (“os sinos / acordam / os peixes. / / o incenso / engasga / o buddha. / / as flores / no altar / sonham / / o nirvana”) e em “Austrália” (“Viagem ao branco / da pedra. Ver / - pelo avesso / da pupila - / uma face / no sulco / da terra, / um deus também / é o vento”) – citando, aqui, em itálico, um trecho de poema de Paulo Leminski.

O poema inédito que segue, com um vocabulário que remete ao barroco, mas com um verso curto, concentrado, remetendo a um confronto dantesco com o absoluto, foi enviado especialmente à IHU On-Line e faz parte de um novo livro de poemas que Claudio Daniel prepara, intitulado Fera bifronte.

 

Escrito em osso


(...)

sou espectro de mim.

*
no extravio das hipóteses,
expansão de territórios
fermentando fêmures

(ruínas de um vocabulário;
escura caligrafia
rasurando crânios).

desfoliante na curva do vento,
onde o leão do labirinto
recifra-se em ecos.

(...)

sou alimária de mim.

*

a mente como um focinho
escavando raízes
no aterro da memória

(palavras são despojos,
o sentido fraturado de tudo:
cegueira inventando cores).

precárias percepções
do caos ensimesmado:
nenhuma música aqui.

(...)

sou descosturado de mim.

*

flagelar os chifres do céu,
catarata-capricórnio
esfumada em carbono

(destrinchar o mapa celeste
com cálculos e equações
até o nada absoluto.)

num ponto qualquer
do planeta, órgãos retirados
de corpos sem autópsia.

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